Certa vez o
agente especial do FBI Fox Mulder, da série televisiva “Arquivo X”, criou uma
instigante hipótese: Hollywood propositalmente encenaria nos plots de seus
filmes conspirações políticas para que as críticas contra essas mesmas
conspirações, dessa vez na realidade, fossem desmoralizadas como meras
“ficções”. A série recente de vídeos do Estado Islâmico sobre supostas
decapitações de reféns estaria repetindo como farsa os vídeos fakes mostrados
em filmes como “Mera Coincidência” (1997) e Homem de Ferro 3 (2013)? Diferente de
antigos vídeos jihadistas de execuções, os atuais apresentam estranhas
“anomalias” para vídeos supostamente realistas do estilo de antigos vídeos VHS
como “Faces da Morte” – ao contrário, possuem superproduções análogas a
blockbusters hollywoodianos com Dolby Digital Surround e suspeitas de uso de
Chroma Key 3 D.
A
hipótese Fox Mulder: em um dos episódios da série Arquivo X vemos o agente
especial do FBI, Fox William Mulder, participando como convidado de um
congresso de ufólogos. A certa altura alguém lhe pergunta o motivo de ao mesmo
tempo em que o governo dos EUA tenta esconder o fenômeno UFO, permite que
Hollywood produza tantos filmes sobre contatos com aliens. E Mulder responde:
“para que todos pensem que os contatos com UFOs e aliens são do mundo da
ficção, coisas de cinema. Por isso, quando surgem notícias verdadeiras, ninguém
acredita”.
Nas
últimas décadas, Cinema e Guerra estão se tornando uma espécie de sala de espelhos que se refletem mutuamente, até não sabermos distinguir o
reflexo daquilo que é refletido. No Oscar 2013
Michelle Obama aparece em link ao vivo direto da Casa Branca abrindo o
envelope do prêmio de Melhor Filme para Argo,
cujo plot narra uma estratégia militar norte-americana de simulação de produção
de um filme para libertar reféns do Irã nos anos 70;
Em
1997 em plena crise política provocada por um escândalo sexual envolvendo o
presidente Bill Clinton era lançado Mera
Coincidência (Wag the Dog, com
Dustin Hoffman e Robert De Niro) onde uma guerra fictícia é produzida por
Hollywood para desviar a atenção do público também de uma crise envolvendo um
escândalo sexual presidencial – e o ponto alto é a produção de um vídeo em croma key simulando uma batalha
sangrenta dos EUA contra terroristas da Albânia;
Em Homem de Ferro 3 é apresentado o cruel
líder muçulmano chamado Mandarim (com um appeal de Bin Laden), que ordena
atentados mundo afora. Mas na verdade não passa de um ator medíocre contratado
para fazer vídeos que constantemente são “vazados” para as rede de TVs do mundo
– um “inside job” dos próprios EUA.
Roteiristas
e produtores de Hollywood buscam inspiração dos plots narrativos de seus filmes
nos eventos políticos internacionais. Ou será o contrário? Os eventos políticos
internacionais estariam imitando a linguagem cinematográfica para ganharem
credibilidade na opinião pública? A realidade busca a ficção para se tornar
mais “realista”?
Hipótese Fox Mulder em ação?
Ou
será que Hollywood e a política externa dos EUA já estariam sincronizadas a
ponto de estar em pleno funcionamento estratégias que confirmariam a hipótese
Fox Mulder? – Hollywood brinca com a possibilidade da ameaça terrorista ser na
verdade incitada por vídeos falsos como
tática para desmoralizar qualquer acusação na vida real de que vídeos terroristas
possam ser, de fato, fakes.
Observando
a série de chocantes vídeos de execuções por decapitação de jornalistas e
prisioneiros divulgados pelo chamado “Estado Islâmico”, muitos analistas
(seguindo a hipótese Fox Mulder, facilmente tachados de “conspiranóicos” ou
“teóricos da conspiração” porque seriam influenciados pelas “coisas de cinema”)
encontram “anomalias”.
Diferentes
dos antigos vídeos de pessoas decapitadas em nome do Islã como os da Guerra da
Chechênia ou do jornalista norte-americano Daniel Pearl em 2002 pela Al Qaeda (vídeos
de impactante realismo), temos agora vídeos com uma linguagem (áudio,
composição dos planos, marcação das cenas, e planos com câmeras em travelling e gruas) típicas de blockbuster hollywoodiano de ação ou de algum
slash movie.
Parecem
não mais se tratar de vídeos com decapitações reais cometidas por terroristas
islâmicos ensandecidos e sedentos por sangue gritando “Allahu Akbar!” ("Alá é Maior") e outras
slogans fundamentalistas, com muito sangue por todos os lados. Tudo parece ser
composto, montado, coreografado numa violência construída em “agilidade
formal”: o impacto do que supostamente ocorre no conteúdo da imagem é muito
mais sugerido pelos elementos da forma (edição, timing, sonoplastia, trilha
etc.) do que num enquadramento longo que mostre o horror sem cortes.
Vamos
enumerar algumas dessas “anomalias” mais discutidas nessa atual série de
vídeos:
Anomalias
(a) O vídeo da decapitação dos 21 egípcios
cristãos coptas começa com uma animação de uma gota que cai formando o logo do
Estado Islâmico ao som de qualidade Dolby Digital Surround como no cinema. Em
seguida vemos um plano de câmara com um primor de composição de elementos
cinemáticos típicos dos thrillers – pela composição saturada, sabemos que algo
de muito terrível acontecerá: nuvens escuras no céu, homens de preto acompanham
seus prisioneiros caminhando em diagonal (gestalt em desequilíbrio para conotar
tensão, clichê de filmes de ação e terror) e um áudio com o som do mar ao fundo
com uma música crescendo até chegar a um estampido de explosão com um lettering: “Uma Mensagem Assinada com o
Sangue para a Nação da Cruz”. Texto diagramado com fontes ao mesmo tempo
minimalista e gótica numa alusão a escrita da lápide de um túmulo;
(b) Enquanto os
terroristas
caminham pela praia com os reféns, eles aparecem e desaparecem em um
impressionante efeito – parece significar duas imagens que foram anexadas
mediante a técnica de chroma key, o
segredo mais bem guardado de Hollywood – a partir de atores que contracenam
diante de um fundo verde, é possível configurar cenários inexistentes. No filme
Mera Coincidência de 1997 essa técnica é aplicada no vídeo de uma suposta
guerra contra terroristas na Albânia. Com as atuais técnicas de chroma aplicados em ambientes 3 D as
possibilidades tornam-se infinitas, como podemos ver no vídeo abaixo;
(c) A câmera em
travelling e em movimento
de grua em ascensão mostra uma impecável marcação de cena e coreografia: cada
terrorista com seu refém guarda uma distância constante do outro. Todos os
reféns de ajoelham de uma só vez e na hora da decapitação, cada um deita-se em
seguida do outro, formando uma “ola” macabra. Com isso, o vídeo ganha timing,
dinamismo e uma tensão crescente... excessivamente roteirizado para um suposto registro
ao vivo de execuções;
(d) E talvez a
anomalia mais incômoda: as vítimas estão estranhamente tranquilas, resignadas, obedecendo
pacientemente a marcação e coreografia da cena... não demonstram a menor
resistência naturais para pessoas que sabem que vão ser executadas nos próximos
minutos;
(e) No caso da
execução do jornalista norte-americano James Foley, o discurso de despedida da vítima
parece que obedece a um roteiro desenhado para chegar ao coração dos americanos
(liberdade, pátria, etc.). Mais uma vez, não parece coerente para uma pessoa
que sabe que será que vai morrer degolado. Estarão todos eles enganados?
Drogados? Anestesiados?;
(f) As imagens
em câmara lenta de reféns e vítimas caminhando pela praia rumo ao local da
execução lembram os ditames dos westerns do mestre da violência no cinema, o
diretor Sam Peckimpah – Meu Ódio Será Sua
Herança, Sob o Domínio do Medo, Pet Garret e Billy The Kid;
(g) Em vez de dar
uma mensagem em árabe, como faria um bom jihadista (com legendas em alguma
outra língua), o suposto terrorista muçulmano extremista fala em inglês – e muitos afirmam, com sotaque britânico. Tudo
legendado em árabe;
(h) Na sequência
das decapitações, entra em ação o recurso da agilidade formal: novamente em Dolby
Digital Surround, tudo fica negro com uma série de flashes com supostas
decapitações de reféns – tudo o que podemos identificar são gritos, sangue e
facas cortando algo. “Chicotes” (travellings rápidos) da direita para a
esquerda, em primeiro plano com o vídeo acelerado e, em outros momentos, em câmera
lenta: mais lições aplicadas do mestre Sam Peckimpah – pergunto-me porque por
trás dessa tão meticulosa produção de vídeo estariam terroristas que esquecem o
documento de identidade na cena do atentado de Paris ao Charlie Hebdo;
(i) Por isso fica
uma indagação: Por que uma organização tão radical e brutal como o estado
Islâmico, que se caracteriza por ter já publicado vídeos horrendos de atos
violentos, justamente agora editam vídeos reduzidos a fragmentos onde jamais se
vê a decapitação em si? De repente ficaram mais sensíveis ou temerosos de ter
sua conta no YouTube suspensa?
Hipóteses
Os vídeos do Estado Islâmico tem uma inegável natureza canastrona,
pela saturação e “overacting” da composição e dramaticidade da montagem. São
muito mais Propagandas de Guerra do que execuções reais de reféns. Por isso, é
rizível o mantra dos telejornais do mundo sobre a existência de uma suposta
análise anterior da “autenticidade” do vídeo.
Além da hipótese Fox Mulder (baseada no sincronismo da linguagem
dessas produções audiovisuais com as “brincadeiras” sobre vídeos terroristas
que Hollywood faz em filmes como Mera
Coincidência e Homem de Ferro 3),
podemos numerar algumas outras hipóteses:
(a) Na verdade os vídeos são uma ferramenta de marketing para
conseguir novos recrutas, especialmente do Ocidente e principalmente em um
cenário europeu de profunda crise econômica e elevado desemprego entre
imigrantes. Ressentimento e ódio de pessoas segregadas economicamente produz o
terreno psíquico para o fascismo e os chamados “efeitos copycat” (efeitos de
contágio e imitação a partir dos sensacionalismo midiático), como possivelmente
se registrou no último atentado na Dinamarca – um jovem recém saído da prisão,
sem conexões com grupos jihadistas, com histórico de brigas de gangs e porte de
arma, teria imitado os atentados de Paris. Essas pessoas supostamente seriam o
grande alvo desse marketing do ódio.
(b) Falsa bandeira (False
Flag ou Black Flag) – Poucas
horas depois da divulgação do vídeo, o Egito já respondia com ataques à Líbia
com pesadas perdas entre civis. Assim como o atentado em Paris ao Charlie
Hebdo, a série de vídeos com decapitações fariam parte de uma ampla estratégia
de criação de pretextos para intervenção militar no Yêmen, Líbia e Síria. Esses
eventos estariam criando “um novo contexto”. Pelo apuro técnico, esses vídeos
(assim como as próprias armas pesadas de origem norte-americana que esses
terroristas carregam) seriam de fato produzidos por empresas que prestam
serviço ao Pentágono e CIA.
(c) As três hipóteses elencadas nessa postagem (Fox Mulder +
Marketing de Recrutamento + Falsa Bandeira) não são excludentes: podem
funcionar numa infernal sincronia – Hollywood alimentando teorias da
conspiração no campo ficcional para desmoralizar as críticas no campo real
sobre essas mesmas conspirações, enquanto os EUA tocam fogo no psiquismo que
alimenta o protofascismo e radicalismo de jovens desempregados europeus que
ajudarão a produzir os “novos contextos” necessários que justifiquem a
intervenção militar dos EUA, sempre em defesa da “liberdade de expressão” e “Democracia”.
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