domingo, fevereiro 15, 2015

Por que "Birdman" é o favorito ao Oscar?

Não é por acaso que “Birdman” é o grande favorito ao Oscar. O filme promete discussões profundas sobre a importância de se sentir amado nesse mundo. Mas tudo o que o diretor mexicano Alejandro Iñárritu nos entrega é uma agradecida homenagem à indústria de entretenimento dos EUA que lhe abriu as portas: um filme supersaturado de metalinguagem e colagens de auto-referências que acabou resultando em uma produção complacente, auto-indulgente e subserviente. Iñarritu faz homenagem a uma Broadway que não mais existe, reforçando a mitologia que ainda dá algum verniz “artístico” a Hollywood: atores autopiedosos, divas narcisistas que se entregam ao “Método” e críticos implacáveis que transformam artistas em “gênios incompreendidos”. Com isso, o diretor mexicano parece ter um grande futuro na noite do Oscar. 

Alejandro Gonzáles Iñárritu é um diretor mexicano que já conta com uma sólida e bem sucedida carreira em Hollywood (21 Gramas, Babel, Biutiful). Por isso, é chegado o momento de Iñárritu prestar uma homenagem à indústria do entretenimento que lhe abriu às portas para aquele país. E como sempre, a melhor forma é através da metalinguagem, alusões e paráfrases.

Birdman é um filme supersaturado que obriga o espectador a caminhar por um desfile interminável de colagens e referencias que acaba se tornando tão claustrofóbico quanto os corredores dos bastidores de uma peça da Broadway onde a maior parte da trama acontece. O filme engata longos planos-sequências que simulam um filme totalmente sem montagem, mas com sutis cortes que separam os atos.


Com uma câmera sempre flutuante e frenética ao redor dos personagens, Iñárritu parece ansioso em demonstrar seu domínio técnico ao prestar a primeira homenagem ao cinema: o sonho do moto perpétuo cinemático, a câmera se fundindo com a própria vida num eterno plano-sequência, assim como o olho humano.

A segunda homenagem é à Broadway, famoso circuito de teatros em Nova York que por muito tempo serviu de fornecedor de roteiristas, atores e diretores para Hollywood - e o filme Barton Fink, 1991, dos irmãos Coen é um dos que melhores retrataram isso de maneira bem ácida. Hoje Hollywood busca sua força de trabalho não mais na Broadway, mas no cinema independente e em mercados externos, como a própria carreira de Iñárritu atesta. E a Broadway acabou dominada por hits adaptados de Hollywood (Rei Leão, Ghost, Pequena Sereia etc.) para reduzir os riscos financeiros.

Birdman homenageia uma Broadway que não mais existe: a dos tempos em que ainda a opinião impressa de um crítico (que no filme vemos romanticamente escrevendo seu texto no balcão de um bar) poderia destruir uma peça ou a carreira de um artista; e atores acreditavam no “Método” da Actor’s Studio – escola de atores fundada em 1947 onde a partir de leituras particulares das proposições de Stanislavski criaram um método de completa imersão do ator no personagem.

O problema de todas as homenagens baseadas em metalinguagens e colagens de referências e paráfrases é que o resultado acaba se tornando autoindulgente, condescendente e subserviente.

Pretensamente, Birdman quer fazer uma crítica irônica à onda de filmes de super-heróis de quadrinhos e discussões de como as atuais celebridades virais da Internet contaminam o cinema.  Mas o resultado é uma agradecida homenagem à indústria do entretenimento que deu oportunidade a um diretor mexicano fazer a “América”.

O Filme


Birdman descreve o ataque crescente de ansiedade da estreia de uma peça autofinanciada por Riggan Thomson. Riggan viveu seus momentos de glória nos anos 90 ao fazer a trilogia do super-herói Birdman, que o tornou rico e famoso. Arrogantemente recusou uma quarta continuação, jogando-o no ostracismo. Agora tenta resgatar credibilidade e respeito artístico  apostando tudo que tem numa peça na Broadway – uma adaptação de uma obra de Raymond Carver.

Contrata seu advogado Jake (Zach Galifianakis) para produzir e sua filha Sam (Emma Stone) para ser sua assistente pessoal, mas na verdade tudo não passa de uma tentativa patética de superar a culpa de ter negligenciado sua infância – um abandono que contribuiu para o problema com drogas da filha.

Divorciado, Riggan tem uma relação amorosa com a co-estrela Laura (Andrea Risenborough) que quer um bebê. Mas ela também tem um caso com a atriz principal Lesley (Naomi Watts) que, por sua vez, vive uma relação turbulenta como Mike Sheiner, um ator narcísico-imperativo que quer vivenciar “O Método” com toda intensidade – no palco e fora dele.

A noite de estreia se aproxima e a ansiedade crescente faz Riggan ter alucinações e ser perseguido por uma voz que é uma espécie de superego-Birdman: o monstro super-herói que ele criou, ordenando-lhe a esquecer do teatro e recuperar o seu superpoder principal – fazer blockbusters para o cinema com uma virtual continuação “Birdman 4”.

A todo momento Riggan está à beira de um colapso mental devido a uma eminente catástrofe comercial e de crítica. Por isso, com o andar da narrativa a voz do superego Birdman torna-se cada vez mais frequente e a profusão de metalinguagens domina o filme: um insistente som de percussão jazzística pontua as ações sem sabermos se é um som diegético ou extra-diegético – em muitos momentos vemos, de passagem, em um canto dos bastidores o próprio baterista que faz o som; ou os diálogos nervosos sem sabermos se são linhas de diálogo do filme ou da peça que os personagens estão encenando dentro do filme.

Hollywood adora metalinguagens e auto-referências


Além disso há uma explícita auto-referência com o próprio ator Michael Keaton – tal como o personagem, foi o “ator da vez” no Batman de Tim Burton nos anos 90 e é um ator que nada fez de relevante nos últimos tempos. Em Birdman, assim como na vida real, tenta reconhecimento: lá na ficção com uma peça da Broadway; e aqui na vida real, com um esperado Oscar de melhor ator.

Hollywood adora esse tipo de homenagem metalinguística e auto-referencial: isso parece legitimá-la e dar relevância para o que faz. Ainda mais que a suposta “crítica” ou “ironia” que Birdman faria da oposição entre Hollywood X Broadway, comercial X artístico e cinema X teatro é ultrapassada é datada, assim como a discussão sobre o desejo de ser celebridade para tentar ser amado por todos.

Broadway hoje monta adaptações de histórias anteriormente testadas no cinema para diminuir os riscos diante da competição de entretenimento mais barato, como a Internet. Mas Birdman quer sustentar esse mito da Broadway, porque é positivo para Hollywood: dá um verniz “artístico” ao seu cast de atores que militam tanto no teatro quanto no cinema.

Críticos que rabiscam sua crítica em um bloquinho com poder de destruir carreiras e atores narcísicos que praticam fielmente “O Método” da Actor’s Studio são personagens também datados, colocados em Birdman para reforçar esse mito que tanto agrada a Academia de Cinema.

“A popularidade é o primo pobre do prestígio”


Embora não consiga admitir, Riggan é viciado em celebridade, mas ele está em busca de um verniz: que seja amado e reconhecido pelo seu suposto talento dramático. A certa altura o ator Mike Sheiner fala para Riggan: “A popularidade é o primo pobre do prestígio”.

Talvez essa seja a ideia potencialmente mais crítica de Birdman, mas é apenas pincelada e esquecida durante o filme – incentivado pela sua filha, Riggan transforma-se numa celebridade viral graças a vídeos postados em redes sociais.

Riggan não quer renunciar à celebridade: quer renová-la, atualiza-la, torna-la com mais classe. Esse é o atual papel ideológico da Broadway, que filmes como Birdman procura manter ao contar a história da ansiedade da pré-estreia de um ator de Hollywood que pisará em um palco onde atuaram Marlon Grando, Geraldine Page e Jason Robards.

Mas o sucesso de sua peça dependerá muito mais da sua celebridade instantânea dos vídeos virais na Internet. Ele apenas será um primo pobre do prestígio.

É justamente essa crítica que o diretor Alejandro Iñárritu preferiu deixar apenas latente, de passagem, sem desenvolver até às últimas consequências: poderia desmistificar, mostrando como a Broadway e o teatro se tornaram engrenagens de uma gigantesca indústria do entretenimento movida a blockbusters e atores auto-indulgentes.

O filme Birdman promete discussões profundas sobre a importância de se sentir amado nesse mundo, mas tudo que consegue nos entregar são os tradicionais clichês que legitimam a indústria do entretenimento: atores auto-piedosos a ponto de terem um colapso porque, afinal, são “sensíveis”; críticos impiedosos que transformam artistas em gênios incompreendidos; Broadway como meca de todo ator de Hollywood para torna-se mais “artístico”, vítimas da celebridade que entram em crise de abstinência ao perde-la etc.

Por isso, Birdman parece mostrar o quanto o diretor mexicano Alejandro Iñárritu está grato pelas portas de Hollywood abertas para ele – em troca, ele tornou mais “moderninho” (com seus longos planos sequências, câmeras flutuantes e apuro de efeitos digitais) os velhos mitos que legitimam o negócio da indústria cinematográfica.

O que torna o filme o grande favorito ao Oscar desse ano.


Ficha Técnica


Título: Birdman
Diretor: Alejandro Gonzalez Iñárritu
Roteiro: Alejandro Gonzalez Iñárritu, Nicolás Giacobone
Elenco: Michael Keaton, Zach Galifianakis, Edward Norton, Naomi Watts, Emma Stone
Produção: New Regency Pictures
Distribuição: 20th Century Fox Pictures
Ano: 2014
País: EUA





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