Em 72 horas os maiores investimentos semiótico-ideológicos da grande
mídia foram desconstruídos: Sérgio Moro e Neymar Jr. O primeiro caiu na
armadilha do habeas corpus que supostamente iria soltar Lula. E o segundo, na
arapuca tautista midiática que fez o jogador acreditar que era intocável, até a
viralização do mote “cai-cai” em vídeos pelo mundo eliminá-lo junto com a Seleção. Duas
bombas semióticas: uma intencional (o objetivo não era soltar Lula, mas criar
um fato político para o mundo) e outra involuntária (efeito da blindagem
tautista da mídia e mercado publicitário). Al Pacino fazendo o papel do próprio demônio em “O Advogado
do Diabo” tinha razão: “a vaidade é meu pecado favorito...”. A vaidade dos juízes e do
jogador deixou-os cegos. A mídia sentiu o golpe: enquanto o Fantástico teve
que se desfazer de Neymar (“hoje não se tolera mais ludibriar o juiz”, fuzilou Tadeu Schmidt), Globo News começou a falar em “instabilidade jurídica” e
“politização do Judiciário”. Bombas semióticas perfeitas que produzem efeitos
fatais: detonação, letalidade, impasse midiático e dissonância cognitiva.
“Vaidade...
definitivamente é o meu pecado favorito!”, diz Milton, o Diabo disfarçado de
advogado em O Advogado do Diabo, 1999,
ao ver Keanu Reeves cair mais uma vez na mesma armadilha criada por ele no
início do filme.
Essa
foi a casca de banana jogada pelos advogados e deputados Wadih Damous e Paulo
Pimenta com o pedido de habeas corpus
no TRF-4. Em férias, o juiz de primeira instância Sérgio Moro caiu na verdadeira
arapuca da vaidade. Criou um imbróglio e expôs a autofagia do Judiciário.
Como
um verdadeiro homem-bomba, o desembargador plantonista Rogério Favreto
expediu o habeas corpus no domingo e
determinou a soltura imediata de Lula dos cárceres da PF de Curitiba. Moro
acusou o golpe e, desesperado e com orgulho ferido, ligou para o diretor-geral
da Polícia Federal para os carcereiros não acatarem a ordem. E em seguida,
também para o relator da Lava Jato no TRF-4, Gebran Neto.
Criado
o impasse, teve que entrar em cena o presidente do TRF-4, Eduardo Thompson
Flores (o campeão da Globo com uma entrevista de destaque ao Fantástico, antes do julgamento de Lula
em segunda instância no Tribunal Federal de Porto Alegre) para por fim à
“batalha de decisões”, o que só explicitou todo o freak out de juízes feridos no orgulho.
De
repente, todos voltaram de férias. Todos querendo ser o juiz de plantão,
reivindicando ser o juiz natural do processo – fogueira das vaidades: como
assim, um juiz petista vai libertar Lula depois que todos correram e leram
milhares de páginas de processos em tempo recorde para prender Lula antes das
eleições?
Tudo começou no triplex do Guarujá |
A estratégia do Empate
Quebra
de hierarquia e um cabo de guerra que poderiam ser sido facilmente evitados libertando
Lula para, em 24 horas, o STF indeferir a decisão do desembargador plantonista.
Mas a armadilha da vaidade foi bem armada: expos os intestinos do Judiciário, o
voluntarismo político de Moro, além de criar um explosivo fato político num
momento em que Lula estava “esquecido” pela grande mídia.
Bomba
semiótica perfeita, com timing mas,
principalmente, pela estratégia ativista do “empate” – tática intermediária
entre o pacifismo e o belicismo para criar um impasse institucional. Que
lembrou um outro gol anterior da esquerda: a invasão do triplex do Guarujá pelo
MTST e a Frente Povo Sem Medo em abril.
Lá a
ocupação criou um potencial impasse institucional (se o apartamento é de Lula, então
estavam autorizados pelo dono para invadirem; se não, quem vai pedir a retomada
de posse? – clique aqui). Mas aqui, na expedição do
habeas corpus, o impasse se
deteriorou em um cabo de guerra, quebra de hierarquia, desobediência e
posicionamento político explícito em decisões supostamente processuais.
Moro e a isca |
Era óbvio
que e a libertação de Lula cairia rapidamente no STJ. Mas era o que menos
importava. O ardil estava em outra cena, assim como em abril no Guarujá: lá,
foi o vídeo gravado no interior do tríplex desmentindo os supostos 1,2 milhões
investidos pela OAS; em Porto Alegre, a isca da vaidade que expôs a politização
do Judiciário. Tão politizado quanto a bomba semiótica de efeito retardado
jogada pelo PT.
Como
vimos na postagem anterior sobre a invasão do tríplex, a perfeita bomba
semiótica produz como efeito: Detonação, Letalidade, Dilema Midiático e
Dissonância Cognitiva.
(a) O timing da Detonação
Uma
bomba de efeito retardado aproveitando o timing da eliminação do Brasil na
Copa. A derrota brasileira foi à tarde. À noite, os advogados deram entrada com
o habeas corpus no TRF-4.
Aliás,
o mesmo timing da grande mídia: seguindo
a denúncia da Globo no portal G1 e no Jornal nacional na noite de sexta, a
mídia repercutiu a denúncia contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de
oferecer facilidades de serviços públicos para pastores, igrejas evangélicas e
fiéis. Além da Globo voltar ao bate-bumbo da Lava Jato no Estado do Rio.
Eliminada
a Seleção, a opinião pública sai do transe. Para a bomba semiótica da vaidade explodir
em pleno domingo.
Será
que a esquerda está aprendendo a lutar no mesmo campo simbólico da grande
mídia?
Valdo e Camarotti: pegos de surpresa nas suas residências gaguejando |
(b) Letalidade: Globo sentiu o golpe
Não
tem preço ver apresentadores e comentaristas de política da Globo News como Gerson
Camarotti e Valdo Cruz pegos de surpresa no domingo, falando de suas
residências via Internet, todos gaguejando e tentando costurar alguma narrativa
para dar sentido a tudo.
Primeiro,
tentando desautorizar o desembargador que determinou a soltura de Lula: filiado ao
PT por 19 anos etc. Argumento fraco, já que ministros como Joaquim Barbosa
foram indicados por Lula e nem por isso deixaram de colaborar com o golpe de
2016. Sem falar de juízes e ministros do STF com íntimas relação com políticos tucanos
flagrados em festas e eventos.
No mínimo, a esquerda estaria lutando com as mesmas armas tão familiares a seus adversários.
Segundo,
com o argumento de que o PT faz o jogo de “politizar decisões judiciais”.
Para no dia seguinte mostrarem que sentiram o golpe: Natuza Nery teve que admitir a “instabilidade
jurídica”, “quebra de hierarquia”, “cabo de guerra” e “politização do
Judiciário” que deve ser resolvida pelo STF com uma “mudança de legislação”...
Bola passada para a presidenta do STF Carmen Lúcia.
Mais tarde na TV aberta, no Jornal Nacional, o episódio nem mereceu figurar na escalada. Acabou espremido entre as notícias da Copa e da família real
inglesa... A Globo parecia tentar superar o dilema midiático do domingo, simplesmente não falando mais do assunto.
Como mostrar aquilo que se deseja esconder... |
(c) Dilema midiático: como noticiar aquilo que prova o que se pretende esconder?...
Típico
dilema, efeito do marketing de guerrilha que está na essência da bomba
semiótica: como sócia do consórcio jurídico-midiático que atualmente pauta a
vida política nacional, como deixar de noticiar um evento cuja própria
descrição desmente a narrativa dos comentaristas da Globo?
Todas últimas munições foram gastas para tentar provar que não havia “fato novo”
(a prisão de Lula que supostamente atrapalharia a isonomia entre os candidatos à eleição
presidencial), como justificou Rogério Favreto na expedição do habeas corpus. Porém, a própria
mobilização atabalhoada de juízes em tempo recorde para manter Lula preso
confirmaram que há, sim, um fato novo: a proximidade da campanha à presidência
com um dos candidatos preso.
Sentindo
esse dilema, o Jornal Nacional decidiu nem colocar o assunto na escalada da
edição de segunda-feira.
(d) Dissonância cognitiva: desconstrução da narrativa
Até
esse momento, a narrativa sustentada pela grande mídia era que todo o processo
judicial e a sentença que levou o ex-presidente à cadeia eram
“tecnicamente irrepreensíveis”, “imparciais”, resultado do “exame irretocável
das provas dos autos”.
A ação
desesperada, transformando magistrados em lutadores num ringue no qual tentavam, a todo custo, manter as aparências através de todas as “data vênias” que o “juridiquês” pode
proporcionar, foi a dissonância suficiente para contradizer a narrativa
dominante da imparcialidade – que nem os colunistas políticos conseguiram mais
sustentar: agora, clamam para Carmen Lúcia fazer alguma coisa para manter a
“estabilidade jurídica”.
Tadeu Schmidt: depois de defender em jogos anteriores, finalmente teve que despachar o Neymar |
Desconstruindo Neymar
A
grande mídia (liderada pela Globo) e o mercado publicitário criaram na mente de
Neymar Jr. a ilusória blindagem tautista. E mais uma vez, Al Pacino tem razão:
a vaidade é o pecado favorito do Diabo.
O
jogador sentiu-se no centro de todos os olhares com a narrativa midiática do
“craque caçado em campo”. Com toda a sua autoindulgência, esqueceu de jogar
bola graças à performance “overacting” ridicularizada no mundo inteiro. Tal como um ator canastrão. Quando
caiu em si (desculpem o trocadilho...), já era tarde.
Até a
Globo teve que despachá-lo com uma crônica, cheia de dedos e pisando em
ovos, feita pelo apresentador Tadeu Schmidt no Fantástico desse último domingo.
Mais
uma vez, a Globo sentiu o golpe. E ironicamente, enquadrando Neymar Jr. no
indefectível discurso anticorrupção que martela diariamente: “Houve um tempo
que era bonito ludibriar o juiz, não incomodava ninguém. Hoje, não se tolera
mais... que as imagens de Neymar no chão não escondam todas as jogadas e o
brilho que produziu...”, alertou Schmidt.
Ou
seja, para a Globo, Neymar foi corrupto, tentando enganar juízes na Copa.
Enquanto
isso, Moro e o imbróglio dos desembargadores some da escalada do telejornal da
rede.
A
esquerda está aprendendo a lutar no mesmo campo simbólico dos seus adversários.
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