O que há em comum entre Las Vegas e Disneylândia com a recém-inaugurada réplica do Templo de Salomão construída pela Igreja Universal? Las
Vegas é a cidade que irradia hiper-realismo kitsch para todo o planeta com suas
réplicas da Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da Antiguidade. Ao
lado da Disneylândia, foi o primeiro parque temático da História, complexas
cenografias de neons, gesso, concreto e metal que, assim como o Templo da
Igreja Universal, exploram a fé nas entidades “espirituais” – Deus, jogo, sorte
e animações digitais. E assim como shoppings e prédios corporativos espelhados,
o Templo é mais um “bunker” em uma cidade que não se integra. Mais um exemplo
de arquitetura da destruição, dessa vez a serviço da teologia da prosperidade
cuja igreja esconde a mesma natureza dos cassinos: a banca sempre ganha.
Nessa semana foi inaugurado em São Paulo o suntuoso
novo prédio da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma réplica do que
teria sido o Templo de Salomão como descrito na Bíblia. Os detalhes que
envolveram a construção do complexo de 74 mil m2 de área construída
são faraônicos: todo
o piso do templo e o altar são revestidos com pedras trazidas de Israel. O
altar traz a Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o local em que Salomão construiu
para guardar os Dez Mandamentos no primeiro Templo, em torno do século 11 a.C,
em Jerusalém. Foram ainda trazidos do Uruguai doze oliveiras para reproduzir o
Monte das Oliveiras, local sagrado onde Jesus teria transmitido alguns dos seus
ensinamentos.
O templo supera em quatro vezes o tamanho do espaço
construído do Santuário Nacional de Aparecida (SP), além da grandiosidade dos
altos custos de R$ 685 milhões.
Como era de se esperar, a mídia partiu para cima
lembrando a célebre frase de Balzac: atrás de uma grande fortuna há um crime.
Desde 2010 sob investigação pelo Ministério Público, fala-se em alvarás
irregulares, desrespeito à lei de zoneamento, falta de contrapartidas de
trânsito exigidas pela CET, irregularidades na importação de matérias usados na
construção etc.
Templo de Salomão: parque temático religioso? |
Mas até aqui está se passando batido por uma questão
básica: como assim, uma luxuosa réplica do Templo de Salomão no meio do bairro
industrial e de comércio popular do Brás? Em meio a velhos prédios industriais,
cortiços onde vivem bolivianos e peruanos explorados pelas oficinas de
confecção do bairro, ergue-se um complexo que ocupa um quarteirão inteiro que
ainda conta com heliponto para o alto staff
da IURD. O que esse violento contraste representa?
A retórica promocional da “obra jamais vista na
atualidade”, como regozija o jornal da IURD Folha
Universal, como não poderia deixar de ser é teológica: dar a oportunidade
aos fiéis de pisar no chão que testemunhou os eventos bíblicos. Porém, as
raízes da inspiração dessa réplica do Templo são bem mais terrenas e estão bem aqui,
no presente.
Ironias e sincronismos
Não há como deixar de associar as imagens da entrada
do templo com muitos detalhes dourados e a suntuosidade kitsch guardada por
seguranças de ternos pretos e óculos escuros com a imagerie de Las Vegas. Aqui
iniciam as grandes ironias e sincronismos.
Da réplica da esfinge de Gizé em Las Vegas ao Templo de Salomão em São Paulo |
Ponto inaugural do pós-modernismo, Las Vegas é a
cidade que irradia hiper-realismo para todo o planeta com suas réplicas da
Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da antiguidade. Ao lado da
Disneylândia, foi o primeiro parque temático da História, complexas cenografias
de neons, gesso e concreto que, assim como a IURD, exploram a fé nas entidades "espirituais" – Deus, jogo, sorte e animações digitais.
A noção de parque temático transformou-se em um
paradigma cultural do pós-modernismo. Tudo pode se converter em cenografias,
réplicas ou pequenos universos fechados em si mesmos onde turistas, crentes ou
jogadores podem ser transferidos para mundos virtuais. Para o filósofo francês
Jean Baudrillard a própria realidade estaria sendo “disneyficada”, isto é,
cidades e paisagens se convertendo em réplicas de parques temáticos e filmes
publicitários de TV. Pense em cidades como Campos do Jordão ou a cidade de
Cancun no México: a primeira, onde fachadas e paisagismo fazem de tudo para se
assemelhar aos cartões postais europeus e comerciais de TV de chocolate; e a
segunda se esmera em se aproximar dos simulacros do México construídos por
Hollywood.
A Teologia da Prosperidade
Mas por que essa seminal noção de parque temático
foi irradiada dos EUA para todo o planeta? O que essas suntuosas réplicas kitschs
da Torre Eiffel de Las Vegas ao Templo de Salomão em São Paulo querem nos
dizer? Nesse ponto, turistas, crentes e jogadores estão unidos por um
denominador comum ideológico que animam essas réplicas vazias: a teologia da
prosperidade.
Las Vegas vende a fé no sonho americano da sorte da
iniciativa
individual, escondendo o fato de que a banca sempre ganha; turistas
querem demonstrar a si mesmos e para os outros o sucesso pessoal em fotos ao
lado das suntuosas réplicas (não por acaso vendiam nas imediações do Templo de
Salomão camisetas do tipo “Eu estive lá” no dia da inauguração); e religiosos
que acreditam nas bênçãos financeiras de Deus em templos dourados fakes.
Dos shoppings ao Templo: a estética "bunker" |
O Kitsch e o pastiche: a arquitetura da destruição
O kitsch, fake e pastiche predominam na estética do
novo riquismo da teologia da prosperidade do Templo de Salomão. É a estética
dos novos tempos: pilares e pedras são cenográficos, sustentados na verdade por
estruturas metálicas e de concreto; luz amarela para criar uma atmosfera de “rusticidade”;
obreiros da igreja vestidos de “levitas” (termo do Velho Testamento, “descendentes
de Levi”, um dos 12 filhos de Jacó) para recepcionar os visitantes; o
batistério, colocado atrás da Arca da Aliança, com vitrais dourados no teto e
no fundo para criar a sensação de que o batismo ocorre no interior da Arca;
menorás (castiçal de sete braços) enormes estilizadas em dourado na entrada...
e dourado, muito detalhes em dourado por todo lado, a verdadeira cor fetiche do
novo riquismo.
Tudo no templo é efeito especial, ilusão, simulações,
um verdadeiro trompe l’oeil com truques de perspectiva e ilusões de ótica. A
essência dos parques temáticos que une a Las Vegas, a matriz de toda ideologia
que pretende esconder que a banca sempre vence.
E como
acabamento o pastiche: ao lado da simulação da Arca da Aliança uma esteira
rolante destinada a carregar o dízimo dos fiéis diretamente para uma
sala-cofre!
Mas há outra ironia no Templo de Salomão, dessa vez
arquitetônica e urbanística: sua suntuosidade é agressiva, tal como os bunkers em que se converteram os
shopping centers e prédios corporativos cercados por fachadas espelhadas. Eles
não se integram organicamente com a paisagem urbana, mas se convertem em microuniversos
fechados em si mesmos, protegidos por escudos do meio ambiente hostil.
O kitsch e o pastiche do novo riquismo |
A cidade de São Paulo tem uma tradição nesse, por
assim dizer, “ecletismo arquitetônico” onda nada se integra, tornando o cenário
urbano ainda mais agressivo: dos “monstrumentos” como a estátua do Borba Gato
aos bunkers dos shoppings e prédios
espelhados, o Templo de Salomão que se assemelha a uma gigantesca caixa de
pedra que de repente se ergue em meio de depósitos e cortiços é a confirmação
dessa verdadeira arquitetura da destruição.
O ascetismo mundano da Igreja Universal
Mas até aqui ainda estamos fazendo um exercício de
análise puramente estético e arquitetônico. O Templo de Salomão representa algo
mais profundo e preocupante que se conecta com a arquitetura da destruição: o “ascetismo
mundano” da teologia da prosperidade.
O sociólogo alemão Max Weber viu na ética protestante uma espécie de
ascetismo mundano, bem diferente da ética católica: enquanto no monge o impulso
da fé é voltado para o interior, ao
contrário, na ética protestante há um componente mundano ou externo no
ascetismo pela necessidade de demonstrar não somente a Deus, mas aos outros a
sua renúncia e sacrifício, provando a todos ser um merecedor das graças divinas.
Mas essa ética protestante se hipertrofiou no
pentecostalismo com a teologia da prosperidade: não basta apenas deixar obras
na Terra para ser merecedor das bênçãos divinas. É necessário criar uma imagem
de sucesso e prosperidade. Deus precisa se certificar que você acredita Nele.
Por isso, nessa espécie de marketing pessoal divino o crente deve se demonstrar
positivo, assertivo e seu sucesso deve ser realçado e divulgado.
Talvez daí compreendamos o porquê do pentecostalismo
ser tão apegado às imagens e histórias do Velho Testamento do que aos
ensinamentos de compaixão, perdão e amor ao próximo do Novo Testamento: a
teologia da prosperidade é severa com o indivíduo que deve vencer a todo custo.
É uma teologia intolerante com os perdedores, assim como o Deus do Velho
Testamento era com os pecadores.
A suntuosidade kitsch do Templo de Salomão é autorreferencial:
quer demonstrar não apenas a Deus, mas principalmente aos seus próprios fiéis
que a IURD é próspera e vitoriosa, e principalmente que cada um dos visitantes
poderá ter um quinhão do seu sucesso.
Assim como os jogadores que adentram em um cassino de
Las Vegas, crentes na sorte de agarrar uma fração da riqueza de toda aquela
suntuosidade de réplicas em neons. O problema é que a banca sempre ganha.
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