domingo, março 02, 2014

Em Observação: Oscar 2014 - "É a economia, estúpido!"

Ao contrário de 2013, esse ano há poucos filmes entre os indicados ao Oscar que abordam temas mitológicos, místicos ou religiosos. Se no ano passado tivemos “Django Livre”, “As Aventuras de Pi”, “O Mestre” entre outros, no Oscar 2014 temos apenas o filme “Gravidade”, “Ela” e a animação japonesa “Vidas ao Vento” de Hayao Miyazaki (“A Viagem de Chihiro”, 2001). Por que essa mudança conceitual entre os filmes indicados ao prêmio máximo da indústria do cinema? Será que a expressão “É a economia, estúpido!” sintetizaria essa guinada de Hollywood para esse ano?

Comparado com a premiação do Oscar do ano passado, a presença de filmes indicados com temas mitológicos, religiosos, místicos e esotéricos é sensivelmente menor. Em 2013 tínhamos filmes como Django Livre (o encontro do spaghetti-western de Tarantino com temas bíblicos e vingança), Indomável Sonhadora (a jornada do herói de uma menina lutando contra a ameaça do caos e das águas), O Mestre (a história da espiritualidade contemporânea através da ascensão de uma seita chamada Cientologia) e ainda As Aventuras de Pi (onde os relatos de diversas religiões nada mais são do que signos diante de um cosmos hostil e violento que cria no protagonista uma nova experiência do sagrado).


Ao contrário, nesse Oscar 2014 temos apenas Gravidade, cujo filme possui um poderoso núcleo místico-religioso envolvendo morte e renascimento simbolicamente associado à lei da gravidade (para ler sobre o filme clique aqui) e a animação japonesa The Wind Rises (Vidas ao Vento) do conhecido animador Hayao Miyazaki (A Viagem de Chihiro, Oscar de melhor animação em 2003).

Vidas Ao Vento


Em Vidas ao Vento, Miyazakai faz uma abordagem indireta dos temas fantásticos e mitológicos usados em filmes anteriores: acompanha a trajetória de Jiro Horikoshi, o designer de uma das máquinas mais mortíferas da Segunda Guerra Mundial, o avião de combate japonês Mitsubishi A6M Zero. O fascínio por aviões (e todo o significado espiritual que reveste esse aparelho) e o sonho de criar algo belo corrompido pela arma de guerra e a máquina militar do imperialismo japonês.


Tal como nas animações passadas que exploram a natureza sombria da humanidade, em Vidas ao Vento a exploração é litoral: o desperdício de talento e sonhos de um fabricante de armas.

Ela


Outro filme já “Em Observação” pelo blog é o filme Ela, indicado ao prêmio de Melhor Filme, do diretor Spike Jonze. Nesse filme, o diretor parece retornar ao tema do filme Quero Ser John Malkovich (1999), só que de uma outra forma: se no filme de 1999 o protagonista (um titereiro fracassado) tenta conquistar seu amor e ser alguém na vida através de um avatar representado pela mente do próprio ator John Malkovich, em Her um escritor deprimido acaba equipando seu computador com um sistema operacional que possui uma inteligência artificial que aprende e evolui baseado nas repostas que recebe, entonações de voz etc. Conectado a um fone de ouvido, o sistema chama-se Samantha que será um avatar aperfeiçoado pelas interações com o protagonista.

O filme levanta diversas questões tanto sobre o conceito de inteligência artificial como em relação à febre atual de aplicativos que parecem cada vez mais definir a identidade e os relacionamentos: será que os autores do programa Samantha de fato conseguiram criar realmente algo que associa inteligência e emotividade, ou somos nós que rebaixamos os nossos conceitos de inteligência, amor e emoção para que aceitemos essas máquinas e aplicativos que invadem nosso cotidiano? Ou será que os relacionamentos humanos são assim mesmo, onde idealizamos o outro segundo os nossos desejos e caprichos? No final as máquinas e softwares seriam apenas espelhos da nossa própria infantilidade?

Por isso, o filme Her aproxima-se das discussões sobre o que chamamos de “tecnognocticismo”, motivação mística que estaria por trás do desenvolvimento tecnológico atual marcado pela convergência das ciências computacionais, neurociências, Inteligência Artificial e psicologia cognitiva. Projeto místico-tecnológico de encontrar a transcendência espiritual através de um atalho tecnocientífico, fazendo o ser humano encontrar a imortalidade através da digitalização da consciência e inteligência humanas.

O Lobo de Wall Street


Outro filme que também está “Em Observação” pelo blog é O Lobo de Wall Street do diretor Martin Scorsese, também cotado ao Oscar de Melhor Filme. Por trás de um delírio de três horas em ritmo frenético com drogas, bebidas, mulheres luxo e todo tipo de fantasias (anões, carros e animais), está um tema que vai além da imoralidadeda vocação especulativa de Wall Street: como o poder do dinheiro é capaz de moldar a realidade. De certa forma, Scorsese retorna ao tema do filme Cassino (1995) onde no meio do deserto de Nevada, um gangster constrói em Las Vegas uma realidade de sonhos através de fichas de jogos.

Um ex-corretor da Bolsa faz fortuna nos anos 1990 explorando o fugaz mercado financeiro sem pudor, culpas ou remorso porque, no final, tudo é volátil e imaterial. “A única coisa real é a comissão do corretor”, diz a certa altura Leonardo DiCaprio. Em postagens anteriores o blog já tratou desse tema do fetichismo do dinheiro e a imaterialidade da realidade econômica ao analisar o documentário Trabalho Interno (2010) e o filme Margin Call – O Dia Antes do Fim (2011).

“É a economia, estúpido!”


Mas por que essa escassez de filmes que tratam de temas místicos e religiosos entre as indicações do Oscar 2014? Conhecendo o modus operandi da indústria hollywoodiana e os critérios político-ideológicos que regem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas podemos arriscar uma hipótese: como disse certa vez James Carville sobre a campanha bem sucedida de Bill Clinton: “É a economia, estúpido!”.

Michelle Obama em link ao vivo
no Oscar 2013: esse ano
não será necessário
No ano passado, em plena grave crise e recessão econômica nos EUA, os filmes indicados ao Oscar apresentavam duas vertentes: de um lado, a propaganda militar e política externa norte-americana representada nos filmes Argo e A Hora Mais Escura, inclusive com a participação com link ao vivo de Michelle Obama direto da Casa Branca anunciando o Oscar de Melhor Filme para Argo; e do outro filmes com temática mitológica e religiosa que privilegiavam a jornada do herói, a esperança e a redenção. Guerra e esperança, duas matérias-primas para a propaganda de governos totalitários em momentos difíceis.

Bem diferente desse ano, com a economia dos EUA dando sinais de recuperação: a propaganda bélico-militar sai de cena para permitir até que o filme Capitão Phillips aborde a desproporcionalidade entre a força dos corpulentos mariners norte-americanos e os franzinos piratas somalis.

Certamente, será ignorado o núcleo central mais crítico explorado por Scorsese em O Lobo de Wall Street (a irrealidade do próprio sistema econômico que produz o absurdo e delírio) para se fixar no moralismo da irresponsabilidade de corretores envolvido com drogas e sexo. Perdem-se os anéis, ficam-se os dedos: ponha no fogo os corretores de Bolsas para deixar a salvo o cassino global financeiro.


Os temas mais místicos e religiosos foram colocados de lado para privilegiar filmes sobre o tema “humano, demasiado humano” de Trapaça, Philomena, Nebraska e Clube de Compras de Dallas (golpes, AIDS, filhos perdidos e norte-americanos em busca da “verdadeira América”). Em épocas de recuperação econômica e de boas perspectivas materiais, nada como voltar ao cotidiano e esquecer-se das dimensões espirituais. E, como sempre, um filme “histórico” como 12 Anos de Escravidão (no ano passado foi Lincoln) para nos dizer que no passado tudo era muito pior...

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review