Premiado nesse ano no festival Sundance de
filmes independentes, “The Signal” (2014) escrito e dirigido por William Eubank
faz um instigante mix entre a atual onda de insegurança com a fauna digital que
habita nossos pesadelos cibernéticos (hackers, worms, bugs, vírus etc.), agência
governamentais de espionagem eletrônica e a mitologia gnóstica e platônica de
que toda a tecnologia computacional na verdade seria uma gigantesca caverna
digital em que viveríamos ignorando a verdadeira natureza da realidade.
Laurence Fishburne parece reviver o mítico personagem Morpheus da trilogia
“Matrix”, porém sem as pílulas vermelha e azul com as quais oferecia uma
oportunidade de escolha. Em “The Signal”, a Verdade será empurrada goela abaixo
dos espectadores.Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Computadores,
Internet e todo o mundo dos bytes sempre exerceu sobre seus usuários um misto
de fascínio e mistério. Nós, usuários de redes sociais e aplicativos, lidamos
muito mais com efeitos de conhecimento do que propriamente com o conhecimento
em si: lidamos apenas com interfaces gráficas, sem compreender o intrincado
mundo dos códigos fontes, algoritmos e das complexas linhas de programação que
faz tudo funcionar. Então, quem os cria (uma fechada casta de nerds, geeks, hackers etc.), passam a
ser cercados por uma aura de lendas e mitos. E suas empresas e start ups
carregados de uma visão mágica de sucessos instantâneos supostamente iniciados
por simples ideias.
E por sermos meros usuários de um conhecimento
que nos chega encapsulado, sem termos acesso à compreensão de como funcionam
hardwares e softwares, somos tomados periodicamente pela paranoia: malwares, vírus, bugs, phishing, cavalos
de troia, worms e toda fauna digital
que habita em nossos pesadelos.
Por
isso, também periodicamente o cinema expressa essa sensibilidade social em
relação a essas novas tecnologias. O filme independente de ficção científica The Signal (2014), premiado nesse ano no
Sundance Film Festival de cinema independente nos EUA, é mais um produto
fílmico que expressa essa sensibilidade ambígua em relação ao mundo digital – a
história de uma sinistra realidade por trás de um misterioso hacker.
Com uma
espécie de mix de um típico episódio da série cult Além da Imaginação (Twillight
Zone) com a alegoria da Caverna de Platão, The Signal expressa essa nossa atual sensibilidade em relação às
novas tecnologias através de uma narrativa carregada de um simbolismo
AstroGnóstico – conjunto de filmes gnósticos que aproximam a jornada humana na
Terra com a jornada de aliens errantes – sobre esse conceito clique aqui.
Por
isso, The Signal parece confirmar as
observações do pesquisador Eric G. Wilson de que a mitologia gnóstica ressurge
sempre em momentos quando as distinções entre destino e liberdade, aparência e
essência, realidade e ilusão começam a entrar em crise em momentos de rápida
transformação ou em quebras de paradigmas tecnológicos.
O Filme
Três estudantes do MIT
(Jonas, Nick e Haley) estão cruzando de carro o país para levar Haley a uma
escola na Califórnia, uma decisão que envolve uma crise de relacionamento entre
Nick e Haley: Nick sofre de uma distrofia muscular em suas pernas, e não quer
se transformar em um estorvo na vida de Haley.
Em uma estadia num hotel,
conseguem rastrear e localizar o endereço de um hacker chamado Nomad que
invadiu a rede do MIT e os insulta constantemente com e-mails estranhos e
ameaçadores. Os três estudantes acompanham o sinal de Nomad, que os leva a uma
casa abandonada no meio de Nevada. Após entrarem na casa ouvem os gritos de
Haley que é puxada para o ar por uma força invisível.
Todos acordarão em um
complexo de laboratórios subterrâneos equipados com tecnologia antiquada como
gravadores e cassetes, comandados pelo Dr. Damon (Laurence Fishburne). Todos os
cientistas e assistentes do complexo usam trajes espaciais igualmente retros e
estão ali, segundo o Dr. Damon, como “equipe de transição” para ajuda-los a
lidar com alguma espécie de contaminação por terem feito contato com um “EBE” –
Entidade Biológica Extraterrestre.
Dr. Damon é um novo Morpheus?
Dirigido e escrito por
William Eubank, o filme cria um interessante estado geral de desorientação
tanto nos personagens como no espectador. Quem será aquela gente? Uma
experiência do governo na Área 51? Imaginação paranoica de geeks do MIT? Por que tudo é tão antiquado naquele complexo? Será
que são cientistas isolados do mundo e que enlouqueceram? Que tipo de
experiências biológicas fazem ali?
Por isso, The Signal é
daqueles filmes difíceis de serem resenhados pelo risco de se cometer um
gigantesco spoiler: só nos minutos
finais é que o espectador terá a reposta de todas as questões acima. Mas só a
presença de Laurence Fishburne (o ator que fez o emblemático Morpheus na
trilogia gnóstica Matrix) como o Dr. Damon nos desperta a suspeita de que há um sabor
gnóstico na narrativa.
De fato, o Dr. Damon é uma
espécie de reencarnação do personagem Morpheus, porém sem as pílulas azul e vermelha
que ofereciam uma possibilidade de escolha ao herói Neo. Ao contrário, em The Signal a nova encarnação de Morpheus
empurrará a Verdade goela abaixo dos protagonistas, sem oportunidade de
livre-arbítrio.
Todos os elementos do filme
gnóstico estão presentes em The Signal:
a perda da memória (eles não sabem como pararam ali), a paranoia, um sistema
opressor de origem desconhecida, a suspeita de que a realidade é uma mera
aparência (delírio, sonho ou algo cenograficamente montado) e, finalmente, a
gnose.
Ouvir a voz interior
Para o diretor Eubank o
título “The Signal” (“O Sinal”) tem um duplo sentido: é tanto o sinal enviado
pelo hacker Nomad para que fosse achado como também a necessidade de “o ser
humano ouvir a sua voz interior” que, nos minutos finais do filme, será
determinante para o desfecho.
Assim como no gnosticismo
onde a gnose está relacionada com a capacidade de resgatarmos a fagulha de luz
dentro de nós que nos conecta coma Plenitude, em The Signal o resgate da memória do amor de Nick por Haley fará
literalmente acender o fogo interior do protagonista que, segundo o diretor em entrevistas, “lhe
permitirá sair da caverna alegórica das trevas e ir para fora, para o amplo
campo da realidade” (EUBANK,
William (June 13, 2014). Interview: William Eubank, Director and
Cowriter of ‘The Signal’. Interview with Samantha Wilson. Screen Picks.
Como afirmamos acima, The
Signal se insere nas típicas narrativas dos filmes AstroGnósticos: para
representar o estranhamento humano em relação ao cosmos em que vive, é
apresentada a possibilidade de o ser humano ser a resultante de alguma
experiência alienígena. O homem poderia ser um ser híbrido, um mix de DNA
humano e extraterrestre.
A Caverna digital de Platão
Dessa forma, o conjunto de
filmes AstroGnósticos trazem para o gênero ficção científica essa mitologia do
Gnosticismo sobre o hibridismo espiritual da humanidade: fisicamente criada por
um deus demiurgo para se manter prisioneira no interior do seu cosmos, porém
mantendo dentro de si uma fagulha de luz que secretamente reivindica se
conectar com uma Plenitude (o chamado “Pleroma” dos antigos evangelhos
apócrifos como os de Nag Hammadi – sobre isso clique
aqui).
Ao longo do filme,
percebemos diversas citações e alusões a diversos filmes como A Bruxa de Blair (nos estilo do
enquadramento dos planos, principalmente na sequência da descoberta da casa do
hacker Nomad), ET – O Extraterrestre
(pela suspeita de um contato entre aliens e seres humanos), Cidade das Sombras (seria aquele mundo
onde os protagonistas estão prisioneiros um grande laboratório onde aliens
estudam a alma humana?) e Matrix (na
possibilidade de todo o filme ser uma alegoria digital da caverna de Platão),
reforçada pela presença de Laurence Fishburne interpretando um personagem que,
como Morpheus, parece fazer o papel do Avatar, isto é, aquele que fará a
transição entre a ilusão e a Verdade para o protagonista.
O mais interessante em
filmes independentes como The Signal
é a sua capacidade em fundir elementos da atualidade com uma temática
AstroGnóstica – conectar a atual onda de paranoia e suspeita em relação às
tecnologias computacionais (vigilância e espionagem de hackers a serviço de
governos e agências de inteligência) com a suspeita de vivermos numa gigantesca
caverna digital onde a única saída seria buscar dentro de nós aquilo que nos
torna excepcionalmente humanos: a luz espiritual.
Ficha Técnica |
Título: The
Signal
|
Diretor: William Eubank
|
Roteiro:
William Eubank, Carlyle
Eubank
|
Produção: Automatik Entertainment, Low Spark Films
|
Distribuição:
Focus Features
|
Ano:
2014
|
País: EUA
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