O articulista Fernando Horta, do Jornal
GGN, publicou a postagem “Bomba Semiótica?” na qual questiona o conceito como
“um tremendo erro” ao colocar “a semiótica na frente do material”. Como “uma
teoria maravilhosa” na qual se “esconde fracassos no sucesso de alguém”, ao
fazer referência à repercussão política do desfile da Paraíso de Tuiuti. Como o
termo “bomba semiótica” foi criado por este “Cinegnose” a partir do cenário da
Guerra Híbrida no qual o Brasil foi alvo desde 2013, este humilde blogueiro faz
algumas correções em uma interpretação errônea do conceito.
Resposta à postagem “Bomba Semiótica?” de Fernando Horta (clique aqui) publicada no Jornal GGN em 16/02.
O articulista Fernando Horta consegue
identificar bombas semióticas como um fenômeno recorrente ao longo de
praticamente toda a História: foi a fotografia de 1972 de uma menina vietnamita
coberta por napalm; foi a publicação em 1852 do romance "A Cabana do Pai Thomas".
Foram também “bombas semióticas” os poemas do alcunhado “Boca do Inferno,
Gregório de Matos. E, mais distante no tempo, a “Divina Comédia” de Dante,
segundo Horta, “A maior bomba semiótica do século XIV”.
Todo esse esforço de memória para
comprovar que “bombas semióticas” não foram “invenções pós-modernas” e que “a
arte do protesto semiótico” é uma “carroça que não pode ser colocada na frente
dos bois”, isto é, “a semiótica não pode ser colocada na frente do material”.
Fernando Horta é egresso da área da História e
Relações Internacionais. Por isso, é mais um cientista que comprova a
dificuldade ainda hoje da Comunicação ser reconhecida como uma ciência por seus
objeto e métodos. Em outras palavras, a dificuldade em identificar a
especificidade do objeto e conceitos da Comunicação: ora, se tudo é comunicação e ela supostamente existiria desde as primeiras pinturas rupestres em cavernas,
logo a comunicação não existe como fenômeno específico – todas as outras
ciências podem dar conta dela.
Se bombas semióticas são “protestos
semióticos” desde, talvez, tempos imemoriais, logo ela não existe como fenômeno
materialmente determinado como os fatos políticos e econômicos. Ela é a carroça
que tem que ficar atrás dos bois: os fatos históricos concretos e determinados.
Politização da Semiótica
Paradoxalmente, “Bomba
Semiótica” não é conceito propriamente semiótico. É uma politização da
Semiótica na medida em que os seus conceitos são atualmente aplicados na
chamada “Engenharia de Opinião Pública”. Como acompanhamos desde o momento em
que o Brasil tornou-se alvo da Guerra Híbrida do Departamento de Estado dos EUA
e entrou na turnê das “primaveras” que pipocaram pelo planeta.
Não. Não foram
“pós-modernos” que a criaram, mas a Social
Engineering da Guerra Híbrida com a sua infernal articulação entre ONGs, spin doctors, paid experts, grande mídia e técnicas de ação direta nas ruas, como
testemunhamos desde as “Jornadas de Junho” de 2013.
“Bomba semiótica” foi uma
alegoria, que se tornou conceito, criada por este Cinegnose em 2013, quando este humilde blogueiro iniciou uma
espécie de crônica com 51 postagens acompanhando como as ações diretas dos
“protestos” nas ruas se articulavam como uma cobertura midiática na qual
repórteres iam a campo com uma pauta pré-determinada para enfiar à fórceps os
fatos às expectativas dos “aquários” das redações – clique aqui.
Como Fernando Horta defende,
não devemos colocar carroças adiante dos bois. Bomba semiótica não surgiu como
um protesto mas de uma deliberada ocupação do campo semiótico (ou “simbólico”,
como queiram) da sociedade pela Guerra Híbrida norte-americana e pelas buchas
de canhão da direita brasileira – MBL e congêneres.
Bomba semiótica é um
fenômeno determinado no tempo e no espaço. Sua eficiência, ou seu “meio
material”, se dá porque seu poder explosivo está na atual cultura midiática
viral – explode por contágio em uma, por assim dizer, semiosfera marcada pelo
tempo real das redes.
Bem diferente da foto da
garota vietnamita, em um contexto da cultura midiática publicitária de
fotos-choque e fotos-sedução em meios de comunicação de massas, ainda marcada
como instrumento de doutrinação – seja política ou de consumo.
E muito diferente de “Cabana
do Pai Tomás” ou poemas de Gregório de Matos, de uma era da cultura tipográfica
na qual a maioria era analfabeta.
Cultura midiática viral
Até esse momento, bombas
semióticas nada tiveram a ver com “protestos”. E nem elas são fenômenos
isolados como uma fotografia, livros ou poemas. São instrumentos de um esforço
coordenado e amplo de conquista de corações e mentes pela ocupação do campo
midiático pela atual tática de guerra híbrida (ação direta + ocupação semiótica).
Se não consideraríamos, por
exemplo, “O Capital” de Karl Marx a maior “bomba semiótica” do século XIX que
mudou a face política do século XX.
E muito menos a atual
estratégia das bombas semióticas tem paralelo com as ações coordenadas na mídia
implementadas pelo complexo IPES-IBAD (com apoio logístico e de inteligência
dos EUA) para desestabilizar João Goulart (1962-64) e desfechar o golpe
militar. Naquele momento, as ações coordenadas na TV, cinema e mídia impressa
seguiram a receita hipodérmica da repetição de slogans para doutrinação de
massas.
Assim como, ainda, as ações
políticas da esquerda respiram essa atmosfera de protestos de rua com palavras
de ordem, bordões e slogans repetitivos.
Bomba semiótica é um
fenômeno de ocupação e intervenção política novo, em sintonia com a cultura
midiática viral: ela não visa a propaganda doutrinária, mas a contaminação
viral pelo pânico, boatos, rumor, fake
news e assim por diante.
Por isso, buchas de canhão
como Kim Kataguiri ou Alexandre Frota não precisam e não querem interlocutores.
Aliás, o oponente é mera escada para eles “falarem” com as massas por meio da
provocação mediante a criação de um acontecimento – o “acontecimento
comunicacional”, o resultado final da explosão da bomba semiótica. Não há um
esforço para convencimento ou persuasão, mas de criar repercussão e
“agendamento” – de “agenda setting”, a estratégia de eventos midiáticos criarem
pautas para conversas interpessoais ou nas redes.
Em termos mais diretos,
enquanto a esquerda está no paradigma do humor de bordões repetitivos da
“Escolinha do Professor Raimundo”, EUA e as buchas da direita estão no humor do
“Porta dos Fundos” que faz parodias de temas virais.
Se não, o que dizer da
galhofa do MBL ao defender William Waack: “pelo direito de ser racista entre os
amigos!”...
Por isso, a repercussão do
desfile da escola Paraíso Tuiuti ainda não foi uma bomba semiótica, mas uma
prova da potencialidade de uma ocupação do campo semiótico também pelas
esquerdas. De lutar no mesmo campo.
Carros e bois
E para encerrar, a dualidade
descrita por Fernando Horta entre “carroças” e “bois” ou entre Semiótica e a
realidade material dos protestos de rua faz lembrar a velha dualidade da
leitura ortodoxa do marxismo entre infraestrutura dos meios e relações sociais
de produção e a superestrutura ideológica.
Ocupação do campo semiótica
pela esquerda nada tem a ver com isso. Tal ação política implicaria em ações
simultâneas como já foi comprovando com ações de ativistas políticos envolvendo
táticas de “media prank” e “culture jamming” – sobre isso clique aqui.
Durante as ocupações de
escolas públicas em 2015 em São Paulo, estudantes secundaristas começaram a
ocupar simultaneamente diferentes cruzamentos da cidade. Ao mesmo tempo em que
recusavam a dar entrevistas à grande mídia.
O que criou um “jamming” tanto midiático quanto na logística da ação
repressiva policial. Enquanto isso, os jovens secundaristas (cujo conceito de
TV aberta ou mídia de massa nada significa como atestou esse humilde blogueiro
em uma aula dada numa das escolas ocupadas – clique aqui) partilhavam fotos e
mensagens nas redes sociais.
Ocupação de ruas, escolas,
praças etc. de nada adiantam sem uma correlata ocupação do campo semiótico da
sociedade – têm que se converterem em “acontecimentos comunicacionais”.
Tuiuti nada tem a ver com
gente que cria “teorias maravilhosas” e bate palmas para “pobres” que fazem
aquilo que deveríamos fazer. Tuiuti foi apenas a evidência de um campo de
ocupações e luta política potencial que se abre: a esquerda criar sua própria
estratégia de detonação das próprias bombas semióticas.
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