O novo vídeo publicitário da Brahma
alusivo à Copa do Mundo no Brasil intitulado “Eu Sou O Futebol” surge no
momento de pesada atmosfera política do “Não Vai Ter Copa” nesse início de ano.
Numa coincidência significativa, o vídeo toma emprestados clichês midiáticos da
cobertura das manifestações para compor o protagonista “Futebol” e a torcida
brasileira nas ruas: o “Futebol” como uma figura encapuzada, vestida de preto e
calçando coturno e a torcida representada através de uma composição visual
ambígua que em alguns planos de câmera parece se assemelhar a manifestantes. O
que significaria essa coincidência? Intertextualidade? Ressignificação de
signos negativos em imagens positivas tal como no vídeo do ano passado? Um ato
falho da criação publicitária? Ou mais uma deliberada “bomba semiótica” para
reforçar o pesado ambiente político?
Nosso
leitor Francisco Freire se diz intrigado com o novo comercial da Brahma intitulado
“Eu Sou O Futebol”, alusivo à Copa do Mundo no Brasil nesse ano. Ele suspeita
que haveria algo de muito errado nesse
filme: uma figura protagonista encapuzada, de coturno carregando uma mala preta
representando o futebol.
Instigado
por esse estranhamento demonstrado pelo nosso leitor, vamos analisar essa peça
publicitária e submetê-la uma análise semiótica: será que o comercial da Brahma
poderia ser mais uma bomba semiótica? E, o que seria surpreendente, dentro do
campo publicitário?!
O
filme, criado pela Agência Africa conta a narrativa histórica do personagem Futebol,
desde sua transformação, até a sua volta para casa. “O futebol está voltando
pra casa é mais que uma campanha, é um conceito que estará presente em todas as
ações de Brahma para 2014, dando continuidade à nossa mensagem de otimismo,
traduzida na assinatura ‘Imagina a Festa’. Vamos receber os melhores jogadores
aqui na nossa casa e queremos que desde já os brasileiros usem sua alegria para
tornar esse momento único para o país”, declara Bruno Cosentino, diretor de
marketing da Brahma.
"Imagina na Copa": estratégia de ressignificar uma mensagem negativa |
Olhando em retrospectiva os filmes publicitários da
Brahma, desde a copa de 1994, mostram que suas criações primam pelo trivial de
campanhas que associam cerveja com festas populares: o ufanismo, música axé, mulheres
sensuais e exóticas para o olhar estrangeiro, a dobradinha clichê
mulheres/cerveja, jogadores da seleção como artistas ou guerreiros (por
exemplo, o Brasil contra o “resto do mundo” na Copa de 2010) e a tirada
humorística do torcedor símbolo “tartaruga, né!” para a Copa do Japão em 2002.
Com
o crescimento do movimento anti Copa nas mídias e as grandes manifestações de
rua, a Brahma lançou no ano passado um vídeo publicitário que brincava com o
bordão “Imagina na Copa”. O vídeo pretendia “resgatar a alegria e o orgulho de
ser do país sede do mais importante evento global”.
Mas
no atual vídeo não encontramos a inequívoca leitura positiva ou otimista do
comercial do ano passado: ele é marcado por uma significação ambígua e
recorrência de clichês ícônicos que marcam fotograficamente a cobertura das
manifestações de rua.
Ambiguidade e dissociação áudio/imagem
O
primeiro traço de ambiguidade está no descompasso entre o áudio e as imagens. O
plano que abre o comercial é de uma figura encapuzada totalmente de preto, em
contra-luz diante da janela no interior de um quarto de hotel, enquanto vemos na
cama uma mala preta aberta com peças de roupas. Corta para o plano detalhe dos
coturnos figura de preto agora caminhando e segurando a mala também preta. A
composição visual dos planos iniciais remete à imagerie dos filmes de suspense e ação: franco-atiradores em quarto
de hotéis, espiões, James Bond etc.
Nos
planos seguintes imagens de festa, alegria, comemorações e, de repente, vemos
essa figura soturna como que se infiltrando no meio da multidão que vibra com o
futebol. Ninguém parece perceber a sua presença que passa pela multidão como um
fantasma. E no final, a figura encapuzada (sempre em contra-luz – com exceção
de um plano em que ela atravessa um campo de futebol à luz do dia) se detém na
saída de um túnel que dá acesso às arquibancadas de um estádio lotado e põe a
mala preta no chão. Se tomarmos em consideração a sequências dos planos sem o
áudio, estaremos diante de uma narrativa que contaria um thriller policial ou
de suspense.
Acima à esquerda: clichê de black bloc criado pela mídia; abaixo: cena do vídeo da Brahma. Ao lado: black blocs elogiados em uma revista de oposição |
O que reforça essa impressão visual é a mala
preta: ela não parece ser uma típica mala de viagem, mas lembra aquelas malas
de franco-atiradores de filmes que carregam armas desmontadas com miras
telescópicas.
Enquanto
isso, o discurso do áudio narra outra estória: a figura visual soturna é o
Futebol, de volta à sua pátria (o Brasil) onde o esporte se transformou em
arte. O texto fala em “minha casa”, “a maior festa de todos os tempos” etc. Talvez
a estranheza do nosso leitor Francisco Freire seja provocada por essa
dissociação entre a sequência dos planos e o áudio.
Mas
há também uma ambiguidade nos próprios planos de câmera, principalmente quando
a narrativa apresenta as imagens do protagonista “Futebol” chegando ao Brasil.
Das ruas ensolaradas onde vemos bandeiras brasileiras sendo desfraldadas em contra plongée (plano de câmera debaixo
para cima) tendo ao fundo o céu azul, de repente corta-se para imagens noturnas
de uma massa de torcedores (sempre em contra-luz) e atrás deles vemos fumaça e
o predomínio de uma intensa luminosidade amarelada e avermelhada que se sobrepõe
à verde e amarela que está isolada no canto à esquerda.
Ambiguidade:
típicas imagens de comemorações nas ruas mescladas com os clichês visuais da
cobertura jornalística das manifestações: incêndios e depredações. Vemos “vuvuzelas”,
mas, também, punhos fechados imergindo da massa de torcedores que de repente pode
ganhar uma conotação de manifestantes.
Recorrência de signos midiáticos
Acima: manifestantes em contra-luz na cobertura midiáticas das manifestações; abaixo: cena do vídeo da Brahma |
Outra
característica desse vídeo publicitário é a recorrência. Como já apontamos
brevemente acima, uma repetição de ícones que já se transformaram em
verdadeiros clichês fotográficos nas coberturas jornalísticas nas manifestações
desde junho.
Para
começar a figura encapuzada, trajando roupa totalmente negra e calçando
coturnos. Na grande mídia é o clichê do “vândalo-black-bloc-manifestante”. A
narração em of nos informa que aquela
figura é o próprio Futebol em pessoa, o que causa estranhamento diante de uma
figura tão soturna representar algo tão alegre – dissociação áudio e imagem.
Isso dá o que pensar: ressonâncias das manifestações anti-Copa em um filme
publicitário que pretende homenagear o evento máximo do futebol mundial?
Outro
clichê visual: o efeito dramático da composição fotográfica em contra-luz,
estilo retórico marcante em fotos e vídeos das coberturas das manifestações - o
protagonista e o perfil da massa de torcedores com luzes incidindo por trás em
amarelo e vermelho e fumaça: torcedores com sinalizadores?
Algumas hipóteses para explicar o vídeo
Em síntese, o vídeo publicitário produzido pela Agência Africa para o produto Brahma da Ambeve S.A. apresenta uma evidente aproximação com os signos midiáticos das manifestações
de rua no País. Resta saber se esta aproximação tem uma intencionalidade
criativa (uma forma de intertextualidade como, por exemplo, alusão, paráfrase
ou contiguidade), uma intencionalidade política (mais uma bomba semiótica
lançada no contínuo midiático para tornar a atmosfera politicamente ainda mais
carregada) ou simplesmente um caso de contaminação ou ressonância involuntária
da histeria midiática em torno do tripé Copa/manifestações/eleições.
(a)
O vídeo manteria a coerência da criação do comercial do ano passado cujo mote
era ressignificar de forma positiva o bordão negativo do “Imagina na Copa”. “O
Futebol está Voltando para Casa” estaria novamente ressignificando clichês
anti-Copa, dessa vez a figura do black bloc e manifestações de rua
transformados em comemorações pela volta do Futebol ao nosso País;
(b)
Um ato falho da criação publicitária demonstrando como está saturado o contínuo
midiático atmosférico: na representação visual das comemorações de rua e do
próprio futebol são incorporados involuntariamente clichês da cobertura
midiática;
(c)
Utilização intencional dessa ambiguidade produzida pela dissonância
imagem/áudio e o soturno personagem parecido com um black bloc para representar o Futebol. Como
discutíamos em outra postagem, o fator ambiguidade é o principal elemento que
auxilia na disseminação a princípio de boatos como descreveram Gordon Allport e
Leo Postman em 1947. Hoje, estaria por trás na disseminação de memes e imagens
– sobre esse tema clique
aqui. A intencionalidade de uma construção semioticamente ambígua estaria
no desejo de transformar o vídeo em meme.
(d)
Numa hipótese conspiratória, a Agência Africa, junto com o seu cliente Ambev S.A., teria criado mais uma deliberada bomba semiótica para o atual cenário político. Assim
como o banco Itaú que mesmo com seus lucros recordes e crescimento contínuo põe
o seu economista chefe na reunião de Davos para desaconselhar os investidores a
investirem na “economia instável” brasileira (sobre isso clique
aqui), da mesma forma a Ambeve S.A. apostaria suas fichas numa crise
política para uma vitória oposicionista nas próximas eleições.
(e)
E se o movimento oposicionista anti-Copa desse certo e o evento no País fosse
uma catástrofe ou, talvez, nem ocorresse pelo nível de violência das
manifestações de rua fora do controle das autoridades? Bom, aí pelo menos
teríamos a realização do desejo implícito do anunciante: se tudo der errado, pelo menos você
terá uma lata de cerveja Brahma na mão...
Ficha Técnica |
Título:
Eu Sou o Futebol
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Diretor de Arte: Estefânio
Holtz/ Lucas Reis/ Diego Lauton
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Diretor Geral de Criação: Sergio
Gordilho
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Produção/agência: Rodrigo
Ferrari/ Iara Demartini
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Agência: Africa São Paulo
Publicidade Ltda
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Anunciante: AMBEV S.A.
Produto: Brahma
Locução: Milhem
Cortaz
Data da primeira inserção:
29/01/2014
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