Como todo bom
filme de terror não falado em inglês, logo Hollywood se interessa rapidamente
em fazer um remake. É o caso da produção argentina “Aterrorizados”
(“Aterrados”, 2017) na qual acompanhamos o que poderiam ser espíritos e
fenômenos poltergeist infernizando a vida dos vivos. Mas agora, não é uma casa
mal-assombrada. É uma rua inteira em uma tranquila rua de classe média de Buenos
Aires. E não o mal como aparentemente conhecemos: surge de ralos, canos e
fendas de paredes. O filme joga com uma interessante metáfora de uma sociedade
que acredita que se eliminar tudo aquilo que é incômodo, ele desaparece. Assim
como quando apertamos o botão da descarga do vaso de um banheiro. Mas o
reprimido retorna numa espécie de “pressuposto da privada”.
O sociólogo norte-americano
Philip Slater no livro “Em Busca da Solidão” (Zahar, 1977), cunhou um curioso
conceito que estaria na base do psiquismo das multidões solitárias da
modernidade: o “pressuposto da privada” - é a prática na sociedade de acreditar
que se eliminar tudo aquilo que é incômodo, ele desaparece. Assim como quando
apertamos o botão da descarga do vaso de um banheiro.
Aterros escondem o nosso
lixo. Imensos recursos hídricos substituem o que sujamos. O ar poluído é
empurrado para longe. Mas também, socialmente, banimos indígenas para reservas,
pobres e sem tetos são escondidos em abrigos municipais, enquanto as
desigualdades sociais são encobertas pela publicidade e indústria do
entretenimento.
Esse pressuposto parece nos
cercar: paredes em dry-wall das casas escondem canos e fiação. Apertamos botão
de descargas, interruptores e abrimos torneiras para a água suja com restos
orgânicos desaparecerem das nossas vistas pelos ralos. Não ligamos ou pensamos
no destino de tudo isso que aparentemente é eliminado.
Logicamente, o psiquismo vai
se estruturar por esse mesmo pressuposto: o botão da descarga é todo o aparato
fármaco de pílulas ou drogas (legalizadas ou não) para simplesmente esquecermos
ou ficarmos amortecidos.
Mas, como o bom e velho
Freud falava, o reprimido sempre retorna. O filme de terror argentino Aterrorizados (Aterrados, 2017), como todas as boas produções do gênero, constrói
uma grande metáfora dessa crítica à sociedade moderna feita por Philip Slater.
O terror vem do interior das
paredes, canos, ralos, enfim, por todos os caminhos ou revestimentos através
dos quais acreditamos que estamos eliminando tudo o que é inútil ou
indesejável.
Aterrorizados é tão original e
interessante que um remake norte-americano já está a caminho: o ator Guillermo
Del Toro comprou os direitos e entregou o trabalho para o roteirista Sasha
Gervazi, mantendo o mesmo diretor do original argentino, Demián Rugna.
Logicamente, o tema é o
sobrenatural. Mas não temos uma casa assombrada por fantasmas ou poltergeists buscando
vingar a dor de espíritos que assustam e torturam incautas famílias.
Não, em Aterrorizados
toda uma rua enfrenta esses problemas, cuja origem é um mal desconhecido,
impreciso, amorfo, cuja natureza insondável vai desafiar tanto a polícia quanto
pesquisadores para-científicos.
O Filme
Logo na sequência de
abertura, Aterrorizados mostra para
quê veio: uma mulher não consegue lavar os pratos na cozinha, atemorizada por
vozes que parecem vir do ralo da pia. Pior, as vozes também parece dizer que
vão mata-la. Assustada, conta para o marido que não acredita: são apenas os
barulhos de uma reforma interminável na casa do vizinho.
À noite, batidas na parede
tornam-se violentas. Irritado, o homem bate na casa do vizinho, que não o
atende. Os barulhos continuam, até descobrir que nada tem a ver com o vizinho.
Chocado, vê sua esposa no banheiro sendo suspensa por alguma força
sobrenatural, batendo o corpo dela ensanguentado violentamente contra as
paredes.
São várias histórias com
diferentes personagens moradores daquela rua, em uma narrativa não linear que
começa com aquele pobre marido que passa a ser acusado de ter assassinado a
própria esposa.
Surge um grupo de
pesquisadores sobre fenômenos paranormais que acredita num evento sobrenatural
em andamento e se manifestando por todas as casas daquela rua. Dando início a
uma espiral de sangue e loucura – seres sobrenaturais (com uma assustadora
maquiagem e expressões corporais) saem debaixo de camas, de fendas das paredes
e do fundo de armários.
Cenas perturbadoras e de uma
morbidez fora do comum, como um garoto que morreu atropelado que ressurge na
cozinha da sua casa após seu funeral, sentado à mesa com um copo de leite, de
volta dias depois de enterrado, já apodrecendo. Isso tudo, diante da mãe
enlouquecida, que acredita que tudo está normal, num brutal processo psíquico
de negação.
Mas o principal detalhe é o
design de som, capaz de criar uma camada aterrorizante sobre as cenas: o som da
gota da torneira, o ranger das tábuas do assoalho, sons dissonantes diante da
presença de ameaças. Há pouca trilha sonora para “telegrafar” ao espectador o
que acontecerá – como determina os cânones do gênero.
Ao contrário, o design de
som torna os eventos ainda mais aleatórios, inesperados: o mal pode surgir de
qualquer lugar recôndito, um lugar oculto pelo nosso “pressuposto da privada”.
O Mal ambíguo e aleatório – Alerta de Spoilers à frente
É como se o inconsciente
coletivo daquela rua retornasse através de paredes, ralos e canos. A metáfora
do retorno do reprimido que vive no inconsciente.
Qual a origem ou o motivo
daqueles eventos que emergem por todas as casas daquela rua, em um tranquilo
bairro de classe média de Buenos Aires? Algum crime do passado cujos espíritos
retornam em busca de vingança? Alí havia algum cemitério cuja especulação
imobiliária desrespeitou um lugar sagrado, como no filme clássico Poltergeist?
Propositalmente, Demián
Rugna deixa tudo ambíguo, como fossem fenômenos aleatórios. O trio de
pesquisadores paranormais até possui uma teoria: são seres interdimensionais.
Eles sempre estiveram ali, e estão por toda parte. Não os vemos. Mas, por
alguma razão indeterminada, naquela rua, essas dimensões se tornaram visíveis e
concretas. E esses seres são cruéis...
Essa é a originalidade de Aterrorizados: Gervazi e o diretor
Demián Rugna não moralizam os eventos, como normalmente fazem os filmes de
terror – tudo é entregue ao oculto, aleatório e indeterminado.
Porém, a ideia do Mal surgindo
de paredes, ralos e canos, joga com a interessante metáfora de um inconsciente
social reprimido que retorna em uma cultura que acredita eliminar tudo aquilo
que lhe aparece incômodo.
Ficha Técnica
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Título: Aterrorizados
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Diretor: Demián Rugna
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Roteiro: Deemián Rugna
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Elenco: Maximiliano
Ghione, Norberto Gonzalo, Elvira Onetto, George L. Lewis, Julieta Vallina
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Produção: Machaco
Films, Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales
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Distribuição: Aura Films
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Ano: 2018
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País: Argentina
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