Um curta premiado em Cannes que projetou internacionalmente o diretor japonês Kosai Sekine e o seu olhar “neo-futurístico” para as metrópoles do país, presentes nos seus projetos que vão de curtas a vídeos publicitários. “Right Place” (2006) aproxima o transtorno obsessivo compulsivo de um funcionário de uma loja de conveniência com a solidão de Tóquio. Um olhar social que também aparece em um vídeo publicitário para a Adidas, “Break Up Services” (2009), onde uma empresa de serviços terceiriza corações partidos e crises conjugais – o japonês é um povo polido e ocupado demais para confrontar outra pessoa. Então, uma empresa termina o relacionamento para o cliente.
Assistindo ao Boneca Inflável
para uma postagem recente sobre esse filme japonês que aborda o tema da solidão
e alienação nas grandes metrópoles daquele país (clique aqui), o Cinegnose buscou outros
filmes do Japão sobre a mesma temática. E encontrou o diretor Kosai Sekine que
passou a ser conhecido internacionalmente depois de ser premiado em Cannes com
o curta Right Place em 2006.
Morando em Tóquio, o diretor nesses últimos anos tem se envolvido na
produção de vídeos publicitários para TV, web filmes, curtas, vídeo clips
trabalhando para clientes como Adidas, Nike, NEC e Uniqlo. Mas apesar da
variedade de projetos, Kosai Sekine tem um estilo e um olhar próprios para as
metrópoles japonesas que ele chama de “neo-futurístico” – pequenos, excêntricos
e solitários personagens que vivem nas grandes cidades japonesas onde o visual
urbano, organização, limpeza e estrutura de serviços por si só lembram uma
cidade do futuro.
Selecionamos para os leitores do Cinegnose o curta premiado Right Place (2006) e um dos seus mais recentes trabalhos: um vídeo publicitário para a Adidas Safety Wear Collection - Break Up Services.
Right Place é uma pequena fábula
japonesa: a história de um solitário e excêntrico obsessivo compulsivo que luta
para encontrar o seu “lugar certo” no mundo. O curta acompanha um dia na vida
de um homem com mania de organização, simetrias e uma vida metodicamente
organizada: a xícara deve estar exatamente centralizada no pires, o ovo frito
cortado em quadrados perfeitos, o nó da gravata em perfeita simetria e o terno
alinhado.
Para depois caminhar, sempre sobre faixas brancas, para o seu trabalho
em uma loja de conveniência. Na loja a preocupação do protagonista parece ser
menos atender aos clientes do que deixar prateleiras e produtos metodicamente
alinhados e simétricos. Cada cliente que entra é uma dor de cabeça para ele,
pois vai desorganizar todo o seu esquema compulsivo de ordem onde cada lote de
produtos deve estar com os rótulos perfeitamente visíveis e alinhados. E tudo
acompanhado por um tique de estalar do pescoço enquanto arruma sem parar as
gôndolas.
O protagonista vive o que a psicologia chama de transtorno de
personalidade obsessivo-compulsiva – inflexibilidade, perfeccionismo,
obstinação, temor a mudanças, colecionismo, avareza, incapacidade de se
desafazer de objetos, respeito escrupuloso a regras, austeridade, pontualidade
e preocupação excessiva com limpeza.
A virtude do curta é a de contextualizar a obsessão do protagonista: as
cenas iniciais da ordem do café da manhã do protagonista são depois
confrontadas com planos gerais do imenso conjunto de prédios onde ele mora, com
janelas simétricas e ambiente asséptico.
Kosai Sekine faz aqui um comentário sócio-cultural: aproxima solidão,
alienação, frieza das relações humanas e o comportamento obsessivo compulsivo.
Mas o curta tem um curioso desfecho com uma evidente interpretação
gnóstica: o protagonista tentou a vida inteira buscar organizar o mundo ao redor,
mas no final a solução está dentro dele mesmo – encontrar o lugar certo para
ele no mundo.
Terceirizar corações partidos
No vídeo da Adidas Break Up
Services, Sekine aborda outro aspecto patológico da sociedade japonesa: o
“meiwaku” (“incômodo”). À primeira vista japoneses são muito polidos e educados
nas relações pessoais. Mas por trás dessas atitudes está o temor de causar
“meiwaku” nas outras pessoas – causar algum tipo de incômodo, embaraço,
inconveniência ou preocupação em estranhos. Isso acaba contribuindo no problema
da solidão chegando ao extremo de se cometer suicídio para garantir que não
causarão meiwaku aos outros – família, escola ou empresa.
O curta acompanha a vida de Akira que oferece um serviço único em Tóquio:
o “Break Up Services”, empresa que ajuda o cliente a terminar relações
amorosas, conjugais, amizades etc. Akira é o mensageiro das más notícias porque
“o japonês é um povo muito polido e ocupado para enfrentar o fim de
relacionamentos”. É a terceirização de corações partidos e crises conjugais.
Por isso, Akira atrai o ódio e vingança dos destinatários: vive fugindo
pelas ruas e estações de metrôs de Tóquio, perseguido por maridos que foram
traídos, mulheres que foram trocadas pelos seus namorados.
Mais uma vez Kosai Sekine confronta patologia social (meiwaku e break up
services) com as paisagens da solidão de Tóquio: pessoas solitárias em
escritórios, nas ruas ou em “hotéis cápsulas” – hotéis onde o cliente pernoita
em assustadores cubículos por 1 metro de altura por 1 metro de largura, lado a
lado, um em cima do outro.
Diferente do curta de 2006 premiado em Cannes, aqui o clima é de “alto
astral” publicitário: com tênis e roupas esportivas Adidas o consumidor se
manterá seguro porque “o amor é perigoso”. Um olhar publicitário cínico para
uma patologia social.