Em 2010, no programa “Show Business”, João
Doria Jr e Roberto Justus especulavam a possibilidade de ambos serem candidatos
a algum cargo público. Tudo em tom de brincadeira. Hoje, o primeiro já é
prefeito e o segundo cogita ser candidato à presidência em 2018, na esteira
de Trump, também ex-apresentador do reality Show “O Aprendiz”. Enquanto isso, a
crise política criada pelo demissionário ministro do MinC, Marcelo Calero, repercute na vida real o drama ficcional do filme “Aquarius” – Calero tentou faturar
politicamente na entrevista concedida ao “Fantástico” da Globo. Em política não
há coincidências: há conspiração ou sincronismo. E a junção estratégica
desses dois elementos chama-se Parapolítica. Enquanto a Política faz isso de
maneira empírica e irrefletida, a Mídia e Indústria do Entretenimento conseguem
fazer esse alinhamento de forma consciente. Justus, Trump e Doria Jr. têm a
interpretação naturalista: falam o tempo inteiro que não são políticos. São
“gestores” e “administradores”, assim como um ator faz o chamado “laboratório”
de um personagem para representar de forma naturalista o papel. Tão
naturalista, que passa acreditar na própria interpretação. Ao contrário do
político tradicional, que ainda vive a tensão entre a verdade e a mentira – a
dissimulação. É o limiar de um momento histórico: a guinada
para a midiatização da Política (Parapolítica), sem intermediários ainda
apegados ao jogo cênico teatral das aparências dissimuladas.
No final de um domingo e madrugada de segunda
feira, outubro de 2010, era transmitida mais uma edição do programa Show Business. Enquanto a maioria dos
brasileiros já estava em suas camas, dormindo, para enfrentar mais uma
segunda-feira, a Band mostrava um inacreditável diálogo entre João Dória Jr.,
então apresentador do programa, e Roberto Justus, estrela do programa O Aprendiz, da Record - assista ao vídeo no final dessa postagem.
Doria Jr. e Justus trocavam elogios e
discutiam a possibilidade de ambos serem candidatos a algum cargo público, em
particular a presidência. Doria Jr. especulava sobre a possibilidade de Justus
ser candidato na eleição à presidência em 2014. Justus retribuiu: “sabe com quem combina ser
candidato? Dória Jr! Esse é íntegro e competente...”. E Doria Jr. encerrou: “Para
um Brasil mais justo, Roberto Justus!”. “Já tem até um lema...”, respondia
Justus, entre risos.
Tudo sempre foi levado em tom de galhofa e
ironia. Até Doria Jr, ser eleito prefeito da cidade de São Paulo e Roberto
Justus, após fazer parte da reunião do chamado “Conselhão” (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Econômico) neste mês em Brasília, confirmar a possibilidade
de sair finalmente candidato às eleições 2018.
Em política não existem coincidências. Há
conspirações (“maquiavelismos”) ou sincronismos. A junção desses dois elementos
produz a Parapolítica – o alinhamento consciente desses elementos para conferir
força simbólica através da canalização de arquétipos – espécie de storytelling de personagens que povoam o
inconsciente coletivo humano.
Em outras palavras: Parapolítica é um
conceito mais elaborado para um velho provérbio sobre eventos políticos
considerados improváveis: “jabuti não sobe em árvore”.
É impossível não perceber a série de
sincronismos e ironias envolvendo eventos políticos recentes. Todos apontando
para produtos midiáticos como se esses eventos repercutissem narrativas
ficcionais anteriores – filme, reality
show, talk show etc.
Impeachment e sincronicidades
Primeiro, a sincronia das datas do rito do
impeachment da presidenta Dilma Rousseff com eventos do mês de abril: Golpe
Militar de 1964 e a deposição do presidente João Goulart, Massacre de Eldorado
dos Carajás, a morte de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira no Brasil
Colonial, a morte do presidente Tancredo Neves. Além de ser um período que
inspira homicidas e loucos a cometerem atentados pela sincronia com a data de
nascimento de Hitler – 20 de abril. Os ratos jogados numa CPI do Congresso
aproximaram ainda mais com as táticas históricas de militantes nazi - sobre
isso clique aqui.
É claro que qualquer dia do ano é sempre
marcado por acontecimentos passados. Porém, nem todos serão “coincidências
significativas” – ideia que é o princípio do conceito de sincronicidade.
Segundo evento, a recente renúncia do
ministro da pasta da Cultura Marcelo Calero acusando o articulador político do
governo Temer, Geddel Lima, de pressioná-lo para que o Iphan (órgão subordinado
à Cultura) aprovasse projeto imobiliário em área histórica tombada na Bahia.
Geddel possuía apartamento no empreendimento.
Ironicamente, esse episódio real ecoa a
narrativa ficcional do filme brasileiro Aquarius,
símbolo de resistência do mundo artístico ao golpe político. Assim como no
filme a protagonista resiste a investida de uma construtora para a compra do
prédio onde mora para a construção de um moderno empreendimento imobiliário, da
mesma forma o pivô da crise do governo Temer é um empreendimento moderno em
área histórica em Salvador/BA.
Cena do filme brasileiro "Aquarius" |
Os sincronismo ainda se aprofunda sabendo que
o próprio Aquarius foi motivo de
vaias contra o ministro Calero em festivais de cinema por ter sido um filme
preterido a indicação da disputa ao Oscar. Suspeita-se que a recusa ao filme
seria uma retaliação do Governo aos protestos dos atores, contra o impeachment
de Rousseff, no Red Carpet do Festival de Cannes.
Somada a vitória eleitoral à presidência dos
EUA do empresário Donald Trump (apresentador do reality show The Apprentice), fica clara a
recorrência de narrativas ficcionais ou eventos históricos e simbólicos por
trás de todos esses eventos políticos.
O processo final de impeachment e o
simbolismo nacional e internacional do mês de abril, reality show e talk show
que projetaram Doria Jr., Justus e Trump para a opinião pública, além de uma
trama palaciana de Brasília replicando a ficção do filme Aquarius.
A dramaturgia de Marcelo Calero
A saída de um suposto ministro neófito do
MinC, denunciando pressões em favor de benefícios pessoais de Geddel Lima tem
um evidente elemento conspiratório clássico. Um ex-político do PSDB (candidato
a deputado federal pelo RJ em 2010), diplomata de carreira e ex-secretário
municipal da cultura do Rio de Janeiro, converte-se no pivô da maior crise do
atual governo.
De vidraça apedrejada pela indignação
transformou-se em homem-bomba que pareceu cirurgicamente colocado em um
ministério aparentemente periférico (era para ser transformado em secretaria),
mas que, como sempre, conta com a gula de algum PC Farias de plantão – alguma
eminência parda sempre em busca de benefícios cada vez maiores e que morda
facilmente uma isca jogada.
Assim como o desinterino Temer mordeu (talvez
inebriado pela crença de que conta com o apoio incondicional da grande mídia),
levando a crise ingenuamente para o próprio gabinete presidencial.
A conspiração (ou maquiavelismo) do
homem-bomba contou involuntariamente com a oportuna sincronia do filme Aquarius, motivo dos desgastes nos
festivais de cinema por onde Calero passou.
Marcelo Calero no "Fantástico" |
A narrativa ficcional da resistência de uma
protagonista que lutava contra a ganância da especulação imobiliária que
despreza o tempo e a memória acabou alimentado o novo papel dramatúrgico que
agora Marcelo Calero quer assumir após a entrevista no Fantástico da TV Globo: o cidadão de classe média, servidor
público, diplomata de carreira e assalariado – o campeão da meritocracia que,
assim como o telespectador, quer “passar o País a limpo”.
Esse sincronismo, somado à câmera
dramaticamente fechada no rosto de Calero durante a entrevista na Globo
(performance canastrona, overacting,
com excesso de sobrancelhas levantadas e linguagem corporal expansiva demais,
quase caindo sobre a entrevistadora Lo Prete) , tentou jogar para o
esquecimento o político Marcelo Calero - candidato a deputado federal do PSDB,
criador do Movimento Rio reivindicando a separação da Guanabara do Estado do
Rio de Janeiro e a sua posterior aproximação do PMDB de Temer. Magicamente,
Calero é beatificado: deixa de ser político e transforma-se em diplomata de
carreira e servidor público.
Parapolítica: da cena teatral à mídia
Com poucas exceções na história da Política
(o misticismo Nazi foi uma tentativa), a estratégia parapolítica (conspiração +
sincromisticismo) é ainda empírica e sujeita ao jogo do acerto e erro. A
Política, e principalmente seus analistas e eleitores, vivem ainda no ordinário
consenso da realidade, onde tudo parece acontecer por acidentes ou
causalidades.
Que a Política sempre foi um jogo tributário
do Teatro, não é uma novidade para qualquer cientista político. Porém, a
indústria do entretenimento, associada à sociedade do espetáculo do cinema e da
televisão, abandonou o jogo cênico do palco (a chamada “cena italiana”) para
criar elaboradas formas de canais para formas-pensamento a partir do vasto
material psíquico da humanidade, irradiadas por dispositivos de projeção e
pelas ondas concêntricas eletromagnéticas.
"O Método", técnica naturalista de interpretação da moderna Hollywood, agora à serviço da Parapolítica |
Tudo começou com os atores nos filmes,
minisséries e telenovelas submetidos ao “Método” (a interpretação naturalista
fundindo o psiquismo do ator com o arquétipo coletivo) para substituir a mise en scène do palco pelo timing dos enquadramentos de câmeras.
A indústria do entretenimento (Hollywood e
cadeias de TV) metodicamente passou todo o século XX alinhando o elemento da
conspiração com a prática sincrônica (ou “teatro de bruxaria maçônica”, como
falam jocosamente os sincromísticos): a criação do panteão dos mitos do cinema,
a propaganda patriótica dos EUA na Segunda Guerra Mundial, o alinhamento do
cinema com a política antiterror até chegar ao efeito colateral da vitória de
Trump, arquétipo televisivo grosseiro sem o glamour hollywoodiano.
Hoje, a sociedade do espetáculo e a grande
mídia estão chegando a um ponto de viragem que poderá ser decisivo na História:
a guinada definitiva para a Política midiática, sem intermediários ainda apegados
ao jogo cênico teatral das aparências dissimuladas.
É chegada a hora de Trump, Doria Jr. e
Roberto Justus. Sem mais a canastrice de políticos teatrais tentando adaptar-se
ao timing das câmeras.
Como foi, por exemplo, a exagerada
performance de Marcelo Calero no Fantástico
– nele os elementos da conspiração e sincronismo estão ainda desalinhados: sua
atuação overacting ainda não consegue
canalizar a forma-pensamento do herói “meritocrático” (o novo nome do “elixir”
da Jornada do Herói).
Justus, Trump e Doria Jr. têm a interpretação
naturalista desejada pelo “Método”: falam o tempo inteiro que não são políticos.
São “gestores” e “administradores”, assim como um ator de telenovela faz antes
o chamado “laboratório” de um personagem para representar de forma naturalista um papel. Tão naturalista, que passa a acreditar no próprio papel. Ao contrário
do político tradicional, que ainda vive a tensão entre a verdade e a mentira –
a dissimulação.
E esse laboratório dos futuros políticos são
os atuais reality shows e talk shows. “Chega! Sem intermediários!”,
deve pensar a grande mídia impaciente. Ela sempre conspirou. Agora falta apenas
manipular de forma consciente o elemento sincromístico na Política: colocar os
atores que se tornem novos médiuns para canalizar as formas-pensamento de
maneira tão perfeita que, eles, próprios, passem a acreditar mesmo naquilo que
dizem ser.
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