É possível um ato de exorcismo através do telefone? É o que os
personagens do curta espanhol “La Boca Del Léon” (2013) tentarão
desesperadamente confirmar: seguir as instruções de um padre exorcista através
de um smartphone, que ao mesmo tempo registra as imagens dos momentos de terror
em longos planos sequências. Inteiramente produzido através de um IPhone, o
curta é interessante não apenas por trazer para o universo dos curta-metragens
o subgênero “found-footage” de “Bruxa de Blair” e “Atividade Paranormal” – é também
um exemplo da mudança da representação do Mal no cinema atual: a maldade agora
é um fenômeno de natureza viral e epidemiológica.
Filmes como A Bruxa de Blair, REC e Atividade Paranormal tornaram o
subgênero de filme de terror chamado “found-footage”
um formato popular nos últimos anos. A tradução desse subgênero para os curtas
parece ser uma questão de tempo. E o diretor espanhol Alfonso Garcia parece
estar na direção certa com o curta La
Boca Del León que auto declara-se “o primeiro exorcismo por telefone”.
Dada a limitação
de tempo de um curta, La Boca Del León
não tem pretensão de convencer sobre a “autenticidade” com uma história de fundo. A
fotografia em IPhone dá a sensação amadora necessária para tornar o curta um
suposto vídeo sobre um episódio real que foi encontrado e revelado agora para o
público.
O curta foi criado
especialmente para a sessão Phonoetastic do Festival Internacional de Sitges,
dedicada exclusivamente a produções gravadas com smartphones. Garcia introduz o
protagonista Sr. Montalvo com um enquadramento ao melhor estilo Bruxa de Blair. É um homem perturbado
que desesperadamente pede ajuda para alguém do outro lado do telefone. Parece
que estamos em algum ritual ocultista que saiu fora do controle e acompanhamos
a alma assombrada do Sr. Montalvo através das lentes móveis do smartphone.
Baseado em
pesquisas pessoais feitas pelo diretor e o roteirista Vicente Rubio sobre
exorcismos reais por telefone sob demanda, a filmagem feita exclusivamente com
smartphone trouxe alguns problemas de produção como, por exemplo, o superaquecimento
que muitas vezes obrigou o diretor a colocar o dispositivo em um freezer para
esfriá-lo.
A força desse
curta espanhol está muito mais no terror psicológico que as imagens criam ao
jogar sempre com o extracampo: o terror não é produzido por aquilo que vemos no
campo do enquadramento da câmera, mas no que está fora do campo, naquilo para o
qual os personagens estão olhando. Suas expressões de desespero é que sugerem a
presença de algo muito mais terrível do que aquilo que estamos vendo.
La Boca Del León é um curta interessante por dois
motivos: primeiro, tecnológico – a presença cada vez mais ativa dos
dispositivos móveis como mídia e estética. Assim como nos anos 1980 tínhamos a
vídeo-arte com a popularização das filmadoras VHS, hoje vídeos e fotografias
produzidas por smartphones também são incubadoras de novas linguagens.
E segundo, pela
forma como o Mal é representado, isto é, como uma entidade viral e disforme. Em
postagem anterior sobre o filme REC discutíamos
a natureza da monstruosidade e do Mal contemporâneos – enquanto no passado o
Mal era representado por monstros antropomórficos (Frankenstein, Drácula etc.),
quimeras (monstros mutantes radioativas como formigas gigantes, Godzila etc.)
ou humanos possuídos por demônios como em O
Exorcista, hoje o Mal é representado de forma viral.
Não mais disforme,
mas informe: o Mal não possui as vítimas, mas as deteriora, as despedaça, até
contaminar outra vítima, e assim por diante.
O curioso é que
essa nova representação do Mal não implica num julgamento ou condenação moral
como nos monstros do passado. Os monstros atuais não são nem bons ou maus – são
apenas manifestações de um vírus mutante, um problema epidemiológico. O Mal
como fascinante máquina que luta pela sobrevivência e perpetuação como no filme
Alien.
Ficha Técnica |
Título: La
Boca Del León
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Diretor: Alfonso Garcia
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Roteiro: Vicente Rubio
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Elenco: Carlos Herranz, Ayleen Petrescu, Emilion Linder
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Produção: Geofilmes Entertainment
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Distribuição: Geofilmes Entertainment
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Ano: 2013
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País: Espanha
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