Por que Hollywood anda tão interessada na mente humana? De filmes como
“Amnésia” (2000) até a atual animação da Pixar “Divertida Mente” (2015) é
recorrente o tema da possibilidade representação, mapeamento ou virtualização
da mente para que possamos melhor controlá-la ou aumentar suas potencialidades.
Sabendo-se que desde a II Guerra Mundial Hollywood tornou-se uma poderosa
ferramenta de repercussão das agendas políticas ou econômicas dos EUA, o que
representaria essa recorrência temática desse início do século? Esse foi o tema
desenvolvido por esse humilde blogueiro na CONACINE 2015, onde procurei expor
que nesse momento o cinema estaria repercutindo duas agendas: uma
“tecnognóstica” e a outra religiosa, cujo epicentro estaria no Vale do Silício: a propagação da “religião das máquinas”.
Por que o roteiristas e diretores do cinema andam tão interessados pelo
tema da mente humana? É visível a recorrência desse tema na cinematografia
desse início de século, desde Amnésia (2000), passando por Vanilla
Sky (2001) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) até os
recentes Transcendence, Lucy e a animação da Pixar Divertida Mente.
Nesse conjunto de filmes está sempre presente a ambição pela
possibilidade de mapeamento, simulacão e controle da mente humana. Por que esse
tema é tão recorrente no cinema nesses últimos tempos?
Essa é a pergunta que esse humilde blogueiro procurou responder em palestra com o tema “Cartografias da Mente Cibernética: o Cinema e a Virtualização da Mente Humana” no CONACINE 2015 (Congresso Nacional de
Cinema), evento online realizado na semana passada .
A pergunta não se
reveste de diletantismo ou de mera firula de crítico de cinema, mas de uma
séria questão política: sabemos que desde que o Código Hays foi instituído em 1934, Hollywood
sofreu um enquadramento temático e moral – o cinema abandonou as anárquicas
comédias do cinema mudo de Chaplin ou Harold Loyd para fazer parte de uma
gigantesca máquina de propaganda.
Em outras
palavras, os conteúdos temáticos dos filmes tornaram-se instrumentos de agendas
políticas e econômicas, para tornar certas políticas mais aceitáveis ou
naturais para a opinião pública.
Os filmes de
guerra patrióticos durante a II Guerra Mundial; invasões marcianas, guerra
contra monstros mutantes radioativos para criar o clima paranoico da Guerra
Fria e o medo dos comunistas durantes a década de 1950; mais clima de Guerra
Fria nos anos 1960 com o tema dos espiões no cinema; o terror dos efeitos do
holocausto nuclear nos anos 1970, reforçado pela série Planeta dos Macacos; o cinema “recuperativo” dos blockbusters dos 80 com Indiana Jones e Star Wars para trazer de volta a confiança perdida dos EUA e
aceitar as medidas econômicas neoliberais de Reagan – são exemplos do
alinhamento dos roteiristas, produtores e diretores de Hollywood com a agenda
política dos EUA.
Gnosticismo pop e a simulação da mente
Portanto, é nessa
perspectiva que devemos pensar essa recorrência temática de filmes de gêneros
tão diversos como sci fi, dramas românticos e aventuras sobre mapeamento,
simulação e controle da mente humana.
Nos anos 1990 as
pesquisas desse blogueiro encontraram a recorrência das mitologias gnósticas em
Hollywood, o chamado “gnosticismo pop” a partir de filmes como Dead Man (1995) de Jarmusch.
Posteriormente Dark City, Décimo Terceiro
Andar, Show de Truman, Matrix etc. apresentarão protagonistas prisioneiros no interior de simulações tecnológicas criadas por Demiurgos (aliens, diretores
de TV ou computadores).
O súbito interesse
por Hollywood pela mitologia gnóstica caiu como uma luva na agenda
tecno-científica daquela década: a cibercultura tecnognóstica auxiliou a
aceitação da Internet e de toda a digitalização da cultura.
Na virada para o
novo milênio os filmes gnósticos têm uma virada temática importante: os protagonistas
agora não são mais prisioneiros de gigantescas simulações tecnológicas. Eles
agora estão perdidos no interior da própria mente, capaz de criar mundos onde
realidade e ficção se confundem.
Um bom exemplo é A Passagem (Stay, 2005), onde o protagonista tenta se matar em uma realidade
paralela que é uma espécie de limbo entre a vida e a morte e, ao mesmo tempo,
criações da sua própria mente.
Filmes como Sem
Limites ou Lucy
partilham dessa possibilidade de exploração da capacidade máxima de processamento
da mente (a mente pensada através do modelo computacional) e de Brilho Eterno até chegar em Divertida
Mente, a possibilidade de realizar uma cartografia mental.
Aliás, nos
bastidores da produção do filme Divertida
Mente encontramos essas conexões entre Hollywood e a agenda política dos
EUA: o modelo de mente concebida pela animação foi baseado nas pesquisas de
Paul Ekman, pioneiro dos estudos das relações entre emoções e expressões fisionômicas.
Ekman criou o chamado “Atlas das Emoções”, usado pelo Departamento de Defesa
dos EUA na guerra contra o terrorismo como “o maior detector de mentiras do
mundo” – sobre isso clique
aqui.
Essa recorrência temática de filmes em torno da mente humana deve ser analisada dentro a atual agenda tecnocientífica que esse blog denomina como “Projeto Cartografias e Topografias da Mente” – o esforço interdisciplinar das neurociências, psicologia cognitiva, cibernética, ciências computacionais, Inteligência Artificial e teoria da informação para tentar criar um mapeamento e cartografia digitais não só do funcionamento do cérebro mas também desvendar o enigma da consciência. O propósito seria a criação de uma nova engenharia social - alguns pesquisadores chamam de "capitalismo cognitivo".
Essa recorrência temática de filmes em torno da mente humana deve ser analisada dentro a atual agenda tecnocientífica que esse blog denomina como “Projeto Cartografias e Topografias da Mente” – o esforço interdisciplinar das neurociências, psicologia cognitiva, cibernética, ciências computacionais, Inteligência Artificial e teoria da informação para tentar criar um mapeamento e cartografia digitais não só do funcionamento do cérebro mas também desvendar o enigma da consciência. O propósito seria a criação de uma nova engenharia social - alguns pesquisadores chamam de "capitalismo cognitivo".
A religião das máquinas
Mas essa agenda
repercutida pelo cinema não é apenas política: é também mística ou religiosa.
Nas palestra do CONACINE foram discutidas algumas teses do cientista de
computadores e o criador do conceito de realidade virtual Jaron Lanier. Segundo
ele, está sendo construída uma “religião
das máquinas” no Vale do Silício.
O drive que tem
impulsionado a agenda tecnocientítica é tecnognóstica, como demonstram
afirmações de cientistas da NASA como Robert Jawstron e Dennis Bushnell: o
primeiro acredita num futuro onde poderíamos retirar todo o conteúdo de nossas
mentes (a consciência) e transferi-lo para a memória de um computador, onde
passaríamos a habitá-lo como uma “consciência descorporificada”. “O homem
estaria livre da fragilidade carnal”, disse certa vez Jawstron, demonstrando
uma motivação mística cuja transcendência não seria mais espiritual, mas
tecnológica.
E Bushnell que
defende uma única solução para os problemas ambientais do planeta: despachar
nossas consciências para bancos de dados onde viveríamos uma segunda realidade
enquanto nossos corpos ficariam inertes, sem colocar em risco o meio ambiente –
sobre isso clique
aqui.
E o cinema
repercute essa concepção de que a consciência ou “alma” está no cérebro (assim
como Descartes acreditava no século XVII), tal como no passado se privilegiava
o espírito em detrimento do corpo.
A recorrência de
subtemas como o das smart drugs que
supostamente nos fariam utilizar 100% da capacidade do cérebro (explorados em filmes
como Sem Limites ou Lucy) guarda uma motivação religiosa
secularizada: se a nossa mente é subutilizada é devido ao corpo no qual estamos
prisioneiros. No passado, a religião via o corpo como pecador. Agora, o corpo é
ineficiente e limitador das potencialidades da mente.
A alternativa do “cinema alquímico”
Por isso, para o
ciber-cientista Jaron Lanier, há algo de messianismo religioso na atual
“religião das máquinas” – o mundo digital e virtual seria libertador e
espiritualmente transcendente, embora filmes como Transcendence tentem mostrar
as ambiguidade e perigos dessa ambição. Porém, nada como um cientista como
Johnny Depp para glamourizar essa nova religião do século XXI.
Então qual seria a
contraponto possível a esses filmes que deliberadamente repercutem essa agenda
tecnocientífica e política? Há um conjunto de filmes alternativos a esse
imaginário tecnológico, os chamados “filmes alquímicos”. São filmes que
exploram antigas simbologias cujas origens remontam a Alquimia, narrativas
sobre transformações pessoais ou coletivas que não passam pela transcendência
tecnológica onde o corpo é eliminado e a “iluminação” surge após um
escaneamento digital.
Filmes como Veludo Azul (1986) de David Lynch, Beleza
Americana (1999) de Sam Mendes até chegarmos à série Breaking
Bad (2008-2013) de Vince Gilliam onde a consciência sofre uma
transmutação não pela ordenação através de códigos, mas por meio do caos e da
morte. O protagonista mergulha naquilo que os filmes tecnognósticos querem
expurgar: corporalidade, a finitude, a intimidade humana, animalidade e
limitação existencial.
No final da
palestra foi perguntado a esse humilde blogueiro qual a “lição de casa” que
recomendaria à audiência do CONACINE.
Propus a seguinte
metodologia aos cinéfilos: entender os filmes através de dois conceitos simples
– recorrência e sintoma.
Por recorrência compreende-se ficar atento à
repetição de conteúdos temáticos em um conjunto de filmes dentro de um recorte
temporal – e o banco de dados do site IMDB (Internet Movie Database) é uma
ótima ferramenta. Toda repetição cria um padrão e todo padrão tem um significado.
E por sintoma significa considerar um filme
sempre como um documento primário de uma determinada época: um sintoma da
sensibilidade, mal estar ou agendas de um determinado período. Isso significa
que ao assistir a um filme, o espectador
deve-se imaginar como um antropólogo de alguns séculos no futuro que
encontrou um HD de um computador enterrado ou um DVD do século XXI achado em
uma ruína e começou a decodifica-lo, assim como fazemos com papiros ou pedras
talhadas da Antiguidade.
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