Quase 20 anos depois, o diretor inglês Terry
Gilliam está de volta ao gênero ficção-científica, mas as suas preocupações
filosóficas continuam as mesmas. Misturando distopia e religião, Gilliam em “O
Teorema Zero” (2013) pretende discutir qual o sentido da vida, já que a ciência
nos informa que todo o Universo um dia acabará em uma singularidade no interior
de um buraco negro. No interior de uma igreja abandonada o protagonista espera uma
ligação telefônica que lhe traga a resposta, mas o diretor parece pouco
preocupado com isso: ele abraça alegremente a ausência de sentido (a chamada "via negativa" da Filosofia), lembrando a
máxima do personagem Tyler Durden em “O Clube da Luta”: “Depois que perdermos
tudo, então estaremos livres”. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Diretor: Terry Gilliam
Plot: Qohen Leth (Christoph Waltz) é um gênio da
computação excêntrico e recluso que vive em um mundo corporativo orwelliano e
sofre de angústia existencial. Ele espera por um telefonema que lhe explique o
significado da vida. Sob a orientação de uma figura sombria conhecida apenas
como "Gestor", Qohen trabalha para resolver o chamado "Teorema
Zero" (0 = 100), uma fórmula matemática derivada da teoria do “Big
Crunch”: o destino do universo seria um buraco negro onde tudo terminaria em
uma singularidade, mostrando que a vida não tem nenhum propósito. O trabalho de
Qohen em uma capela abandonada, que lhe serve como casa, é interrompido por
visitas de Bainsley, uma mulher sedutora, e Bob, o filho adolescente do
“Gestor”.
Por
que está “Em Observação”?: A
volta do diretor aos longas-metragens desde o filme Doutor Parnassus (2009). Mundos distópicos retros cenograficamente
construídos a partir de pedaços de todas as épocas vividas pela civilização é
uma especialidade do diretor Terry Gilliam, ex-componente do grupo inglês de
humor Monty Phyton.
A primeira imagem do filme, um homem nu sentado em
uma estação de trabalho retro-futurista no interior de uma igreja abandonada,
nos aponta que estamos de volta ao universo onírico de Terry Gilliam, evocando
filmes anteriores como Brazil, O Filme
(1985) e Os 12 Macacos (1996). É um filme sobre o medo da morte, da
finitude, da fragilidade humana diante do destino e a necessidade humana de
justificar sua própria existência. Quase todas as discussões no filme (passadas
quase integralmente no cenário da igreja abandonada) giram em torno desses
temas, transformando o filme na obra mais coerente de Gilliam. Talvez a visão
pessoal de um autor que, aos 72 anos, enfrenta a consciência da proximidade da
morte.
Mas não é tanto um filme sobre a busca de um
sentido. A visão fascinante de Gilliam é que ele abraça a falta de sentido do
mundo. Já no filme O Sentido da Vida
(1983) com o grupo Monty Phyton, o tema era visto de forma despretensiosa sob
um título que prometia fazer uma grande revelação para a humanidade. Qual o
sentido da vida? “Não é nada de especial. Tentem ser bons, evitem comer
gordura, leiam um bom livro e caminhem regularmente”, revelava cinicamente o
filme depois de uma hora e meia de skacthes
ironizando filosofias e religiões que tentam dar uma solução definitiva à
questão.
Como já discutíamos em postagem anterior, como o
humor do grupo inglês flertava com o espírito gnóstico de desmistificação do
mundo, mostrando de forma engraçada como nossa existência parece ser baseada em
mentiras e ilusões – sobre isso clique
aqui.
O que interessa para esse blog nessa discussão de
Terry Gilliam é que o diretor coloca a discussão sobre o sentido da vida no
campo daquilo que a filosofia chama de “via negativa”: afirmar a existência a
partir da sua própria negação, a chamada “dialética negativa”. Por exemplo,
para o filósofo Theodor Adorno a questão
do "sentido da vida" seria um falso problema já contaminado pela
própria natureza do mundo que pretende questionar. A pergunta obteria uma
"falsa resposta": este impulso religioso vulgar que pretenderia
transcender a miséria reinante somente reproduziria a própria totalidade que
pretende superar – produzir uma nova totalidade que nos aprisione em um novo
sentido totalitário. Portanto, através da via negativa, afirmamos o sentido da
vida através da sua própria negação – sobre a “dialética negativa” de Adorno clique
aqui.
Terry Gilliam sempre fez um elogio ao niilismo. Para
ele niilismo não significa acreditar em nada. Em todos os seus filmes os
protagonistas estão em mundos cujas filosofias, religiões e doutrinas caem aos
pedaços, representados pelos seus cenários retro-futuristas, verdadeiros
pastiches de tudo aquilo que o homem acreditou no passado e já não mais
funcionam. Críticos culturais chamam isso de pós-modernismo. Terry Gilliam
chama de esperança, lembrando a máxima de Tyler Durden no filme O Clube da Luta (1999): “Depois de
perdemos tudo é que estaremos livres” – quanto mais nos tornamos niilistas,
mais encontramos sentido na existência: a nossa própria liberdade – sobre a
nossa postagem sobre o filme clique
aqui.
O
que esperar? – “revela uma sociedade com
cores vibrantes, joysticks e tecnologia interativa que aprisionam
o individuo por constituir um fim em si mesmo. A fim de elucidar a sua tese,
Terry Gilliam preocupa-se, por exemplo, em filmar uma festa onde, apesar da
música ambiente, as pessoas usam fones de ouvidos e usam seus tablets como
parceiros de dança. Câmeras Gopro atuam como instrumentos de vigilância (uma
delas inclusive colocada no lugar da cabeça de uma imagem de Jesus
crucificado), as propagandas literalmente perseguem os transeuntes nas ruas, as
caixas de pizza cantam ao serem abertas e a Igreja do Batman, o redentor
completam o universo de crítica social disfarçada de deboche revisitada de
trabalhos anteriores, como Brazil, o filme” (Cinemascope).