quarta-feira, dezembro 14, 2016

"Elle Brasil" une Cabala e Tecnognosticismo com modelo robô


Na edição de dezembro a revista de moda “Elle Brasil” figurou na capa a robô Sophia, um dos projetos de inteligência artificial mais avançados do mundo. Clicada pelo fotografo Bob Wolfeson, a ideia do editorial era apontar versões para o futuro da indústria da moda. Mas um robô vestindo roupas vitorianas nada mais fez do que revelar as arquetípicas e milenares origens da Moda, Estilismo e manequins na longa tradição esotérica e hermética da Teurgia, Alquimia e a Cabala Extática – uma longa e secreta história de seres artificiais mágicos como homúnculos, golens e frankensteins. Até chegar aos atuais manequins das vitrinas de shoppings e modelos vivos das passarelas – seres ainda “não formados”, à espera do “espírito” (o Estilo) que lhes dê vida. Assim como o código binário que dá "vida" à robô Sophia. A atual agenda tecnognóstica se encontra com a Moda.  Pauta sugerida pelo nosso leitor Nelson Job.

Em um catálogo de roupas 2004/2005 do estilista sueco Otto Von Busch figurava um pequeno texto de introdução no qual ligava as raízes da Moda à magia e hermetismo:
(...) Através de uma longa história e tradição, os sacerdotes se reúnem para uma cerimônia, convocando o próprio espírito da mística força da Estética para materializá-lo. Nesse momento místico de materialização do elevado ideal é produzido um ícone para adoração - a fotografia de moda. Uma guarda inteira de sacerdotes, geralmente da mesma rede de seita, é recolhida em um estúdio, os bastidores escondidos do templo da moda. Lá eles invocam o espírito da Beleza para se materializar em um modelo virgem. 

Tratada pelo mais sagrado óleo e poções de lugares exóticos e com ingredientes secretos transforma-se em algo divino, para além da condenada carne humana. Na frente das lentes ela é transformada em uma representação fantasmagórica e na modelo mais bonita de uma raça humana imperfeita. Sem pelos indesejáveis, sem cheiro, sem pele irregular, sem características indesejáveis. São os elementos necessários para adorarmos um ícone.”
A Moda e o Estilismo como uma seita onde, nos seus bastidores dos estúdios fotográficos da produção dos editoriais de moda, “sacerdotes” transformam a “modelo mais bonita” em “raça humana perfeita”, “para além da condenada carne humana”, pode ser a princípio visto como mera retórica de propaganda do negócio da moda.

Mas ao longo da História, a Moda revela uma origem, por assim dizer, secreta – uma narrativa que descreve como o corpo humano foi aos poucos transformado em um “golem” (aquilo que ainda não foi formado), um corpo inanimado à espera de um “espírito” (o “estilo”) que lhe traga vida. Uma história que se confunde com a própria história dos manequins com raízes míticas na Teurgia e na chamada “Cabala Extática”.


A robô Sophia


Isso parece ficar ainda mais evidente na capa da edição de dezembro da revista de moda Elle Brasil na qual figura a robô Sophia, um dos projetos de inteligência artificial mais avançados do mundo.

O propósito da edição é trazer as diferentes versões do futuro na indústria da moda. O editorial da edição quis chamar a atenção do contraste entre a imagem futurista da robô e o look vitoriano das suas roupas.

Sophia tem a pele feita com tecido nanotecnológico que permite expressões faciais, mas a parte do que seria o couro cabeludo é transparente, deixando entrever que se trata de uma máquina. A robô lembra muito o personagem Ava do filme Ex-Machina (2015 – sobre o filme clique aqui). Sophia é um projeto da Hanson Robotics, uma companhia norte-americana que cria robôs “capazes de criar uma relação de confiança com pessoas”.

A robô foi clicada pelo fotógrafo Bob Wolfeson.

Sophia e o caminho de retorno


A edição da revista de moda Elle Brasil pretende fazer futurologia, mas nada mais fez do que confirmar as arquetípicas e milenares origens em tradições místicas e herméticas. E o seu ar vitoriano retro apenas conectou com mais um exemplo dessa tradição da “cabala extática”: a obra Frankenstein de Mary Shelley, do século XIX.

Isso sem falar do próprio nome “Sophia” que remete à mitologia gnóstica que simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana. Um aeon que decaiu prisioneira no mundo material, mas que conseguiu fazer o caminho de volta à Plenitude, deixando para o homem a fagulha de Luz interior (“Anthropos”) que permite também traçar o caminho de retorno, escapando da prisão cósmica no mundo físico.


Esse “caminho de retorno” foi buscado desde a Antiguidade com a Teurgia, mais tarde na Idade Média com a Alquimia (a Teurgia operativa) e a cabala extática – a qual é tributária toda a tradição dos golens, frankenteins. Mais tarde os manequins e modelos vivos atuais da indústria da moda.

Os modernos manequins nas vitrines dos shoppings e os modelos vivos nas passarelas são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos.

O fascínio pela Teurgia


Victoria Nelson em seu trabalho The Secret Life of Puppets defende que a origem desse fascínio está na Teurgia e nos filósofos e sacerdotes helenísticos.

A Teurgia (theoi, “deuses” + ergon, “obra”) surge no mundo helenístico como a primeira forma de manipulação da matéria onde, assim como o Demiurgo, podemos dar vida e alma a uma forma material e inferior. Se temos dentro de nós uma parte desse Anthropos, podemos retornar a ele exercendo as mesmas habilidades reservada aos deuses: imitatio dei por generatio animae, imitar Deus criando vida.

Para a autora, é na Alquimia que temos esse encontro decisivo entre gnosis e epistemis, entre a ciência experimental e a prática religiosa através de sucessivas operações que reproduzem as etapas da criação do cosmos físico pelo Demiurgo até a redenção da matéria representado pela criação da “Pedra Filosofal” ou da “criança/homunculus” (“pequeno homem”, também chamado como “mannikin”).

Homunculus, Golem, Frankenstein - uma longa tradição dos "mannikins"

Cabala Extática, Golem, Frankenstein


Dentro dessa tradição de buscas de um “caminho de retorno” está também a tradição da chamada “Cabala Extática” – a fusão da cabala profética (a experiência mística) com a cabala dos “nomes divinos” (recitação dos nomes divinos e as várias combinações do alfabeto hebreu).

Se trata de animar o inanimado. Através do mito judaico do Golem, aquilo que é disforme e desprovido de vida recebe o nome mágico e divino que o torna vivo – o nome de Deus escrito na testa do ser artificial daria vida a ele. Imitar Deus criando vida. A forma extática de retorno pela imitação de Deus.

Da combinação do alfabeto hebreu às combinações do código binário na ciência computacional e inteligência artificial, o princípio teúrgico é o mesmo: através do “nome sagrado” dar vida a um ser com características humanoides, porém “liso”, informe, à espera de uma combinação mágica de signos (um código) para lhe dar vida e forma.

Robôs e modelos - o corpo robótico tecnognóstico na Moda

O tecnognosticismo da robô Sophia


Como na citação acima de Otto Von Busch, a Moda condena a carne humana, que deve ser superada por “algo divino”. Assim como a Teurgia da cabala extática, o estilista manipula as combinações da signos da moda (o “sistema da moda”, como afirmava o semiólogo Roland Barthes) para dar vida aos “manequins” – modelos vivos (ou nem tanto) cadavéricos, anoréxicos, com aspecto de “heroin heroes”, “decadentes chics”, ar enfadado e inexpressivos, à espera do “nome mágico” (o Estilo) que lhes dê vitalidade para desfilarem na passarela.

Na verdade a capa da revista Elle Brasil não tem nada de futurista. No máximo é o encontro da Moda com a encarnação mais atual dessa tradição teúrgica cabalista: o tecnognosticismo, expresso no projeto do robô Sophia.

Tecnognosticismo corresponde a agenda tecno-científica atual: o esforço multidisciplinar envolvendo as neurociências, ciências cognitivas, Cibernética, Inteligência Artificial e Teoria da Informação para desvendar um dos últimos grandes mistérios da ciência: o funcionamento da mente humana e a natureza da consciência. A procura de um modelo de simulação computacional, uma interface gráfica que permita não só compreender a dinâmica dos processos mentais e da consciência, mas, principalmente, manipulá-la e controlá-la.

Principalmente por meio de projetos como o robô Sophia – um nome irônico que reflete a motivação mística que anima o Tecnognosticismo: a morte como upload final para a vida eterna pós-morte – a vida imortal da alma traduzida em dados digitais vivendo para sempre no ciberespaço, longe da vida orgânica imperfeita, frágil e condenada à finitude.

O robô Sophia é mais um revival dessa tradição de golens e frankensteins cujo misticismo assombra a suposta racionalidade na qual vivemos.  Assim como faz a indústria da Moda, a cada coleção de roupas da estação, dando vida aos manequins das vitrines e aos modelos humanos que ganham vida nas passarelas.

E aguarde para a próxima semana uma análise do Cinegnose sobre a série HBO Westworld. 

Por enquanto, o leitor pode ficar com uma entrevista com a robô Sophia: 



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