Corrida espacial entre EUA e URSS nos anos
1960. Enquanto os americanos mandavam para o espaço macacos, na Terra um
cientista fazia cruéis experiências para estudar a privação do amor maternal e
social com filhotes de macacos rhesus. Essa situação paradoxal da Ciência
inspirou o curta “Monkey Love Experiments” (2014) que emula os famosos vídeos
das experiências do Dr. Harry Harlow sobre a natureza do amor. Um pequeno
filhote em sua cela agarrado a sua mãe artificial sonha em ser mais uma macaco
que será enviado para o espaço. O curta sugere duas discussões: os rituais de
sacrifício aos quais sociedade submete a infância; e como Ciência, para estudar
o amor, não deve amar o próprio objeto que estuda.
Houve um ponta paradoxal na história da
ciência: enquanto macacos eram enviados ao espaço em cruéis experimentos dentro
da corrida espacial que culminaria em 1969 com a chegada do homem na Lua, em um
laboratório da Universidade de Wisconsin eram feitos experimentos com macacos
sobre as consequências da privação do amor e isolamento.
O psicólogo norte-americano Harry Harlow (1905-1981) decidiu aplicar a metodologia experimental para compreender a importância do
conforto e do amor nas primeiras etapas de desenvolvimento dos macacos Rhesus.
E principalmente, o que é o amor? As origens desse sentimento na relação
mãe-filho e como a sensação de ser amado e acolhido é mais importante do que o
próprio alimento.
Enquanto no espaço macacos estavam isolados e
confinados, aqui na Terra outro cientista queria provar o quanto o isolamento e
a privação de amor cria danos irreparáveis.
Harry Harlow |
O curta
Esse curioso paradoxo na história da ciência
inspirou os animadores Ainslie Henderson e Will Anderson a fazer o curta Monkey Love Experiments (2014),
combinando stop motion, live-action e
animação 3D. O curta tenta emular os vídeos originais em VHS dos experimentos
de Harlow. A dupla de diretores assistiu aos vídeos repetidas vezes tentando
captar alguma coisa de estranheza escondido neles – são vídeos parte ciência e
parte teatro e o cientista é um verdadeiro show man, enquanto o pobre macaco vê
para tudo com um olhar assustado aguardando seu destino.
Assim como o pequeno macaco chamado Gandhi no
curta, agarrado à sua “mãe” de arame e feltro observado o cientista. Enquanto
na bancada do laboratório está uma TV que transmite a chegada do homem na Lua e
um documentário sobre a corrida espacial onde vemos macacos sendo colocados em
capsulas para serem despachados para a órbita da Terra.
Orgulhoso, Ghandi acredita que ele será o
próximo macaco a ser enviado para o espaço. Enquanto o cientista faz
preparativos e preenche relatórios, Ghandi vê a TV e olha para a Lua na janela.
Sobre a bancada vê uma espécie de cápsula que, acredita, será colocado para ser
enviada dentro de um foguete.
Mal sabe ele... a cápsula, na verdade, é um
dos experimentos mais cruéis do emérito Dr. Harlow: a câmara de privação, na
qual o cientista queria quantificar os efeitos do isolamento – o animal ficava
confinado em períodos que passavam de um ano, sem nenhum contato com qualquer
criatura. Apenas era alimentado e suas necessidades fisiológicas limpas sem
nenhum contato. Alguns morriam e muitos tornavam-se irreparavelmente psicóticos.
Algumas reflexões
Duas reflexões emergem desse curta. Primeiro,
a imaginação e fantasias da infância e o ritual de passagem para o mundo adulto
e racional. Para o pequeno Ghandi o mundo da Ciência é fantástico, repleto de
fantasias em um imaginário pulsante de possibilidades de conquistas.
Mas da pior maneira possível descobrirá que
esse mundo racional exige rituais de sacrifício. A história da Ciência está
pavimentada de mortos, tudo em nome de um ideal maior. O pobre Ghandi não sabe
que ele próprio será mais um espécime sacrificado em nome de um “bem maior”.
Da mesma maneira como a passagem da infância
para o mundo adulto é marcada simbolicamente por sucessivas mortes – o abandono
de todas esperanças em nome de uma recompensa futura que nunca chega. E se
chegar, serão apenas a conquista de condições financeiras que paguem prazeres
de segunda mão que imitem como caricatura as fantasias esquecidas na infância.
Algo assim como o significado do trenó da infância para o milionário Charles
Foster Kane no filme clássico de Orson Welles Cidadão Kane (1941).
A segunda reflexão é a obsessão científica
pela quantificação, pelo menos nas pesquisas sobre a natureza do amor feitas
pelo Dr. Harlow, tema empírica e filosoficamente já comprovado, da Filosofia e
Literatura até a Psicanálise.
Freud já dizia, amparado por anos da
experiência clínica psiquiátrica, que o homem teme muito mais a solidão do que
a própria morte.
Mas a psicologia comportamental teve que
submeter inúmeros macacos rhesus a sucessivas sessões de tortura para comprovar
quantitativamente por relatórios, repletos de tabelas, gráficos e curvas,
aquilo que já era conhecido por outras áreas do conhecimento: amor e proteção
são fundamentais na primeira fase do desenvolvimento. E toda a futura vida
adulta será determinada pela qualidade das experiências afetivas desse período.
Amor nada tem a ver com a necessidade por
alimentos. Nos experimentos do Dr. Harlow, os macacos preferiam a “mãe” felpuda
e confortável à “mãe” de arame exposto e desconfortável, mas que fornecia
alimento.
Amor se trata de sentir-se aceito, mesmo com
suas diferenças, para escapar da ameaça da solidão – a morte em vida.
Ciência paradoxal: para estudar o amor, o
cientista deve deixar de amar e submeter seu “objeto” a crueldades
inimagináveis. A Ciência destrói o próprio objeto que pretende estudar.
Como será que foi a primeira infância do Dr. Harry
Harlow?