sábado, setembro 13, 2014

Professora da PUC aponta suposto perigo subliminar das ciclofaixas em SP

A professora da PUC/SP e uma das principais especialistas em Semiótica no Brasil, Lucia Santaella, alertou em rede social que as ciclofaixas pintadas de vermelho em São Paulo são “uma descarada propaganda vermelha do PT, provavelmente encomendadas do diabo em pessoa” e recomenda que prefeito e assessores leiam sobre Semiótica para descobrirem o quanto essa diabólica cor afeta o sistema nervoso central dos incautos cidadãos. Curiosa semiose seletiva da eminente pesquisadora e da grande mídia: quando bicicletas são da cor laranja com o logo de um conhecido banco chama-se “projeto de sustentabilidade”; mas quando ciclofaixas são pintadas de vermelho pelo poder público viram demoníacas propagandas políticas subliminares. Mas a discussão sobre cores, Semiótica e Neurociência pode ser um mero sintoma de algo mais profundo: a zona cinza do conservadorismo.

Cuidado, incauto leitor. Você talvez não tenha percebido, mas está em andamento nesse exato momento uma sórdida estratégia de espalhar mensagens subliminares pelas ruas de São Paulo: estranhas faixas vermelhas, supostamente ciclofaixas, seriam na verdade uma estratégia subliminar para furtivamente direcionar a intenção de voto dos cidadãos para o partido do maquiavélico prefeito da cidade, o PT.

Em seu perfil no Facebook a professora Lucia Santaella (titular do Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e Tecnologias da Inteligência da PUCSP e autora de diversos livros adotados em inúmeras faculdades de comunicação pelo Brasil afora) acusou que “essas faixas não passam da mais descarada propaganda vermelha do PT”.

E mais, reivindica que os assessores do diabólico prefeito estudem Semiótica para compreenderem as terríveis consequências no aparelho sensório humano: as “horrendas faixas vermelhas, provavelmente encomendadas do diabo em pessoa”, diz a eminente professora, “não passam de “pura poluição visual para punir olhos e mentes”, cujo efeito é afetar o sistema nervoso central: “Não poderia ele mesmo [o prefeito, e não o diabo – observação minha] ou seus fantasiosos assessores estudarem um pouquinho só de Semiótica para compreender o efeito das cores no sistema nervoso central?

Santaella suspeita da inutilidade das ciclofaixas “em ruas íngremes, impossíveis de serem pedaladas nem mesmo por campeões olímpicos”(parece que a Semiótica desconhece a existência de bicicletas munidas de câmbio). Se elas são inúteis, então essas faixas vermelhas somente poderiam ter um propósito: a propaganda política subliminar.

Ciclofaixas viram “obsessão”


O arroubo patriótico da eminente escritora e professora da PUC em denunciar tão sórdido e ardiloso plano talvez sequer imaginado pelos artífices da Guerra Fria se junta a uma onda através das redes sociais de levantar suspeitas sobre as licitações e empresas que fornecem latas de tinta, tartarugas amarelas etc. para a instalação das ciclofaixas. Uma repentina e seletiva onda de preocupação cívica com o dinheiro público.

Enquanto isso a grande mídia, em pleno romance amoroso com Marina Silva e toda a história de ambientalismo e sustentabilidade abraçada repentinamente pelo mundo corporativo e financeiro, vê perplexa a realização em ritmo acelerado dos 400 km de ciclovias prometido pelo prefeito Fernando Haddad. Isso também não seria “sustentabilidade”?

Não para a grande mídia. Se um banco como o Itaú espalha estações de bicicletas da Bike Sampa pela cidade a mídia chama de “projeto de sustentabilidade”, mas quando a Prefeitura da cidade de São Paulo expande rapidamente a malha de ciclovias e ciclofaixas, acaba virando “obsessão”.

“Polêmicas, ciclovias viram obsessão dentro da Prefeitura de São Paulo”, dá manchete o jornal Folha de São Paulo. “Obsessão” e “mania” transformam-se em designações negativas para um projeto “sem critérios, polêmico e autoritário”. Como se de repente o prefeito sofresse de algum surto neurótico.

“Às vezes um charuto é apenas um charuto”


Retornando à teoria conspiratória da eminente pesquisadora da PUC, sabemos que os pesquisadores de Semiótica possuem um especial fascínio pelo meio urbano: veem a cidade como um imenso texto cujos signos poderiam ser decodificados e seus sentidos, significações e secretas sinfonias e polissemias reveladas.

Mas como disse Freud certa vez, “às vezes um charuto é apenas um charuto”. Como podemos observar numa rápida amostragem no Google imagens, as ciclofaixas pintadas em vermelho parecem ser um padrão internacional de sinalização. Ou então estamos diante de uma inacreditável lavagem cerebral comunista em cidades como Winterthur (Suiça), Bristol (Inglaterra), Madison (EUA), e em diversas cidades brasileiras que nem administradas pelo PT são como Curitiba, Santos, Indaiatuba e Porto Alegre.

De cima para baixo, cidades
ameaçadas pela suposta 
propaganda
subliminar vermelha:
Winterthur (Suíça),
Bristol (Inglaterra) e
Madison (EUA)
       Santaella parece confundir os conceitos de sinalização, informação e comunicação. Não por culpa do criador da Semiótica Charles Peirce (cuja eminente professora da PUC é no Brasil um dos seus maiores divulgadores), mas provavelmente pelo mix demonstrado por Santaella entre a chamada “síndrome de vira-lata” e o conservadorismo de uma classe média paulistana abraçada ao seu grande símbolo de consumo: o automóvel.

A Semiótica de Santaella parece se escandalizar com pessoas que acreditam viver “em plena Amsterdã”, como acusa com indignação. Intelectuais da USP e da PUC viveram a carreira inteira com os corações e mentes voltados para os EUA e Europa. Afinal, desses lugares vieram as teorias mais caras que se transformaram em dissertações, teses e artigos que pavimentaram suas ascensões acadêmicas. Muitos deles às vezes se veem como que exercendo uma missão civilizadora em um país atrasado de Terceiro Mundo. Mas de repente, ver esse país querendo aplicar estratégias de mobilidade urbana como fosse “em plena Amsterdã” pode ser demais para uma taxonomia onde cada coisa tem um devido nome e está em seu devido lugar.

Semiótica e Neurociência


Outra coisa que chama a atenção no súbito ativismo digital de Santaella é a aproximação da Semiótica com uma discussão neurocientífica sobre cores e impacto no sistema nervoso central. Novamente, a confusão entre sinalização, informação e comunicação: nem na fenomenologia peirciana da primeiridade há preocupações subliminares com cores. Para Peirce o sistema nervoso é estimulado simultânea e diversamente, resumindo tudo em um elemento, assim como muitos sons são reduzidos a um acorde. Fazemos uma apreensão sintética da diversidade de dados. Para Peirce, percepções são conclusões, e não impressões.

A discussão sobre cores que Santaella pretende sugerir parece mais voltada à táticas de campos como o do Neuromarketing do que da ciência dos signos.
Neuromarketing com Semiótica?

Mas, vamos aceitar o pressuposto das cívicas advertências de Santaella. Sou usuário diário de bicicleta como meio de transporte. Vou e volto diariamente de casa para as aulas na Universidade em ciclovias e ciclofaixas pintadas de vermelho e lhe digo: desde que abandonei o carro minha qualidade de vida e estado geral de saúde melhoraram. Não consta entre amigos ciclistas que tenham se tornado estressados, agitados ou agressivos depois das faixas vermelhas surgirem nas ruas da cidade.

Pelo contrário, esses sintomas eram observados em mim quando olhava para a cor prata do meu carro...

A zona cinza do conservadorismo


Mas tudo isso que estamos discutindo pode ser inútil. Conceitos como Semiótica, teoria das cores e neurociências no discurso da eminente professora da ciência dos signos talvez sejam meros sintomas de uma coisa mais profunda que em postagem anterior denominei de “zona cinza do conservadorismo”, derivado do conceito de “ecologia cinza” do pesquisador francês Paul Virilio: a possibilidade da escalada do conservadorismo paulistano ser explicada através da existência de uma zona cinza ou desconhecida ainda não plenamente explorada nem pela psicologia ou pelas ciências sociais - seria possível os aspectos sensoriais e cognitivos envolvidos nas diferentes acoplagens das pessoas com aparatos como automóvel, computador, celulares etc. moldarem visões de mundo e ideologias? – sobre esse tema clique aqui.

 Quando um motorista dá um “chega prá lá” em um ciclista para que ele reconheça qual o seu verdadeiro lugar na cidade dos signos subliminares tão prezada por Santaella, isso seria o sintoma de uma “cronopolítica”: o automóvel molda em seu usuário uma visão de mundo marcada pela estética do painel do carro com seus inúmeros gadgets que dão a ilusão de posse e controle e pelo mundo em travelling através do para-brisa e a janela do carro como uma tela na qual olhamos encapsulados um mundo aparentemente seguro por ser mantido à distância.

Mas apesar de tudo, o brilhantismo da eminente pesquisadora Santaella nos deu mais uma lição de Semiótica: o irônico destino dos signos em processos de semiose seletiva – de um lado bicicletas se tornam veículos sustentáveis quando decorados com para-lamas laranja com logo de um conhecido banco; do outro, ciclofaixas vermelhas se tornam “obsessões” demoníacas de uma ardilosa propaganda subliminar com sabor nostálgico de Guerra Fria.


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