sábado, maio 19, 2012

A História Secreta do Rock 'n' Roll

O rock 'n' roll seria uma expressão renovada de mistérios antigos profundamente enraizados na cultura contemporânea, como os de Orfeu, Cibele, Átis, Isis, Mitra, Druidas e toda uma conjunto de escolas antigas herméticas. Essa é a premissa do livro “The Secret History of Rock 'n' Roll” do pesquisador e editor de comic books Christopher Knowles. O autor vai além dos estereótipos sobre a presença do ocultismo e esoterismo na cultura pop como expressões da megalomania e hedonismo dos astros do rock. O autor vai encontrar uma linha de transmissão dos mistérios herméticos da antiguidade até a modernidade, demonstrando como um gênero musical marcado pelo descompromisso e rebeldia juvenil evoluiu para formas estéticas simultaneamente introspectivas e críticas.

Há uma história de um repórter que entrevistou Jim Morrison (vocalista da banda The Doors) depois que ele havia gravado “Dionysus”: “Mr. Morrison, você está tentando imitar Dionísio?”, perguntou o repórter que teria ouvido a seguinte resposta: “Não. Eu sou Dionísio!”

Do rock progressivo ao hardcore, do punk ao psicodélico, do glam rock ao heavy metal existiria um traço comum que uniria todos os subgêneros que explodiram na história do rock and roll: um especial tipo de introspecção onde músicos e fãs sentir-se-iam como iniciados em algum tipo de escola de mistérios e a audição e performance musicais seriam como ritos religiosos onde seria recriada a sensação de transcendência para entrar em um mundo diferente, cheio de mistério e perigo.

O rock and roll seria uma expressão renovada de mistérios antigos profundamente enraizados na cultura contemporânea, como os de Orfeu, Cibele, Átis, Isis, Mitra, Druidas e toda uma miríade de escolas antigas herméticas. Essa é a premissa do livro “The Secret History of Rock 'n' Roll” de Christopher Knowles, escritor e editor de comic books e pesquisador sobre simbologias na cultura pop, com diversos trabalhos publicados nessa área.

As conexões entre ocultismo e o rock são bem conhecidas e já se tornaram lugar-comum nas lendas que envolvem astros pop: Ozzy Osbourne e as referências ao mago Aleister Crowley em suas músicas, símbolos ocultistas associados a cada integrante do Led Zeppelin nas capas dos seus discos, etc., isso sem falar nos famosos boatos de mensagens subliminares com evocação ao demônio que poderiam ser ouvidas se o disco fosse girado no sentido inverso...

Mas o que Christopher Knowles propõe é algo bem diferente: primeiro, o autor vê semelhanças entre o rock e os ritos religiosos de muitas seitas iniciáticas da antiguidade:
“O que os Mistérios podiam oferecer que outros cultos do passado não fizeram? Quase exatamente o que o rock and roll pode oferecer, milhares de anos mais tarde: bebidas, drogas e sexo. A música alta. Selvagem pirotecnia. A sensação de transcendência, deixando sua mente e seu corpo e entrar num mundo diferente, cheio de mistério e perigo. A ligação pessoal com algo profundo, estranho, e incrivelmente atemporal. Uma oportunidade para escapar da monotonia da vida diária de chatices e quebrar todas as regras da sociedade educada. Um lugar para se vestir com trajes selvagens e dançar e beber e viajar a noite toda.”
Knowles descreve essencialmente o que poderia ser considerado um "antigo delírio": música alta e drogas incluídas. Em sua busca, o autor cita autoridades antigas, como Heródoto, Diodoro da Sicília, Estrabão e Plutarco tentando demonstrar a evidência de sua tese desde os tempos antigos, reunindo muitos elementos importantes das escolas de mistérios e doutrinas.

Em segundo lugar, Knowles propõe a hipótese do sincromisticismo de que a prática artística e toda a indústria cultural canalizariam e dariam vazão a Formas-Pensamento e arquétipos poderosos do vasto material do psiquismo da humanidade. De certa maneira, músicos e artistas seriam como médiuns:
"Quase todos os artistas que foram aqui discutidos canalizaram os arquétipos antigos e estavam completamente alheios ao que eles estavam trazendo para o mundo."
David Bowie: lia e relia livros
ocultistas nas suas turnês
E em terceiro lugar, a constatação de que muitos artistas dentro do rock fazem referências ao ocultismo não apenas como tática mercadológica para estimular lendas e boatos, mas são assumidamente praticantes e estudiosos de filosofias herméticas e mistérios antigos.

Um dos exemplos lembrados por Knowles é o de David Bowie de que nas suas viagens pelo mundo dentro das suas turnês, sempre levava consigo uma enorme biblioteca de textos ocultos que lia e relia constantemente.

Aliás, sobre isso Valdir Montanari em seu livro “Rock Progressivo” (Papirus, 1985) relata que no início da década de 1970 músicos como Peter Gabriel (Gênesis), Robert Fripp (King Crimson), Peter Hammill (Van Der Graaf Generator) e o próprio David Bowie reuniam-se constantemente formando um grupo de estudos de textos ocultistas. O resultado era perceptível nas letras de suas músicas como a épica batalha entre o bem e o mal contada na suíte “Supper is ready” do álbum “Foxtrot” do Gênesis ou as reflexões gnósticas de David Bowie na longa música “The Width of a Circle”.

Saindo do rock art de Bowie e Gênesis, mesmo em bandas de um subgênero marcado pela crueza como o punk rock, muitos integrantes estreitaram suas ligações com o ocultismo como o caso do vocalista e compositor Jaz Coleman que abandonou a banda Killing Joke em 1982 para se dedicar aos estudos herméticos na Islândia.

Rock e a condição humana de “Estrangeiro”


O gnosticismo do Van Der Graaf Generator
de Peter Hammill (terceiro da esquerda):
o homem é um peregrino
exilado em um mundo hostil
E por que essa atração pelo místico, o Oculto e o Hermético em um gênero tão popular quanto o rock and roll? Como explicar que um gênero identificado com o total descompromisso, namoros no banco de trás dos carros e festas colegiais acabou criando uma legião de roqueiros interessados em temas tão filosóficos e metafísicos?

Talvez a explicação esteja na mitologia contemporânea que o rock incorpora – o roqueiro como o arquetípico personagem do Estrangeiro: Rebeldes sem causa, “heroin heroes”, punks gritando “no future”, ácido e música techno em “raves” associadas ao “trance” (transe) com conotações espiritualista ou “new age” são representações midiáticas dessa sensação de alienação, estranhamento e deslocamento em relação ao país, família e amigos. Essa sensação de estranhamento e alienação experimentada pelo jovem periodicamente é renovada por tendências místicas ou catártica do rock (darks, góticos, punks, grunges etc.).

É visível a aproximação dessa experiência do Estrangeiro com a percepção gnóstica de que somos exilados em um mundo ao qual não pertencemos em músicas como “Pilgrims” (“Peregrinos”) composta por Peter Hammill do Van Der Graaf Generator:


“Algumas vezes você se sente tão longe,
Distante de toda a ação do jogo
Impossibilitado de compreender significados,
Marcando a trama com uma reservada tristeza
Preso no centro do palco,
Procurando pelo seu diário por uma página perdida:
Incerto do sonho (...)
Eu escalo pela noite
Vivo e acreditando
Que ao tempo todos deveremos saber nossos objetivos
E então, nosso lar
Por enquanto, tudo é secreto –
Mas como eu poderia dizer,
Permita-me o sonho no meu olho!
Eu estive esperando por tanto tempo
Só para ver, finalmente, todas as mãos firmemente apertadas,
Todos nós peregrinos
Andando em silêncio pela costa,
Meramente por uma jornada - aqui a esperança é a maior,
Meramente para saber que há um fim; (...)” 
("Pilgrims" - album "Still Life", 1975)

E como esses mistérios antigos e ocultos da antiguidade chegaram ao século XX e encontraram sua renovação dentro do rock? Knowles vai descrever os acontecimentos que acabaram formando uma linha de transmissão dos mistérios da antiguidade até a América moderna: ela começa com influência do Egito para o Yorubans na África, que depois se tornaram escravos americanos, introduzindo o vodu e criando o que é conhecido como “Santeria”. 
O autor também mostra como os mistérios druidas ocultos poderiam ter sido preservados através dos maçons e servos das Ilhas Britânicas.

Idolatria e Megalomania

Jaz Coleman: abandonou a banda
Killing Joke em 1982 para dedicar-se
aos estudos em ocultismo
Os deuses da antiguidade eram receptores do tipo de adoração e adulação reservada nos tempos modernos sobretudo estrelas do rock em sua época áurea. Para concretizar esta comparação, a expressão "deuses do rock and roll" passa a assumir um significado totalmente novo, especialmente quando olhamos para o significado esotérico dos antigos mitos e mistérios. 

Como Knowles assinala, os mitos e mistérios foram muitas vezes baseada no culto a natureza, incluindo as observações das estações, que também incorporou o que é conhecido como "astroteologia", isto é, a reverência ao sol, a lua, planetas, estrelas e constelações.
Portanto, a grande virtude do livro “The Secret History of Rock 'n' Roll” é imbuir de maior significado a evolução estética e musical de um gênero que a indústria de entretenimento sempre identificou com o desperdício hedonista e a megalomania. Essa talvez seja a beleza dos mistérios das escolas iniciáticas e herméticas: você começa a expressar sua rebeldia sem ter que ficar o tempo inteiro embriagado ou sóbrio... talvez com um pouco de ressaca.

Ficha Técnica

  • Título: The Secret History of Rock 'n' Roll - the mysterious roots of modern music
  • Autor: Christopher Knowles
  • País: EUA
  • Editora: Viva Editions
  • Ano: 2010
  • Idioma: inglês
  • 240 páginas
  • ISBN: 978-1-57344-405-7

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