A professora da PUC/SP e uma das principais especialistas em Semiótica
no Brasil, Lucia Santaella, alertou em rede social que as ciclofaixas pintadas
de vermelho em São Paulo são “uma descarada propaganda vermelha do PT,
provavelmente encomendadas do diabo em pessoa” e recomenda que prefeito e
assessores leiam sobre Semiótica para descobrirem o quanto essa diabólica cor
afeta o sistema nervoso central dos incautos cidadãos. Curiosa semiose seletiva
da eminente pesquisadora e da grande mídia: quando bicicletas são da cor
laranja com o logo de um conhecido banco chama-se “projeto de
sustentabilidade”; mas quando ciclofaixas são pintadas de vermelho pelo poder
público viram demoníacas propagandas políticas subliminares. Mas a discussão
sobre cores, Semiótica e Neurociência pode ser um mero sintoma de algo mais
profundo: a zona cinza do conservadorismo.
Cuidado,
incauto leitor. Você talvez não tenha percebido, mas está em andamento nesse
exato momento uma sórdida estratégia de espalhar mensagens subliminares pelas
ruas de São Paulo: estranhas faixas vermelhas, supostamente ciclofaixas, seriam
na verdade uma estratégia subliminar para furtivamente direcionar a intenção de
voto dos cidadãos para o partido do maquiavélico prefeito da cidade, o PT.
Em seu perfil no Facebook a professora Lucia Santaella (titular do Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e Tecnologias da Inteligência da PUCSP e autora de diversos livros adotados em inúmeras faculdades de comunicação pelo Brasil afora) acusou que “essas faixas não passam da mais descarada propaganda vermelha do PT”.
Em seu perfil no Facebook a professora Lucia Santaella (titular do Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e Tecnologias da Inteligência da PUCSP e autora de diversos livros adotados em inúmeras faculdades de comunicação pelo Brasil afora) acusou que “essas faixas não passam da mais descarada propaganda vermelha do PT”.
E mais, reivindica que os
assessores do diabólico prefeito estudem Semiótica para compreenderem as
terríveis consequências no aparelho sensório humano: as “horrendas faixas
vermelhas, provavelmente encomendadas do diabo em pessoa”, diz a eminente
professora, “não passam de “pura poluição visual para punir olhos e mentes”,
cujo efeito é afetar o sistema nervoso central: “Não poderia ele mesmo [o
prefeito, e não o diabo – observação minha] ou seus fantasiosos assessores
estudarem um pouquinho só de Semiótica para compreender o efeito das cores no
sistema nervoso central?
Santaella suspeita da
inutilidade das ciclofaixas “em ruas íngremes, impossíveis de serem pedaladas
nem mesmo por campeões olímpicos”(parece que a Semiótica desconhece a
existência de bicicletas munidas de câmbio). Se elas são inúteis, então essas
faixas vermelhas somente poderiam ter um propósito: a propaganda política
subliminar.
Ciclofaixas viram “obsessão”
O arroubo patriótico da
eminente escritora e professora da PUC em denunciar tão sórdido e ardiloso
plano talvez sequer imaginado pelos artífices da Guerra Fria se junta a uma
onda através das redes sociais de levantar suspeitas sobre as licitações e
empresas que fornecem latas de tinta, tartarugas amarelas etc. para a
instalação das ciclofaixas. Uma repentina e seletiva onda de preocupação cívica
com o dinheiro público.
Enquanto isso a grande mídia,
em pleno romance amoroso com Marina Silva e toda a história de ambientalismo e
sustentabilidade abraçada repentinamente pelo mundo corporativo e financeiro,
vê perplexa a realização em ritmo acelerado dos 400 km de ciclovias prometido
pelo prefeito Fernando Haddad. Isso também não seria “sustentabilidade”?
Não para a grande mídia. Se
um banco como o Itaú espalha estações de bicicletas da Bike Sampa pela cidade a
mídia chama de “projeto de sustentabilidade”, mas quando a Prefeitura da cidade
de São Paulo expande rapidamente a malha de ciclovias e ciclofaixas, acaba virando
“obsessão”.
“Polêmicas, ciclovias viram
obsessão dentro da Prefeitura de São Paulo”, dá manchete o jornal Folha de São Paulo. “Obsessão” e “mania”
transformam-se em designações negativas para um projeto “sem critérios,
polêmico e autoritário”. Como se de repente o prefeito sofresse de algum surto neurótico.
“Às vezes um charuto é apenas um charuto”
Retornando à teoria
conspiratória da eminente pesquisadora da PUC, sabemos que os pesquisadores de
Semiótica possuem um especial fascínio pelo meio urbano: veem a cidade como um
imenso texto cujos signos poderiam ser decodificados e seus sentidos,
significações e secretas sinfonias e polissemias reveladas.
Mas como disse Freud certa
vez, “às vezes um charuto é apenas um charuto”. Como podemos observar numa
rápida amostragem no Google imagens, as ciclofaixas pintadas em vermelho
parecem ser um padrão internacional de sinalização. Ou então estamos diante de
uma inacreditável lavagem cerebral comunista em cidades como Winterthur
(Suiça), Bristol (Inglaterra), Madison (EUA), e em diversas cidades brasileiras
que nem administradas pelo PT são como Curitiba, Santos, Indaiatuba e Porto
Alegre.
De cima para baixo, cidades ameaçadas pela suposta propaganda subliminar vermelha: Winterthur (Suíça), Bristol (Inglaterra) e Madison (EUA) |
A Semiótica de Santaella
parece se escandalizar com pessoas que acreditam viver “em plena Amsterdã”,
como acusa com indignação. Intelectuais da USP e da PUC viveram a carreira
inteira com os corações e mentes voltados para os EUA e Europa. Afinal, desses
lugares vieram as teorias mais caras que se transformaram em dissertações, teses
e artigos que pavimentaram suas ascensões acadêmicas. Muitos deles às vezes se
veem como que exercendo uma missão civilizadora em um país atrasado de Terceiro
Mundo. Mas de repente, ver esse país querendo aplicar estratégias de mobilidade
urbana como fosse “em plena Amsterdã” pode ser demais para uma taxonomia onde
cada coisa tem um devido nome e está em seu devido lugar.
Semiótica e Neurociência
Outra coisa que chama a
atenção no súbito ativismo digital de Santaella é a aproximação da Semiótica
com uma discussão neurocientífica sobre cores e impacto no sistema nervoso
central. Novamente, a confusão entre sinalização, informação e comunicação: nem
na fenomenologia peirciana da primeiridade há preocupações subliminares com
cores. Para Peirce o sistema nervoso é estimulado simultânea e diversamente,
resumindo tudo em um elemento, assim como muitos sons são reduzidos a um
acorde. Fazemos uma apreensão sintética da diversidade de dados. Para Peirce,
percepções são conclusões, e não impressões.
A discussão sobre cores que
Santaella pretende sugerir parece mais voltada à táticas de campos como o do
Neuromarketing do que da ciência dos signos.
Mas, vamos aceitar o
pressuposto das cívicas advertências de Santaella. Sou usuário diário de
bicicleta como meio de transporte. Vou e volto diariamente de casa para as
aulas na Universidade em ciclovias e ciclofaixas pintadas de vermelho e lhe
digo: desde que abandonei o carro minha qualidade de vida e estado geral de
saúde melhoraram. Não consta entre amigos ciclistas que tenham se tornado estressados,
agitados ou agressivos depois das faixas vermelhas surgirem nas ruas da cidade.
Pelo contrário, esses
sintomas eram observados em mim quando olhava para a cor prata do meu carro...
A zona cinza do conservadorismo
Mas tudo isso que estamos
discutindo pode ser inútil. Conceitos como Semiótica, teoria das cores e
neurociências no discurso da eminente professora da ciência dos signos talvez
sejam meros sintomas de uma coisa mais profunda que em postagem anterior
denominei de “zona cinza do conservadorismo”, derivado do conceito de “ecologia
cinza” do pesquisador francês Paul Virilio: a possibilidade da escalada do
conservadorismo paulistano ser explicada através da existência de uma zona
cinza ou desconhecida ainda não plenamente explorada nem pela psicologia ou
pelas ciências sociais - seria possível os aspectos sensoriais e cognitivos
envolvidos nas diferentes acoplagens das pessoas com aparatos como automóvel,
computador, celulares etc. moldarem visões de mundo e ideologias? – sobre esse
tema clique
aqui.
Quando um motorista dá um “chega prá lá” em um
ciclista para que ele reconheça qual o seu verdadeiro lugar na cidade dos
signos subliminares tão prezada por Santaella, isso seria o sintoma de uma
“cronopolítica”: o automóvel molda em seu usuário uma visão de mundo marcada
pela estética do painel do carro com seus inúmeros gadgets que dão a ilusão de
posse e controle e pelo mundo em travelling através do para-brisa e a janela do
carro como uma tela na qual olhamos encapsulados um mundo aparentemente seguro
por ser mantido à distância.
Mas apesar de tudo, o brilhantismo
da eminente pesquisadora Santaella nos deu mais uma lição de Semiótica: o
irônico destino dos signos em processos de semiose seletiva – de um lado
bicicletas se tornam veículos sustentáveis quando decorados com para-lamas
laranja com logo de um conhecido banco; do outro, ciclofaixas vermelhas se
tornam “obsessões” demoníacas de uma ardilosa propaganda subliminar com sabor
nostálgico de Guerra Fria.