O blog
“Cinegnose” acertou: o favoritismo de “Birdman” confirmou-se com o prêmio de
Melhor Filme no Oscar 2015. O prêmio era aguardado pela recorrência temática
dos filmes premiados pela Academia de Cinema nos últimos anos: metalinguagem,
auto-referência, glamourização da “guerra anti-terror”, conflitos
étnicos e liberdade, temas recorrentes desde a explosão da bolha imobiliária
dos EUA em 2008 e a crise da Zona do Euro. Hollywood mais uma vez demonstra que
é um braço armado do complexo bélico-militar norte-americano. E a indústria do
entretenimento sabe premiar os seus: o diretor mexicano Alejandro Iñárritu (e a
nacionalidade foi um fator ideológico importante) fez uma verdadeira homenagem à indústria
do entretenimento – mostrou uma Broadway que
não mais existe, reforçando a mitologia que ainda dá algum verniz “artístico” a
Hollywood: atores autopiedosos, divas narcisistas que se entregam ao “Método” e
críticos implacáveis que transformam artistas em “gênios incompreendidos”.
Conforme
previsto por esse blog, Birdman
confirmou o grande favoritismo para o Oscar de melhor filme, batendo outro
grande favorito: Boyhood – sobre a
análise do Cinegnose sobre Birdman clique
aqui.
Em
tempos bicudos de crise econômica global pós-explosão da bolha especulativa
imobiliária dos EUA em 2008, o “derretimento” da Zona do Euro e escalada da
propaganda anti-terror pela mídia internacional, Hollywood mais uma vez se
mostra porque é o braço armado da política externa norte-americana. E sua
grande arma é glamourização da própria natureza bélico-militar dos EUA e a
homenagem metalinguística da sua própria indústria do entretenimento.
Também
em postagem anterior, a partir dos dados do Internet Movie Data Base,
percebemos que a produção de filmes do gênero catástrofe tem seu pico em
contextos de crise econômica global – clique
aqui.
No caso das premiações do Oscar, nos últimos anos marcados pela crise
econômica e guerra anti-terror, a Academia de Cinema tende a premiar filmes
metalinguísticos, produções que circundem temas bélicos-militares e plots que
discutam segregação racial.
A recorrência nas premiações
Em
2010, Guerra ao Terror retratava a
guerra no Iraque concentrando-se naqueles que estão mais baixos na escala do
trabalho militar: negros, latinos etc. Unificar a nação para o combate à ameaça do “terrorismo
internacional” é necessário na propaganda.
Em
2011 temos O Discurso do Rei como o
melhor filme – mostrando a atmosfera pré-Segunda Guerra Mundial e o drama de um
monarca inglês que, por causa da gagueira, tem dificuldades de se dirigir ao
povo e comandá-lo. Mais temas de unificação nacional diante da ameaça externa,
focado no drama de superação pessoal.
No
Oscar 2012, o filme O Artista faz uma
premiação metalinguística à indústria cinematográfica com referências a Chaplin
e a resistência de um galã de filmes mudos à sonorização dos filmes.
Argo foi o melhor filme de 2013, diante de um
aparentemente “surpreso” Jack Nicholson que olhava para um telão em link ao
vivo com a Casa Branca, onde Michelle Obama abria o envelope dourado para
anunciar o prêmio. Mais uma vez o olhar auto-indulgente de Hollywood: premiação
da memória de uma tática da inteligência militar norte-americana que em 1979 liberta reféns da Embaixada dos EUA
no Irã através de agentes da CIA que simulam de filmagem de um suposto filme de
ficção científica chamado “Argo” naquele país – metalinguagem e guerra se
uniram de forma irresistível para a Academia de Cinema.
O
tema da Escravidão e liberdade em um EUA sulista alguns anos antes da abolição
oficial da escravatura leva o Oscar em 12
Anos de Escravidão na premiação da Academia em 2014. Mais uma vez estamos
diante da necessidade ideológica da unificação interna diante do futuro
recrudescimento da chamada “Guerra ao Terror” que acompanhamos nesse ano, pós
atentado ao Charlie Hebdo em Paris.
E
principalmente porque “minorias” étnicas serão a força de trabalho principal na
escala mais baixa da “guerra ao terror”, mercenários “bucha de canhão” que
morrerão em algum lugar longínquo no Oriente Médio ou no Leste Europeu. Como
mostrou o filme premiado Guerra ao Terror
em 2009.
Birdman legitima indústria do entretenimento
O
Oscar de Melhor Filme para Birdman é
o ápice desse olhar metalinguístico para o próprio umbigo que Hollywood tanto
preza nesses últimos anos: afinal, esse olhar legitima e dá relevância para a
indústria do entretenimento diante da sociedade.
Ao
contrário, Boyhood é um filme
ideologicamente difícil para Hollywood: mães solteiras, famílias separadas,
jovens, drogas, álcool. Nesse momento, Hollywood e EUA querem unificação e
positividade para os tempos difíceis que se avizinham.
O
diretor mexicano (quesito importante para a premiação, como veremos) Alejandro
Iñárritu fez um filme supersaturado de metalinguagens e auto-referências que
acabou resultando numa produção subserviente e complacente com a própria imagem
que Hollywood faz de si mesma.
Como
vimos na análise que fizemos em postagem anterior, a primeira homenagem que
Iñárritu faz ao Cinema é o sonho do chamado “moto perpétuo cinemático”: a
produção de um filme em um único plano sequência onde a própria câmera se confunda
com a vida real – sonho ideológico de Hollywood. Com as sequências costuradas
digitalmente, Birdman criou essa
ilusão.
A segunda homenagem é à Broadway, famoso circuito de teatros de Nova York que, apesar de estar atualmente submetida aos hits adaptados de Hollywood, ainda mantém a aura artística que dá algum verniz aos atores da indústria do entretenimento.
Como
vimos, Birdman mostra uma Broadway
que não mais existe: atores que ainda acreditam no “Método” da Actor’s Studio,
críticos que ainda podem destruir carreiras com sua opiniões impressas e atores
enfant terribles indomáveis nas suas
idiossincrasias e auto-indulgência.
Aparentemente,
Birdman é um filme crítico e irônico
ao culto às celebridades virais da Internet e à máquina do entretenimento. De
quebra, ainda promete fazer uma discussão existencial sobre a necessidade de
sermos amados...
México: perto dos EUA, longe de Deus
Esses
temas acabam se tornando meras iscas em um filme que foi premiado pelo seu
esforço em alimentar a relevância artística de uma máquina de entretenimento sobretudo ideológica, como percebe-se na recorrência dos filmes premiados nos
últimos anos.
Alejandro
Iñárritu é o segundo diretor mexicano premiado em sequência: no ano passado,
Alfonso Cuarón foi premiado com o filme Gravidade
– aliás, filme que também glamouriza a máquina de guerra e espionagem espacial
dos EUA.
Tanto
Iñarritu como Cuarón são egressos do mercado publicitário e televisivo mexicano
com estreitas relações econômicas e ideológicas com o grande vizinho do Norte.
Em
uma América Latina “ameaçadora” à política externa dos EUA com a vitória nas
urnas de governos de viés esquerdista e o fantasma do “bolivarianismo” na
grande mídia, nada melhor do que o Oscar reforçar seus laços com o México.
Afinal, o México sempre se mostrou fiel ao se filiar ao Nafta (Acordo de Livre
Comércio da América do Norte) dando as costas para a América Latina.
Parafraseando
o ex-presidente do México Porfírio Diaz: “Iñarritu e Cuarón, tão perto dos EUA
e tão longe de Deus...”.