quinta-feira, setembro 04, 2014

Curso discute o afeto no consumo e no marketing político

Através da linguagem das mercadorias a grande mídia e a sociedade de consumo conseguem produzir efeitos ideológicos através de meios não ideológicos: a captura dos nossos afetos, uma dimensão pré-cognitiva e corporal que é cooptada por uma cadeia semiótica para produzir emoções e decisões de consumo e políticas. Esse foi o tema de mais um encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias”, ministrado por esse humilde blogueiro, na pós em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi. Afastando a confusão que normalmente fazemos entre as noções de afeto, sentimento e emoção, as discussões revelaram a ainda pouca estudada dimensão dos fenômenos da percepção: como o mundo e principalmente as mídias nos afetam não só mentalmente mas, principalmente, fisicamente e como essas sensações podem ser instrumentalizadas.

Dando continuidade ao curso “A Linguagem das Mercadorias” na pós em Comunicação em Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi, nesse segunda-feira aprofundamos a noção de “signo-afeto” – na aula anterior discutimos o conceito de “signo-fetiche” presente tanto em Marx como em Freud e as suas aplicações na sociedade de consumo contemporânea – sobre esse tema clique aqui.

O principal objeto das discussões foi apresentar como as estratégias semióticas da linguagem das mercadorias consegue capturar nossos afetos para direciona-los através de construções simbólicas que suscitem emoções e pensamentos previamente indexados nas imagens publicitárias.

Afastando a confusão que normalmente fazemos entre as noções de afeto e emoção, tomamos o conceito de afeto como afecção, isto é, a materialidade da sensação, a concreticidade da experiência – nosso percepção e o corpo são constantemente afetados por sensações e intensidades como cores, sons, cheiros, texturas, tonalidades, timbres etc., que nos sinalizam para a existência de alguma coisa, evento ou realidade e que, posteriormente, os simbolizamos em emoções ou pensamentos – a chamada “cadeia semiótica” ou cognição.

Em outras palavras, as afecções antecedem a cognição. É a realidade em seu estado mais puro, extra-linguístico, anterior ao pensamento e às próprias emoções, que são culturalmente construídas a posteriori.

Fenomenologia dos afetos


Fenomenologia da percepção: formas básicas
da sintaxe visual à serviço de produtos e marcas
  Embora influenciado pelo pensamento do filósofo alemão Kant (uma filosofia centrada em um sujeito que deduz a experiência por meio de categorias transcendentais) vimos como a semiótica de Peirce abre espaço para uma fenomenologia da percepção por meio da ideia de “Primeiridade” – a percepção das qualidades do mundo: antes de olhar para essa parede e dizer que ela é uma “parede verde” o que me afeta é a qualidade do verde, sua “verdidade”. Depois de sermos afetados por essa qualidade, então iremos inserir essa intensidade na cadeia semiótica de emoções (agradável/desagradável, apaixonante/monótono etc.) e do pensamento (estética, design etc.) da chamada “segundidade” e “terceiridade”.

Essa discussão aberta pela fenomenologia peirciana abre a possibilidade de apreendermos e estudar uma dimensão pré-sígnica que embora não seja ideológica (essa dimensão seria a própria “carne do mundo”, como dizia o filósofo Merleau-Ponty) ela poderia ser instrumentalizada para finalidades ideológicas ou simbólicas como a própria linguagem das mercadorias.

Passamos então a concentrar as discussões da aula nas formas como a comunicação visual da linguagem das mercadorias aprisionam essas afecções no sentido de direcioná-las para situações emocionais ideais para o consumo simbólico de produtos e marcas.

Usando o referencial da semiótica peirciana passamos a estudar as chamadas dominantes na comunicação visual: elementos básicos da sintaxe visual (ponto, linha, forma, movimento, cor, tonalidade, dimensão, textura e escala) usados para criar “fluxos sinestésicos” (como dizia o cineasta Eisenstein) que criem reações corporais que serão associadas a produtos e marcas.

O efeito físico dos afetos


Passamos então a fazer alguns estudos de casos envolvendo os packshots publicitários (a apresentação do produto no filme de tal forma que fiquem detalhados em alta intensidade cor, textura etc., para produzir efeitos sinestésicos) e na exploração dominantes de forma dos layouts e seus efeitos psicanalíticos – sobre essa relação entre a exploração das formas geométricas básicas e o psiquismo humano clique aqui.

Fluxos sisnestésicos produzem afetos corporais
          Na linguagem das mercadorias, os fluxos sinestésicos são despertados por texturas, superfícies, frescor produzidos por cores, atmosferas (efeitos de contraluz para demonstrar sedosidade de pelos de animais ou fios de cabelos, por exemplo), texturas, umidade (gotículas de uma garrafa de cerveja suando), crocância, cremosidade, entre outra infinidade de dominantes feitas para afetar não a nossa mente de imediato, mas para suscitar efeitos corporais.

Esse efeito físico é o que podemos chamar de “sinalização” onde, através do afeto, somos chamados e seduzidos pela intensidade e repercussão corporal sinestésica que nos provoca – comer com os olhos, tocar o corpo ou a superfície lisa e brilhante de um carro com os olhos.

Em seguida essa afecção se transformará em “informação”: através da retórica publicitária do discurso ou na montagem fílmica – justaposições, metáfora, analogias etc., essa afecção pré-linguística será direcionada para a cadeia semiótica produzindo a emoção do consumo: essa garrafa suando de gelada que lhe deu sede através dos olhos é Brahma. Entramos aqui no campo propriamente ideológico ou simbólico onde a intensidade das afecções que nos capturou são “capturadas” por um nome, uma marca, um produto ou um símbolo político ou religioso. É a própria origem da construção do signo e da “realidade” como nós a conhecemos mentalmente.

Storytelling: histórias nos afetam mais
que discursos
Vimos também, como a Publicidade atual vai mais além, ao incorporar os processos de sinalização e informação na própria Comunicação ao construir o discurso mais abstrato de estilo de vida e valores: a garrafa estupidamente gelada que sinestesicamente lhe afetou não é apenas uma Brahma. Quando você consumi-la será um “Brahmeiro” com determinados valores e hábitos. Temos nessa esfera da Comunicação, não apenas a gênese do signo mas da própria construção de ideologias.

Marina Silva: Storytelling no marketing político


Também discutimos como esse processo do signo-afeto também repercute no marketing político, como no atual cenário com a entrada em cena da candidata Marina Silva. Analisamos a construção da sua imagem por meio daquela estratégia semiótica que vem sendo chamada de Storytelling.

É sabido que as narrativas ou só o ato de contar histórias tem uma grande capacidade de nos afetar – nos imaginamos nas histórias e o nosso próprio corpo reage a isso. O próprio neuromarketing descobriu em mapeamentos neuronais sobre os efeitos nos consumidores diante de peças publicitárias, que as narrativas, histórias ou descrições estimulam não apenas as partes cognitivas do cérebro, mas inclusive aquelas relacionadas às afecções.

Ao contrário dos outros candidatos como Aécio e Dilma (promovidos classicamente como “produtos” que apelam para a cognição e emoção), o marketing de Marina, ao promove-la como personagem de uma história que começa do coração da Amazônia e que termina na predestinação à presidência ao escapar de um desastre aéreo, atinge à dimensão da afecção dos eleitores – sobre essa exploração do Storytelling na política clique aqui.

No próximo encontro (08/09) continuaremos essa discussão do signo-afeto na linguagem das mercadorias analisando como as afecções são semioticamente capturadas e convertidas em emoções como viciosidade, compulsão, o sexo e o erotismo por meio de ferramentas psicanalíticas aplicadas ao consumo.

Os encontros do curso “A Linguagem das Mercadorias” ocorrem todas as segundas-feiras na sala 752 – Unidade 7 do campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo – Rua Casa do Ator, 275. O curso vai até o dia 22/09.


Para maiores informações sobre a pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi clique aqui.

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