domingo, agosto 03, 2014

O Templo de Salomão da Igreja Universal e a arquitetura da destruição

O que há em comum entre Las Vegas e Disneylândia com a recém-inaugurada réplica do Templo de Salomão construída pela Igreja Universal? Las Vegas é a cidade que irradia hiper-realismo kitsch para todo o planeta com suas réplicas da Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da Antiguidade. Ao lado da Disneylândia, foi o primeiro parque temático da História, complexas cenografias de neons, gesso, concreto e metal que, assim como o Templo da Igreja Universal, exploram a fé nas entidades “espirituais” – Deus, jogo, sorte e animações digitais. E assim como shoppings e prédios corporativos espelhados, o Templo é mais um “bunker” em uma cidade que não se integra. Mais um exemplo de arquitetura da destruição, dessa vez a serviço da teologia da prosperidade cuja igreja esconde a mesma natureza dos cassinos: a banca sempre ganha.

Nessa semana foi inaugurado em São Paulo o suntuoso novo prédio da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma réplica do que teria sido o Templo de Salomão como descrito na Bíblia. Os detalhes que envolveram a construção do complexo de 74 mil m2 de área construída são faraônicos: todo o piso do templo e o altar são revestidos com pedras trazidas de Israel. O altar traz a Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o local em que Salomão construiu para guardar os Dez Mandamentos no primeiro Templo, em torno do século 11 a.C, em Jerusalém. Foram ainda trazidos do Uruguai doze oliveiras para reproduzir o Monte das Oliveiras, local sagrado onde Jesus teria transmitido alguns dos seus ensinamentos.

O templo supera em quatro vezes o tamanho do espaço construído do Santuário Nacional de Aparecida (SP), além da grandiosidade dos altos custos de R$ 685 milhões.

Como era de se esperar, a mídia partiu para cima lembrando a célebre frase de Balzac: atrás de uma grande fortuna há um crime. Desde 2010 sob investigação pelo Ministério Público, fala-se em alvarás irregulares, desrespeito à lei de zoneamento, falta de contrapartidas de trânsito exigidas pela CET, irregularidades na importação de matérias usados na construção etc.


Templo de Salomão: parque temático religioso?
Mas até aqui está se passando batido por uma questão básica: como assim, uma luxuosa réplica do Templo de Salomão no meio do bairro industrial e de comércio popular do Brás? Em meio a velhos prédios industriais, cortiços onde vivem bolivianos e peruanos explorados pelas oficinas de confecção do bairro, ergue-se um complexo que ocupa um quarteirão inteiro que ainda conta com heliponto para o alto staff da IURD. O que esse violento contraste representa?

A retórica promocional da “obra jamais vista na atualidade”, como regozija o jornal da IURD Folha Universal, como não poderia deixar de ser é teológica: dar a oportunidade aos fiéis de pisar no chão que testemunhou os eventos bíblicos. Porém, as raízes da inspiração dessa réplica do Templo são bem mais terrenas e estão bem aqui, no presente.

Ironias e sincronismos


Não há como deixar de associar as imagens da entrada do templo com muitos detalhes dourados e a suntuosidade kitsch guardada por seguranças de ternos pretos e óculos escuros com a imagerie de Las Vegas. Aqui iniciam as grandes ironias e sincronismos.

Da réplica da esfinge de Gizé em Las Vegas
ao Templo de Salomão em São Paulo
Ponto inaugural do pós-modernismo, Las Vegas é a cidade que irradia hiper-realismo para todo o planeta com suas réplicas da Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da antiguidade. Ao lado da Disneylândia, foi o primeiro parque temático da História, complexas cenografias de neons, gesso e concreto que, assim como a IURD, exploram a fé nas entidades "espirituais" – Deus, jogo, sorte e animações digitais.

A noção de parque temático transformou-se em um paradigma cultural do pós-modernismo. Tudo pode se converter em cenografias, réplicas ou pequenos universos fechados em si mesmos onde turistas, crentes ou jogadores podem ser transferidos para mundos virtuais. Para o filósofo francês Jean Baudrillard a própria realidade estaria sendo “disneyficada”, isto é, cidades e paisagens se convertendo em réplicas de parques temáticos e filmes publicitários de TV. Pense em cidades como Campos do Jordão ou a cidade de Cancun no México: a primeira, onde fachadas e paisagismo fazem de tudo para se assemelhar aos cartões postais europeus e comerciais de TV de chocolate; e a segunda se esmera em se aproximar dos simulacros do México construídos por Hollywood.

A Teologia da Prosperidade


Mas por que essa seminal noção de parque temático foi irradiada dos EUA para todo o planeta? O que essas suntuosas réplicas kitschs da Torre Eiffel de Las Vegas ao Templo de Salomão em São Paulo querem nos dizer? Nesse ponto, turistas, crentes e jogadores estão unidos por um denominador comum ideológico que animam essas réplicas vazias: a teologia da prosperidade.

Las Vegas vende a fé no sonho americano da sorte da iniciativa
Dos shoppings ao Templo:
a estética "bunker"
individual, escondendo o fato de que a banca sempre ganha; turistas querem demonstrar a si mesmos e para os outros o sucesso pessoal em fotos ao lado das suntuosas réplicas (não por acaso vendiam nas imediações do Templo de Salomão camisetas do tipo “Eu estive lá” no dia da inauguração); e religiosos que acreditam nas bênçãos financeiras de Deus em templos dourados fakes.

O Kitsch e o pastiche: a arquitetura da destruição


O kitsch, fake e pastiche predominam na estética do novo riquismo da teologia da prosperidade do Templo de Salomão. É a estética dos novos tempos: pilares e pedras são cenográficos, sustentados na verdade por estruturas metálicas e de concreto; luz amarela para criar uma atmosfera de “rusticidade”; obreiros da igreja vestidos de “levitas” (termo do Velho Testamento, “descendentes de Levi”, um dos 12 filhos de Jacó) para recepcionar os visitantes; o batistério, colocado atrás da Arca da Aliança, com vitrais dourados no teto e no fundo para criar a sensação de que o batismo ocorre no interior da Arca; menorás (castiçal de sete braços) enormes estilizadas em dourado na entrada... e dourado, muito detalhes em dourado por todo lado, a verdadeira cor fetiche do novo riquismo.

Tudo no templo é efeito especial, ilusão, simulações, um verdadeiro trompe l’oeil com truques de perspectiva e ilusões de ótica. A essência dos parques temáticos que une a Las Vegas, a matriz de toda ideologia que pretende esconder que a banca sempre vence.

 E como acabamento o pastiche: ao lado da simulação da Arca da Aliança uma esteira rolante destinada a carregar o dízimo dos fiéis diretamente para uma sala-cofre!

Mas há outra ironia no Templo de Salomão, dessa vez arquitetônica e urbanística: sua suntuosidade é agressiva, tal como os bunkers em que se converteram os shopping centers e prédios corporativos cercados por fachadas espelhadas. Eles não se integram organicamente com a paisagem urbana, mas se convertem em microuniversos fechados em si mesmos, protegidos por escudos do meio ambiente hostil.
O kitsch e o pastiche do novo riquismo

A cidade de São Paulo tem uma tradição nesse, por assim dizer, “ecletismo arquitetônico” onda nada se integra, tornando o cenário urbano ainda mais agressivo: dos “monstrumentos” como a estátua do Borba Gato aos bunkers dos shoppings e prédios espelhados, o Templo de Salomão que se assemelha a uma gigantesca caixa de pedra que de repente se ergue em meio de depósitos e cortiços é a confirmação dessa verdadeira arquitetura da destruição.

O ascetismo mundano da Igreja Universal


Mas até aqui ainda estamos fazendo um exercício de análise puramente estético e arquitetônico. O Templo de Salomão representa algo mais profundo e preocupante que se conecta com a arquitetura da destruição: o “ascetismo mundano” da teologia da prosperidade.

O sociólogo alemão Max Weber viu na ética protestante uma espécie de ascetismo mundano, bem diferente da ética católica: enquanto no monge o impulso da fé é voltado para o interior, ao contrário, na ética protestante há um componente mundano ou externo no ascetismo pela necessidade de demonstrar não somente a Deus, mas aos outros a sua renúncia e sacrifício, provando a todos ser um merecedor das graças divinas.

Mas essa ética protestante se hipertrofiou no pentecostalismo com a teologia da prosperidade: não basta apenas deixar obras na Terra para ser merecedor das bênçãos divinas. É necessário criar uma imagem de sucesso e prosperidade. Deus precisa se certificar que você acredita Nele. Por isso, nessa espécie de marketing pessoal divino o crente deve se demonstrar positivo, assertivo e seu sucesso deve ser realçado e divulgado.

Talvez daí compreendamos o porquê do pentecostalismo ser tão apegado às imagens e histórias do Velho Testamento do que aos ensinamentos de compaixão, perdão e amor ao próximo do Novo Testamento: a teologia da prosperidade é severa com o indivíduo que deve vencer a todo custo. É uma teologia intolerante com os perdedores, assim como o Deus do Velho Testamento era com os pecadores.

A suntuosidade kitsch do Templo de Salomão é autorreferencial: quer demonstrar não apenas a Deus, mas principalmente aos seus próprios fiéis que a IURD é próspera e vitoriosa, e principalmente que cada um dos visitantes poderá ter um quinhão do seu sucesso.

Assim como os jogadores que adentram em um cassino de Las Vegas, crentes na sorte de agarrar uma fração da riqueza de toda aquela suntuosidade de réplicas em neons. O problema é que a banca sempre ganha.

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