domingo, dezembro 13, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um curta inspirado em um livro surrealista do escritor japonês Kobo Abe.
“The Box Man” (2003) é uma animação em stop motion que mistura elementos do
cinema “Noir” com o Fantástico: em uma chuvosa cidade sombria um homem encontra
uma misteriosa caixa de papelão. Algo ou alguém o observa do interior da caixa
através de uma fenda. “The Box Man” reflete a atual cultura da paranoia e do
medo criada por nós mesmos e como a figura da caixa se transformou em uma
estratégia para supostamente nos protegermos.
Ruas sujas em uma
noite chuvosa. Um homem solitário de sobretudo e chapéu de feltro para diante
de uma grande caixa de papelão na calçada em frente ao seu apartamento. A caixa
está de cabeça para baixo e possui uma fenda estreita perto do topo. O homem
toma um susto ao perceber um par de olhos que o observa do interior da caixa.
Ele se volta e anda apressado para seu apartamento. Da janela ainda observa
preocupado a misteriosa caixa com o par de olhos no seu interior que parece observá-lo.
Então o homem vai até o armário e retira um rifle com mira telescópica. Qual
será o próximo passo do homem solitário?
O curta The Box Man (2002), animação de Nirvan
Mullick (trabalho de conclusão de curso na California Institute of Arts –
CalArts), foi livremente inspirado no livro homônimo de 1973 do escritor
surrealista japonês Kobo Abe. O livro é sobre um diário de um homem que vive no
interior de uma caixa de papelão nas ruas de uma cidade japonesa. Como um monge
budista, ele observa o mundo a partir de uma fenda na caixa.
A caixa cobre
apenas a metade do corpo do homem – por isso, ele pode tanto se locomover como
descansar à noite. A fenda é a única forma do homem-caixa se relacionar com o
mundo. Vale a pena ler a descrição que Kobo Abe faz da “fenda de observação”:
“Para um homem-caixa a fenda de observação é
comparável a expressão do olhar. É errado considerar essa abertura ao mesmo
nível do olho mágico de uma porta qualquer. Com alguns pequenos ajustes é fácil
se expressar. Claro, não é um olhar de bondade. Um olhar ameaçador não é tão
ofensivo como esse através da fenda. Sem exagero, é uma das poucas defesas que
o desprotegido homem-caixa pode ter. Gostaria de ver um homem responder a esse
olhar com serenidade” (ABE, Kobe, The Box
Man, Vintage Books, 2001, p.6).
No livro o
homem-caixa é atingido por um tiro de uma espingarda de ar. No curta The Box
Man parece que Nirvan Mullick decidiu focar no homem que deu o tiro e o seu
destino. Ao fazer isso, o diretor parece chegar ao profundo significado da obra
surreal de Kobe Abe: somos todos homens-caixa – decidimos não nos envolver com
nada, colocar entre nós e o mundo uma defesa tão frágil quanto uma caixa de
papelão e observarmos a tudo com um olhar agressivo como uma espécie de autodefesa.
Os signos do
não-envolvimento estão presentes no curta ao explorar a iconografia do filme noir
(filmes policiais de detetives e mistérios do cinema norte-americano dos anos
40 e 50): o sobretudo e o chapéu como paliativos de proteção diante de um mundo
escuro que se dissolve todas as certezas na chuva.
Por que no curta o
homem solitário atira no homem-caixa? Talvez seja pela mesma lógica que nos faz
querer nos livrarmos da existência do Outro e os seus problemas. Um sociólogo
norte-americano chamado Philip Slater chamava isso de “pressuposto da privada”:
assim como nos livramos dos desejos apertando o botão da descarga do vaso
sanitário, também tentamos nos livrar dos problemas relacionados ao Outro (a
alteridade, pobreza, diferenças de opinião etc.) – leia do autor A Busca da
Solidão, Zahar, 1977.
No caso do curta The Box Man há um elemento a mais:
certamente o homem atirou no homem-caixa por que enxergou nele a sua própria
condição prisioneira em um cotidiano escuro e triste – ele provocou medo e
paranoia no homem solitário por lembra-lo da sua própria existência.
Há também no curta
uma alusão irônica a um quadro do pintor modernista Piet Mondrian: suas formas
abstratas e racionalistas com quadrados assimétricos reforçam o princípio
sufocante da vida do homem solitário: caixas, quadrados, muros, prédios e concreto.
Assim como
tentamos nos proteger das ameaças nos trancando em apartamentos, carros
blindados e condomínios cercados por altos muros – vivemos a vida inteira
também em caixas.
Ficha
Técnica
Título: The
Box Man
Diretor: Nirvan Mullick
Roteiro: Nirvan Mullick baseado no livro homônimo de Kobo Abe
Elenco: animação em stop motion
Produção: trabalho de conclusão da CalArts – California Institute of Arts
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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