sábado, julho 24, 2021

O golpe militar no labirinto de espelhos da guerra semiótica criptografada


Mais um capítulo da série “A Ameaça do Golpe Militar”. Dessa vez, com a reportagem do “Estadão” sobre um suposto “duro recado” do ministro da Defesa, general Braga Netto, ao presidente da Câmara ameaçando que “não haverá eleição em 2022 se não houver voto auditável impresso”. “Invenção”, disse o general... para depois dar uma nota para lá de ambígua jogando mais gasolina no incêndio... enquanto a “tecla SAP" dos coices de Bolsonaro, o vice general Mourão, falava que o Brasil não é uma “república de bananas”. Mais um flagrante da guerra semiótica criptografada que simula a tensão de um possível golpe militar. Que já ocorreu e ninguém viu por que foi híbrido. Estratégia semiótica para criar um cenário de dissonância cognitiva, como um labirinto de espelhos no qual não percebemos mais o que é reflexo e o que foi refletido. Cenário de dissonâncias para apagar as pistas do verdadeiro golpe que já ocorreu, contando com o efeito Heisenberg midiático e as fraquezas do “terreno humano”: explorar o pecado da vaidade de jornalistas que buscam vantagens pessoais e profissionais.

“É lógico que vai ter eleição (mesmo sem voto impresso), pô. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos república de banana”.

Assim o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, contradisse outro general, Braga Netto, ministro da Defesa. Em reportagem de 22 de julho, publicada pelo jornalão conservador O Estado de São Paulo, Braga Netto teria enviado “um duro recado” ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) que “não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso auditável”. Segundo a reportagem, ao dar o aviso através de um interlocutor que não teve o nome revelado, “o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”. 

No mesmo dia da publicação da reportagem, aos jornalistas em Brasília, Braga Netto falou que tudo era uma “invenção” do diário paulista. Depois, o jornal reafirmou a reportagem: “O Estadão mantém todas as informações publicadas”.

Mais tarde, o ministro leu uma nota para lá de ambígua: disse que “não se comunica com presidentes dos poderes através de interlocutores” e manteve a sua crítica dizendo que “o cidadão deseja maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes”. Um meio-desmentido que jogou ainda mais gasolina no incêndio.

Ato contínuo, as declarações do ministro da Defesa tiveram grande repercussão negativa nos meios políticos e judiciário. Enquanto Arthur Lira diz que pouco importa o que a imprensa publica: “o povo quer é vacina, quer trabalho...”.



Esse é mais um flagrante do modus operandi da guerra semiótica criptografada: depois do não-acontecimento da internação às pressas de Bolsonaro, mantendo ocupado os links ao vivo das “breaking news”, agora é a vez do ministro da Defesa alimentar as vivandeiras do “golpe militar” old fashion – reavivar o imaginário das quarteladas, tanques de guerra cercando o Congresso e caminhões do Exército com soldados nas carroçarias cruzando as ruas.

Estratégia essencial na guerra de informações, o objetivo é detonar bombas semióticas de fragmentação, cujos estilhaços geram principalmente ambiguidade: semi-desmentidos, discursos semanticamente polissêmicos, contradições. No todo, criar um cenário cognitivo dissonante, confuso, caótico. Assim como o provocados pelos dois terabites de documentos na CPI da Pandemia, tornando as investigações incognoscíveis para a opinião pública.

Embaralhar os códigos

Como todo processo criptográfico, o objetivo é embaralhar códigos no plano sintático para ocultar as seguintes mensagens do plano semântico:




(a) De fato, o Brasil não é mais uma república bananeira, como afirmou Mourão. A sofisticação das psyOps militares comprovam isso, a ponto de nãos ser mais necessário fazer as cinematográficas “quarteladas”. A expressão de Mourão foi um ato falho: na verdade, oque ele quis dizer (e que a guerra criptografada quer ocultar) é que o país virou uma banana plantation, objetivo principal do golpe militar híbrido que ninguém viu: o Brasil agora tem uma economia arrasada e desindustrializada, tornando-se cada vez mais uma colônia agrícola exportadora de commodities: grãos, carne e não manufaturados – o verdadeiro objetivo da imposição da agenda neoliberal dentro da geopolítica do Império do Norte.

(b) Apagar os rastros do golpe militar que já aconteceu, cujo desenlace final foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e os tuítes ameaçadores do general Villa Bôas ao Supremo para manter Lula preso, abrindo caminho à vitória do candidato “biônico” criado pela AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) com o apoio da grande mídia: o obscuro deputado do Baixo Clero e capitão da reserva Bolsonaro.

Efeito Heisenberg e o terreno humano

Essa gestão criptografada das informações pela guerra híbrida militar produz duas consequências bem visíveis:

(a) Um gigantesco efeito Heisenberg nas relações da mídia com as fontes de informação. Como este Cinegnose já vem discutindo em uma série de postagens, “efeito Heisenberg é um conceito criado pelo jornalista e crítico cultural Neal Gabler. Uma referência ao princípio da incerteza da mecânica quântica de Werner Heisenberg (1901-1976): quando se tenta estudar uma partícula atômica, a medição da posição necessariamente perturba o momentum de uma partícula. Em outras palavras, Heisenberg queria dizer que você não pode observar uma coisa sem influenciá-la.

Para Gabler, a analogia se aplicaria à mídia: quanto mais ela cobre os eventos, mais ela os influencia. Na verdade, ela cobre não a realidade, mas o esforço que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia. Em última instância, a mídia está cobrindo a si mesma e o seu impacto sobre a vida – mais sobre esse conceito, clique aqui.

No caso do affair Braga Netto, criar-se-ia o efeito análogo a um labirinto de espelhos: o ministro faz uma declaração bombástica como reflexo da cobertura extensiva da mídia em Brasília, centro do Poder; Mídia faz um meta-reflexo desse efeito, em reportagem que causa múltiplas repercussões ou reflexos; Mourão reflete de volta esse meta-reflexo, respondendo dentro do script criado pela própria mídia, a saber: como a voz moderada da ala militar e “tecla SAP” do presidente – o “tradutor” dos coices presidenciais; Braga Netto devolve esse meta-reflexo com ambiguidade. Sabendo-se que o discurso ambíguo é o principal vetor que impulsiona a psicologia dos boatos e rumores.

Em síntese: nesse jogo de reflexos no labirinto, não sabemos mais qual o objeto refletido (o suposto “real”) e qual o reflexo. Intercambialidade que gera a dissonância cognitiva, estado ideal para gerar a apatia e feito-pânico na opinião pública pela absoluta incompreensão do que está ocorrendo. Qual o fio condutor dos eventos?


O Diabo: "Vaidade... definitivamente é o meu pecado favorito"

(b) O empoderamento do “terreno humano”. Guerra híbrida se trata de as estratégias militares abandonarem o campo de batalha para atuar no chamado “terreno humano”: explorar a vaidade, orgulho, soberba, a busca pelo prestígio e reconhecimento dos mais diversos agentes da sociedade. Em suma, aquilo que Nietzsche chamava de “demasiado humano” – a natureza humana como botão a ser apertado num dado cenário, disparando gatilhos que alcançam a meta do conflito e caos.

As autoras da “reportagem bomba” do Estadão foram Andreza Matais e Vera Rosa, respeitadas jornalistas no campo da cobertura da política em Brasília. Esse humilde blogueiro se pergunta: será que não passa na cabeça delas que estão sendo usadas numa operação psicológica militar de “vazamentos”? Assim como o jornalista Vladimir Netto da Globo, nos inúmeros vazamentos da operação Lava Jato?

   Para além das questões éticas, jornalistas veem nessas oportunidades de vazamentos e notas plantadas em matérias e colunas dos jornalões uma preciosa oportunidade pessoal e profissional num meio tão competitivo como o jornalístico. Pelas repercussões alcançadas por essas “reportagens” sabem que conseguirão acumular capital simbólico para terem a legitimidade para a ascensão no campo do jornalismo – lembrando as análises do sociólogo francês Pierre Bourdieu e suas investigações sobre a importância do habitus e capital simbólico em campos culturais e profissionais altamente hierarquizados.

Como dizia Milton, o Diabo disfarçado de advogado no filme O Advogado do Diabo (1999): “Vaidade... definitivamente é o meu pecado favorito!”.

 

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