sexta-feira, agosto 28, 2015

Por que Hollywood está interessada na mente humana?

Por que Hollywood anda tão interessada na mente humana? De filmes como “Amnésia” (2000) até a atual animação da Pixar “Divertida Mente” (2015) é recorrente o tema da possibilidade representação, mapeamento ou virtualização da mente para que possamos melhor controlá-la ou aumentar suas potencialidades. Sabendo-se que desde a II Guerra Mundial Hollywood tornou-se uma poderosa ferramenta de repercussão das agendas políticas ou econômicas dos EUA, o que representaria essa recorrência temática desse início do século? Esse foi o tema desenvolvido por esse humilde blogueiro na CONACINE 2015, onde procurei expor que nesse momento o cinema estaria repercutindo duas agendas: uma “tecnognóstica” e a outra religiosa, cujo epicentro estaria no Vale do Silício:  a propagação da “religião das máquinas”.

Por que o roteiristas e diretores do cinema andam tão interessados pelo tema da mente humana? É visível a recorrência desse tema na cinematografia desse início de século, desde Amnésia (2000), passando por Vanilla Sky (2001) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) até os recentes Transcendence, Lucy e a animação da Pixar Divertida Mente.

Nesse conjunto de filmes está sempre presente a ambição pela possibilidade de mapeamento, simulacão e controle da mente humana. Por que esse tema é tão recorrente no cinema nesses últimos tempos?

Essa é a pergunta que esse humilde blogueiro procurou responder em palestra com o tema “Cartografias da Mente Cibernética: o Cinema e a Virtualização da Mente Humana” no CONACINE 2015 (Congresso Nacional de Cinema), evento online realizado na semana passada .

A pergunta não se reveste de diletantismo ou de mera firula de crítico de cinema, mas de uma séria questão política: sabemos que desde que o Código Hays foi instituído em 1934, Hollywood sofreu um enquadramento temático e moral – o cinema abandonou as anárquicas comédias do cinema mudo de Chaplin ou Harold Loyd para fazer parte de uma gigantesca máquina de propaganda.

Participação do editor do "Cinegnose" no CONACINE 2015

Em outras palavras, os conteúdos temáticos dos filmes tornaram-se instrumentos de agendas políticas e econômicas, para tornar certas políticas mais aceitáveis ou naturais para a opinião pública.

Os filmes de guerra patrióticos durante a II Guerra Mundial; invasões marcianas, guerra contra monstros mutantes radioativos para criar o clima paranoico da Guerra Fria e o medo dos comunistas durantes a década de 1950; mais clima de Guerra Fria nos anos 1960 com o tema dos espiões no cinema; o terror dos efeitos do holocausto nuclear nos anos 1970, reforçado pela série Planeta dos Macacos; o cinema “recuperativo” dos blockbusters dos 80 com Indiana Jones e Star Wars para trazer de volta a confiança perdida dos EUA e aceitar as medidas econômicas neoliberais de Reagan – são exemplos do alinhamento dos roteiristas, produtores e diretores de Hollywood com a agenda política dos EUA.

Gnosticismo pop e a simulação da mente


Portanto, é nessa perspectiva que devemos pensar essa recorrência temática de filmes de gêneros tão diversos como sci fi, dramas românticos e aventuras sobre mapeamento, simulação e controle da mente humana.

Nos anos 1990 as pesquisas desse blogueiro encontraram a recorrência das mitologias gnósticas em Hollywood, o chamado “gnosticismo pop” a partir de filmes como Dead Man (1995) de Jarmusch. Posteriormente Dark City, Décimo Terceiro Andar, Show de Truman, Matrix etc. apresentarão protagonistas prisioneiros no interior de simulações tecnológicas criadas por Demiurgos (aliens, diretores de TV ou computadores).

O súbito interesse por Hollywood pela mitologia gnóstica caiu como uma luva na agenda tecno-científica daquela década: a cibercultura tecnognóstica auxiliou a aceitação da Internet e de toda a digitalização da cultura.


Na virada para o novo milênio os filmes gnósticos têm uma virada temática importante: os protagonistas agora não são mais prisioneiros de gigantescas simulações tecnológicas. Eles agora estão perdidos no interior da própria mente, capaz de criar mundos onde realidade e ficção se confundem.

Um bom exemplo é A Passagem (Stay, 2005), onde o protagonista tenta se matar em uma realidade paralela que é uma espécie de limbo entre a vida e a morte e, ao mesmo tempo, criações da sua própria mente.

Filmes como Sem Limites ou Lucy partilham dessa possibilidade de exploração da capacidade máxima de processamento da mente (a mente pensada através do modelo computacional) e de Brilho Eterno até chegar em Divertida Mente, a possibilidade de realizar uma cartografia mental.

Aliás, nos bastidores da produção do filme Divertida Mente encontramos essas conexões entre Hollywood e a agenda política dos EUA: o modelo de mente concebida pela animação foi baseado nas pesquisas de Paul Ekman, pioneiro dos estudos das relações entre emoções e expressões fisionômicas. Ekman criou o chamado “Atlas das Emoções”, usado pelo Departamento de Defesa dos EUA na guerra contra o terrorismo como “o maior detector de mentiras do mundo” – sobre isso clique aqui.

Essa recorrência temática de filmes em torno da mente humana deve ser analisada dentro a atual agenda tecnocientífica que esse blog denomina como “Projeto Cartografias e Topografias da Mente” – o esforço interdisciplinar das neurociências, psicologia cognitiva, cibernética, ciências computacionais, Inteligência Artificial e teoria da informação para tentar criar um mapeamento e cartografia digitais não só do funcionamento do cérebro mas também desvendar o enigma da consciência. O propósito seria a criação de uma nova engenharia social - alguns pesquisadores chamam de "capitalismo cognitivo".

A religião das máquinas


Mas essa agenda repercutida pelo cinema não é apenas política: é também mística ou religiosa. Nas palestra do CONACINE foram discutidas algumas teses do cientista de computadores e o criador do conceito de realidade virtual Jaron Lanier. Segundo ele, está sendo construída uma “religião das máquinas” no Vale do Silício.

O drive que tem impulsionado a agenda tecnocientítica é tecnognóstica, como demonstram afirmações de cientistas da NASA como Robert Jawstron e Dennis Bushnell: o primeiro acredita num futuro onde poderíamos retirar todo o conteúdo de nossas mentes (a consciência) e transferi-lo para a memória de um computador, onde passaríamos a habitá-lo como uma “consciência descorporificada”. “O homem estaria livre da fragilidade carnal”, disse certa vez Jawstron, demonstrando uma motivação mística cuja transcendência não seria mais espiritual, mas tecnológica.

E Bushnell que defende uma única solução para os problemas ambientais do planeta: despachar nossas consciências para bancos de dados onde viveríamos uma segunda realidade enquanto nossos corpos ficariam inertes, sem colocar em risco o meio ambiente – sobre isso clique aqui.

E o cinema repercute essa concepção de que a consciência ou “alma” está no cérebro (assim como Descartes acreditava no século XVII), tal como no passado se privilegiava o espírito em detrimento do corpo.

A recorrência de subtemas como o das smart drugs que supostamente nos fariam utilizar 100% da capacidade do cérebro (explorados em filmes como Sem Limites ou Lucy) guarda uma motivação religiosa secularizada: se a nossa mente é subutilizada é devido ao corpo no qual estamos prisioneiros. No passado, a religião via o corpo como pecador. Agora, o corpo é ineficiente e limitador das potencialidades da mente.

A alternativa do “cinema alquímico”


Por isso, para o ciber-cientista Jaron Lanier, há algo de messianismo religioso na atual “religião das máquinas” – o mundo digital e virtual seria libertador e espiritualmente transcendente, embora filmes como Transcendence tentem mostrar as ambiguidade e perigos dessa ambição. Porém, nada como um cientista como Johnny Depp para glamourizar essa nova religião do século XXI.

Então qual seria a contraponto possível a esses filmes que deliberadamente repercutem essa agenda tecnocientífica e política? Há um conjunto de filmes alternativos a esse imaginário tecnológico, os chamados “filmes alquímicos”. São filmes que exploram antigas simbologias cujas origens remontam a Alquimia, narrativas sobre transformações pessoais ou coletivas que não passam pela transcendência tecnológica onde o corpo é eliminado e a “iluminação” surge após um escaneamento digital.


Filmes como Veludo Azul (1986) de David Lynch, Beleza Americana (1999) de Sam Mendes até chegarmos à série Breaking Bad (2008-2013) de Vince Gilliam onde a consciência sofre uma transmutação não pela ordenação através de códigos, mas por meio do caos e da morte. O protagonista mergulha naquilo que os filmes tecnognósticos querem expurgar: corporalidade, a finitude, a intimidade humana, animalidade e limitação existencial.

No final da palestra foi perguntado a esse humilde blogueiro qual a “lição de casa” que recomendaria à audiência do CONACINE.

Propus a seguinte metodologia aos cinéfilos: entender os filmes através de dois conceitos simples – recorrência e sintoma.

Por recorrência compreende-se ficar atento à repetição de conteúdos temáticos em um conjunto de filmes dentro de um recorte temporal – e o banco de dados do site IMDB (Internet Movie Database) é uma ótima ferramenta. Toda repetição cria um padrão e todo padrão tem um significado. 

E por sintoma significa considerar um filme sempre como um documento primário de uma determinada época: um sintoma da sensibilidade, mal estar ou agendas de um determinado período. Isso significa que ao assistir a um filme, o espectador  deve-se imaginar como um antropólogo de alguns séculos no futuro que encontrou um HD de um computador enterrado ou um DVD do século XXI achado em uma ruína e começou a decodifica-lo, assim como fazemos com papiros ou pedras talhadas da Antiguidade.

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