Franquias hollywoodianas como “Jurassic World”,
“Star Wars” e “Velozes e Furiosos” são celebradas pela grande mídia como responsáveis por supostos recordes históricos na indústria do cinema dos EUA. Porém, essa é a superfície
de uma auto-imagem que Hollywood faz questão de criar, girando em torno do
glamour do Red Carpet e mansões de atores-celebridades nas colinas de Beverly
Hills. Porém, a realidade é outra: apenas 5% dos filmes a cada ano são
rentáveis. O restantes fica entre pesadas perdas e a falência. Mas desde os
anos 1980 cresce o investimento dos fundos de Wall Street nos grandes estúdios
e independentes, apesar do negócio ser incerto e com lucros decrescentes diante
de filmes com orçamentos e retorno imprevisíveis. Por que os ricos fundos de
investimento de Wall Street continuam a financiar produções do cinema, quando poderiam investir em negócios mais seguros? É a pergunta que faz
o artigo “The Hollywood Economics” de Sophie Leech, do site “The Market Mogul”.
Afinal, qual é o tipo de lucro procurado por Wall Street? Financeiro ou
ideológico e político?
Hollywood criou em torno de si,
principalmente na sua fase de ouro no pós-guerra, a aura de um negócio que
supostamente seria uma verdadeira mina de ouro: superproduções, recordes
sucessivos de bilheterias, atores milionários morando em mansões nas colinas de
Beverly Hills, o glamour do “Red Carpet” nas premiações do Oscar com atores,
diretores e técnicos vestindo caríssimas grifes, merchandising e “product
placement” em filmes recheados de caríssimos efeitos especiais etc.
Mas tudo isso parece ser apenas a imagem
mercadológica do negócio. Observando os números frios e pouco divulgados sobre
a indústria do cinema dos EUA, podemos ficar surpresos. Apenas 5% dos filmes
produzidos a cada ano são rentáveis. Entre 15 a 20% quebrará e 65 a 75% terão
pesadas perdas financeiras.
O público nos cinema tem diminuído desde 1948,
principalmente agora com o crescimento da oferta de streaming como o Netflix,
Amazon e Time Warner – destaca-se ainda o recente crescimento dos negócios de
aquisições com a compra da AT&T pela Time Warner.
Os números da economia hollywoodiana
transformam o negócio do cinema nos EUA como uma das indústrias menos bem
sucedidas do mundo. No entanto, muitas grandes e pequenas empresas continuam
investindo nesse ambiente de negócios implacável.
Por que os ricos fundos de investimento de
Wall Street continuam a financiar produções do cinema de Los Angeles, quando
poderiam investir em negócios mais seguros como, por exemplo, startups do Vale
do Silício? Por que continuam a comprar direitos de um pedaço de propriedade
intelectual de um roteiro, pagam um salário exorbitante para um
ator-celebridade e, em troca, recebem uma quantidade de lucros cada vez mais decrescente?
Wall Street investe contra si mesma?
Essas são questões levantadas por Sophie Leech
no artigo “The Hollywood Economics – Is Tinsel Town Losing Its Sparkle?” no The Market Mogul, site dedicado a
análises de economia global – clique aqui.
Leech mostra como Hollywood evita apresentar detalhes sobre os termos dos
negócios de distribuição, financiamento e subsídios. Qualquer tentativa em
buscar a fundo essas informações, é barrada pela resistência e pouca
transparência nos negócios dos maiores players do mercado desde a década de
1950: Columbia, Disney, Paramount, Warner Brothers e 20th Century Fox.
E para tornar ainda mais aparentemente
irracional esse interesse de Wall Street por Hollywood, desde a crise
financeira global de 2008 a série de filmes sobre o episódio produzido desde
então (Margin Call, A Grande Aposta, O
Lobo de Wall Street etc.), filmes críticos que denunciam a ambição, fraudes
e mentiras dos mercados financeiros, são eles próprios financiados por fundos hedge de Nova York.
"Margin Call", "A Grande Aposta" e "O Lobo de Wall Street": Wall street faz autocrítica? |
Participação que só aumenta desde 1980,
inclusive nas produções de estúdios independentes como a Catch 22 Entertainment, Lionsgate e a
própria Regency Enterprises, produtora do Oscar de Melhor Filme A Grande Aposta (2015) – sobre isso clique aqui.
Wall Street investe em filmes que revelam
seus próprios podres à opinião pública? E o que é pior, com lucros decrescentes?
Hollywood: um negócio deficitário
Antes de um novo produto ser lançado ao
mercado, as empresas realizam pesquisa de mercado para estabelecer a
probabilidade de um novo modelo ter sucesso. Isso é impossível para Hollywood.
Nenhum modelo analítico consegue prever os gostos dos espectadores, sempre em
constante mudança.
O orçamento médio de um filme de grande
estúdio chega a 40 milhões de dólares, enquanto nos independentes é de 25
milhões em média. Mas essa imprevisibilidade do negócio pode elevar o orçamento
total para 100 milhões de dólares.
Com o número decrescente de espectadores nos
cinemas, as vendas externas são uma fonte crítica de receita, principalmente
para filmes independentes. Porém, dependem de grandes nomes muito bem
remunerados como Jennifer Lopez e Tom Cruise, atores-celebridade com forte
penetração na França e na China.
Porém, sofre a crescente concorrência de
Bollywood (a indústria do cinema da Índia) e Nollywood (a Hollywood nigeriana)
que não dependem de vendas externas. Ao contrário dos EUA, seu forte é o
mercado interno explorando a cultura cotidiana local.
Enquanto os EUA produziram 476 filmes em
2012, Bollywood lançou 1.602 filmes e
Nollywood 1.844 filmes. Por isso, mídia inovadoras como Netflix procuram cada
vez mais criar conteúdos locais em séries e filmes como, por exemplo, Narcos ou a produção de minissérie sobre
a Operação Lava Jato no Brasil – clique aqui.
Enquanto isso, estratégias mercadológicas
como o “product placement” (colocação de produtos em filmes) e o merchandising
cobrem muito pouco os custos da produção. Por exemplo, a Heineken pagou US$ 45
milhões para apresentar sua cerveja ao invés do típico Martini de James Bond em
Skyfall. Uma contribuição de apenas
4,5% em relação ao custo total.
Por que Wall Street investe em Hollywood?
Voltamos à questão inicial: por que,
contrariando a racionalidade econômica, fundos de investimento de Wall Street
investem cada vez mais em um negócio tão deficitário e arriscado como a
indústria cinematográfica de Hollywood?
Sophie Leech sugere coisas como “realização
de sonhos” de financiar diretores ou roteiristas famosos ou “envolver-se com o
glamour de Hollywood”. Acredito que há algo mais do que o interesse conspícuo
de algum yuppie das finanças investir em filmes assim como investiria em uma
cara e dispendiosa coleção de vinhos numa adega climatizada.
Principalmente porque os investimentos em
Hollywood hoje são discretos e sem publicidade, ao contrário dos tempos
dourados do passado no qual empresários investidores tentavam participações em
pontas de filmes.
Por décadas Hollywood foi vitrine dos EUA. Cria a imagem de um país
pacífico e feliz onde o sonho americano é prazeroso, os soldados são heroicos e
os maus, encarnados sob a forma de RAVs (Russos, Árabes e vilões em geral, de
comunistas a marcianos) são sempre derrotados. A indústria do cinema é uma
ferramenta ativa de “Soft Power” pelo Governo, além de instrumento para moldar
a opinião pública pelos lobbies corporativos.
Essas conexões ficam evidentes, por exemplo,
quando em 2013 o Oscar de Melhor Filme foi anunciado por Michelle Obama em link
ao vivo direto da Casa Branca. Premiação do filme Argo cujo
tema foi uma bem sucedida ação da inteligência dos EUA durante a crise
diplomática dos reféns norte-americanos no Irã em 1979, em uma operação de
resgate que envolvia a criação de uma falsa produção cinematográfica que
supostamente seria rodado naquele país.
Engenharia de opinião pública
Mas talvez a
melhor explicação dessa aparente irracionalidade econômica possa ser encontrada
no filme Promised Land (2012), de Gus
Van Sant: uma empresa especializada na prospecção de gás natural envia um
negociador (Matt Damon) para persuadir os proprietários de terra em uma
cidadezinha a assinar contratos de arrendamento dos direitos de perfuração para
extração do gás. Mas surge um ativista ecológico que denuncia a empresa de
envolvimento em desastres ambientais em todo o país.
Desculpe, cara
leitor, pelo spoiler mas Matt Damon
descobre no final que tanto ele como o ativista eram empregados da própria
empresa. Tudo foi uma estratégia de engenharia de opinião pública para criar
uma aparente liberdade de informação e debate para direcionar um projeto já
decidido por antecipação. Apenas precisava de uma aparência “democrática” para
a iniciativa. Ou seja, a própria empresa bancava as denúncias contra si mesma!
Parece ser esse
o lucro não financeiro, mas ideológico para investir em um negócio tão
deficitário e arriscado como Hollywood. Todo o glamour e aparência
mercadológica dos recordes de bilheteria e os supostos lucros astronômicos dos
estúdios escondem investimentos financeiramente a fundo perdido ou, no máximo,
com retornos muito abaixo dos divulgados.
Aparência
necessária para encobrir a verdadeira função de Hollywood: moldar a opinião
pública ao provar uma suposta democracia no qual filmes independentes e
críticos ao sistema (e muitas vezes ideologicamente contrários aos próprios
investidores) convivem confortavelmente com os blockbusters dos grandes estúdios.
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