Fenômeno viral na Internet, a série de curtas “Don’t Hug Me, I’M Scared” (2011-2015) de um coletivo de artistas ingleses misturam fantoches, animações 3D e artistas fantasiados de animais, num assustador mix de Vila Sésamo e Backyardigans com o último pesadelo de David Lynch. Para mostrar às crianças que o mundo é um inferno de boas intenções. Os curtas começam com a linguagem dos tradicionais vídeos educativos cheios de boas intenções e saudáveis lições de moral: os temas são abstratos e existenciais (Tempo, Amor, Criatividade) e práticos (comida saudável e computadores). Mas as boas intenções se convertem em momentos sangrentos e de surreal humor negro, mostrando às crianças uma lição sobre o mundo dos adultos as espera: boas intenções amigáveis e altruístas se transforam em infernos autoritários. Curta sugerido pelo nosso leitor Francisco Narde.
Os vídeos educativos atuais fazem um trabalho razoável de ensinar a crianças
e jovens habilidades básicas como matemática, linguagem e outros diversos
conteúdos escolares. Mas ainda não conseguem tratar de certos temas que, apesar
de intangíveis, farão parte do cotidiano no futuro: medos existenciais, a
religião, o tempo, a morte, a disciplina e a obediência.
Felizmente esse vazio parece estar sendo preenchido com um série de
curtas virais que parecem ter saído de um cruzamento entre Vila Sésamo, Muppet
Show, Backyardigans e alguma bizarrice mais recente de David Lynch. É a série Don’t Hug Me, I’M Scared (DHMIS) – “Não
Me Abrace, Estou Assustado”. Iniciada em 2011 é composto por cinco episódios
com os seguintes temas: Criatividade, Tempo, Amor, Computadores e Comida
Saudável.
Atores fantasiados, animações em 3D e fantoches cantando letras que
parecem querer ensinar algum tipo de lição ou moral, mas invariavelmente os
episódios terminam com alguma forma de terrível mutilação corporal e sequências
de surreal humor negro.
A série a princípio foi voltada para o público adulto, mas viralizou
através do YouTube entre o público infantil e adolescente.
Os temas dos curtas parecem ser aleatórios, mas há uma abordagem comum
em todos os vídeos: a contradição entre as lições morais que a sociedade nos
ensina e os resultados catastróficos no dia-a-dia. A teoria, na prática é
outra! Os vídeos são verdadeiras lições do que as crianças devem esperar quando
chegarem no maravilhoso mundo dos adultos, repleto de prescrições, regras,
ordem e disciplina. Mas tudo embalado e florido com uma linguagem politicamente
correta e amigável.
DHMIS foi criado por um coletivo audiovisual inglês chamado This Is It
formado por 12 artistas entre animadores, desenhistas, diretores que escrevem,
produzem e dirigem suas obras independentes. Becky Sloan e Joseph Pelling são
os fundadores do coletivo e os principais diretores de DHMIS que ganhou
bastante reconhecimento no mundo dos curtas metragens, ganhando diferentes
prêmios em festivais.
Há algo de doentio e perturbador na atmosfera dos curtas - um estranho
mix do tatibitati infantil com desfechos sangrentos e metalinguísticos. Mas,
não vamos matar o mensageiro por causa da mensagem: os curtas apenas refletem
muito a cultura midiática esquizofrênica que promete um mundo cheio de amor,
criatividade e boa vontade e nos entrega dor, paranoia, medo e desespero.
A viralidade dos curtas está na estranheza e ambiguidade: os vídeos
parecem conter mensagens simbólicas e subliminares por todos os lados, o que
faz os espectadores criarem as mais bizarras teorias e interpretações sobre os
personagens e os desfechos das narrativas – há leituras e releituras dos curtas
em sites, blogs e em vídeos no YouTube que tentam desmontar as histórias frame
a frame.
Os Curtas
O primeiro curta é sobre Criatividade: um bloco de notas ganha vida e
começa a ensinar os personagens como ser criativo – ver o mundo de forma menos
chata, mais poética, incentivando a procurar dentro de cada um novas ideias,
cores e diferentes formas de expressão artística e emocional.
Mas tudo acaba mal: o bloco de notas revela-se autoritário. Seja
criativo, desde que obedeça critérios arbitrários. Quando os fantoches tentam
ser realmente criativos, libertando-se do arbítrio do bloco de notas, tudo
termina em um terrível caos.
Moral da história: criatividade é perigosa! Veja abaixo:
O segundo curta ensina sobre o Tempo. Dessa vez é um relógio que ganha
vida e ensina para os nossos heróis fantoches as noções metafísicas e
filosóficas sobre o tempo. Até que o Tempo mostra sua face terrível e
autoritária: a entropia, o envelhecimento, a morte.
Tudo fica muito assustador até que, mais uma vez, os fantoches tentam libertar-se: um deles desafia, afirmando que o Tempo nada mais é do que uma percepção subjetiva. O que irrita o relógio demiurgo que vinga-se deles cruelmente.
Tudo fica muito assustador até que, mais uma vez, os fantoches tentam libertar-se: um deles desafia, afirmando que o Tempo nada mais é do que uma percepção subjetiva. O que irrita o relógio demiurgo que vinga-se deles cruelmente.
Moral da história: nada podemos fazer, a não ser viver para morrer. Veja abaixo:
O terceiro curta é sobre Amor. Muitas vezes podemos nos sentir sós,
incompreendidos e mal amados com tanto ódio que existe no mundo. Agora é uma
abelha que ensina para o nosso herói a importância do amor, como o nosso coração
bate chamando a nossa cara metade e assim por diante.
Como sempre, tudo começa a ficar assustador: a abelha na verdade
revela-se um porta voz de alguma seita ou religião adoradora do “Rei Malcom”
que exige oferendas (ou dízimos?). Somente ali seremos amados! E tudo termina
em um piquenique sangrento.
Moral da história: somos todos mal amados e nos apegamos em miragens
como seitas, religiões ou grupos de autoajuda que nos prometem amor em troca de
submissão. Veja abaixo:
Computadores e a vida digital é o tema do quarto curta. Os protagonistas
estão jogando um quiz com questões: “Qual a maior coisa no mundo?”, pergunta
uma carta. Agora um computador ganha vida. Ele fala das coisas maravilhosas que
pode fazer em segundos – contas, imprimir, informar as horas e sobre qualquer
coisa que quiser achar. E podemos ser tão inteligentes como ele se fizermos
tudo digitalmente.
Como sempre, o computador começa a mostrar sua face sombria e
autoritária: tal como as empresas de Internet que nos rastreiam e acumulam
informações pessoais dos usuários, o computador quer todas as informações
íntimas dos fantoches para depois digitaliza-los e prendê-los no interior da
sua mente digital – ao melhor estilo do filme Tron.
Tudo fica sinistro até que um deles tenta fugir por uma porta, em um gnóstico
final no estilo Show de Truman – tudo revela-se um simulacro de realidade onde
o real e o virtual se confundem com mais um desfecho cruel.
Moral da história: a tecnologia nos torna espertos ou será que estamos
rebaixando o conceito de inteligência para termos relações “amigáveis” com
computadores? – sobre isso, veja a crítica que o cientista computacional Jaron
Lanier faz sobre o nosso apego a gadgets e aplicativos, clique aqui.
Comida Saudável é o tema do último curta. Comer pode ser um momento paranoico:
nunca aceite pratos de estranhos! Uma geladeira ganha vida e ensina hábitos
saudáveis à mesa – como a comida não-saudável pode te comer por dentro (mais
sequências sangrentas). Como sempre, as amigáveis intenções transformam-se em
um pesadelo autoritário.
Moral da história: lições sobre vida saudável são autoritárias. Ainda
mais se lembrarmos que as primeiras campanhas antitabagistas e sobre as
vantagens de uma dieta saudável foram feitas pela propaganda nazista e
prescrita pelos médicos da Gestapo. Veja abaixo:
Os curtas possuem um sabor gnóstico, seja ontológico (os momentos de
metalinguagem querem revelar a ilusão pro trás dos fantoches – cenário, câmeras
etc.), político (o desafio às autoridades cuja aparência é de puro altruísmo)
ou existencial – a condição humana é a do fantoche que se rebela contra os seus
manipuladores.
Veja abaixo também esse interessante vídeo sobre a reação de crianças ao assistirem aos episódios da série DHMIS:
Ficha Técnica |
Título: Don’t
Hug Me, I’M Scared
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Diretor: Joseph Pelling, Becky Sloan
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Roteiro: Joseph Pelling, Becky Sloan, Hugo Donkin
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Elenco: Baker Terry, Joseph Pelling,
Becky Sloan,
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Produção: Blink Industries
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Distribuição: Channel 4, Dazed Digital
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Ano: 2011-2015
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País: Reino Unido
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