Temer, Rodrigo Maia, Dória Jr., Lula, FHC, Mário Covas. O que esses
políticos têm em comum com as evoluções e regressões da teledramaturgia,
principalmente da Globo, que moldou o imaginário coletivo brasileiro? Partindo
da premissa de que por décadas a percepção do brasileiro médio foi moldada pela
teledramaturgia, será que a performance dos políticos refletiria as mudanças
das técnicas de atuação dos atores nas novelas? Ou em outros termos: será
que a verossimilhança e a credibilidade dos discursos e performances que
levaram esses políticos à cena pública é tirada do realismo ou do melodrama da
linguagem das telenovelas? A canastrice entra em cena na política e torna-se um
fenômeno pouco discutido pela ciência política ou propaganda. Um elemento
subliminar: até que ponto políticos canastrões, caricaturas de caricaturas,
ganham força não por ideologias ou virtudes, mas pela semelhança com a
canastrice original do cinema e TV?
Hitler
e Mussolini emulavam o cinema mudo; Jânio Quadros fazia uma espécie de paródia
dos trejeitos dos filmes do francês Jacques Tati; e o presidente Collor de
Mello em 1990 era uma espécie de versão tropical do yuppie
do mercado financeiro Gordon Gekko, protagonista do filme Wall Street (1987).
Como
cópias de outras cópias, eram performances exageradas, caricaturas da
caricatura, overacting. Em síntese, canastrice. Mas apesar de tudo isso, foram
personagens políticos que mobilizaram a opinião pública, lideraram movimentos
políticos e seduziram eleitores.
Como
explicar que personagens de atuações tão vazias e caricatas, que racionalmente
pensando, não conseguiriam transmitir qualquer credibilidade a qualquer
discurso, conseguiram conquistar corações e mentes?
Toda a
cena política parece ser mal produzida e esteticamente brega, com deputados e
senadores tão críveis como um vendedor de carros usados com seus ternos de
cortes retos, peitos empolados como um apresentador Silvio Santos ou Raul Gil.
Além das demonstrações kitschs de poder como o inacreditável vídeo da quase
ministra Cristiane Brasil ao lado de empresários fortões no convés de um iate – cristalizando uma certa concepção de riqueza glamorosa de telenovelas.
O poder da canastrice é uma noção
que deveria ser levada mais a sério pela ciência política. Walter Benjamin
afirmava que a estetização da política era a principal estratégia do fascismo:
tanto os astros como os ditadores se dirigiram às massas a partir e através do
cinema.
Hitler, Mussolini e Jânio Quadros emulando o humor histriônico do cinema mudo e o comediante Jacques Tati |
“A humanidade preparou-se séculos
para Victor Mature e Mickey Rooney”, disse certa vez, cinicamente, Theodor Adorno sobre o
poder hipnótico dos atores canastrões. Astros do cinema mudo como Chaplin, Max
Linder, O Gordo e o Magro e os Keystone Cops prepararam o terreno para as
performances caricatas dos ditadores do século XX.
Exatamente nesse ponto
reside a canastrice na política: certamente Hitler e Mussolini se inspiraram
nas gags visuais dos gênios do cinema mudo. Mais tarde, de forma overacting,
exagerada, kitsch e artificial (características da canastrice)
trouxeram para a realidade o que viram nas telas. E com trágicas consequências
que foram bem além do entretenimento.
Credibilidade e verossimilhança
Se na propaganda política não
existe a verdade, mas a credibilidade, certamente esta não é criada pela
virtude ou idealismo do líder político. Mas pela sua verossimilhança: a forma
como sua performance, fotogenia e composição visual remetem à fotogenia ou
telegenia das primeiras representações da realidade feitas pelo cinema e TV.
Certamente no caso brasileiro,
marcado pelo monopólio televisivo cujo veículo é praticamente a única mídia
através da qual a população busca algum tipo de informação e entretenimento, as
telenovelas sempre funcionaram como uma espécie de horizonte da percepção e
verossimilhança.
Ao lado de programas de auditório
com seus apresentadores folclóricos, tornaram-se modelos não só para corações e
mentes. Mas também para a própria percepção: olhar para a realidade e
percebê-la a partir de referências anteriormente feitas dela pelo cinema e TV.
O que é verossímil, e, portanto, “real”, é aquilo que remete aos estereótipos
midiáticos.
Canastrice na hiper-realidade
A canastrice na política é
tributária da hiper-realidade: a maneira pela qual personagens do mundo
cotidiano (do CEO ou executivo de uma empresa a políticos, presidentes e
ministros) se refletem a ficção midiática. E eleitores e opinião pública,
acostumados com os simulacros televisivos e fílmicos, os veem como verossímeis
e críveis... por serem iguais a personagens da ficção.
Então, como entender a fauna
humana que ocupa o atual Congresso e a camarilha que ocupa o Executivo? Para
além da questão do golpe político e da implementação a toque de caixa da amarga
receita neoliberal das reformas, como foi possível tais personagens construírem
uma carreira política e terem se tornado homens públicos? Alguns por muitas
décadas.
Hipótese desconcertante: partindo
da premissa de que por décadas a percepção do brasileiro médio foi moldada pela
teledramaturgia da maior rede de TV do País, a Globo, a performance dos
políticos refletiria as mudanças das técnicas cênicas de atuação dos atores nas
novelas.
Realismo e melodrama da TV na política
A emergência de um conjunto de
políticos como Lula, FHC, Mário Covas, de um lado, e do outro um grupo de
indivíduos como Temer, Jucá e congêneres, por exemplo, representariam o
contraste entre duas formas de atuação na história da teledramaturgia
brasileira: o realismo versus melodrama.
Versão canastrona de um meme é prefeito de São Paulo? |
Dos políticos populistas da era
Vargas até os presidentes generais e ministros tecnocratas da ditadura militar,
todos refletiram o antigo imaginário das radionovelas e a impostação de voz radiofônica.
“Que os ricos sejam mais ricos
para, por sua vez, os pobres sejam menos pobres”, dizia um general no célebre
documentário “Brasil: Muito Além do Cidadão Kane” (clique aqui). Declaração absurda, mas
tornada verossímil pela locução em estilo radiofônico. Foi uma época marcada
pelas velhas fórmulas dos melodramas de rádio cubanos e mexicanos que
influenciou o início das telenovelas brasileiras nos anos 1950-60.
Lula e a safra de políticos da sua
geração como FHC e Mário Covas são políticos de um período no qual as
telenovelas moldaram o imaginário dos brasileiros com uma teledramaturgia mais
realista, mais próxima da crônica do que do velho melodrama – anti-heróis, pobres que
sobem na vida, o infiel, o mulherengo etc. Modernização cujo ponto de partida
foi a novela Beto Rockfeller da TV
Tupi em 1968.
Lula, FHC e Mário Covas: safra de políticos que refletem a nova teledramaturgia realista |
Mário Covas, espontâneo, mal
humorado, explosivo e ranzinza; Lula, o metalúrgico de voz áspera e grave cuja leitura
pelas massas foi de alguém que subiu na vida como uma espécie de, por assim
dizer, “meritocracia de esquerda” – pelo menos foi essa leitura que a periferia
de São Paulo fez de Lula ao votar em João Doria Jr que emulou na campanha o
trabalhador que subiu na vida (clique aqui); e FHC, o estereótipo de
intelectual para classes médias, péssima dicção e uma espécie de Professor
Girafales do humor mais realista da série mexicana Chaves – o papel que FHC desempenhou por dois mandatos como o
sociólogo que chegou à presidência, cortejando intelectuais pelo mundo como
Manuel Castells e Bruno Latour, foi impagável...
Globo manda realismo às favas
Sincronicamente, no momento em que a
Globo manda às favas o realismo tele-dramatúrgico de três décadas retornando ao
melodrama com atores em atuações carregadas (estratégia
desesperada para tentar recuperar audiências aproximando-se da linguagem das séries
Netflix), chega a camarilha do desinterino Michel Temer ao poder.
Globo: de volta ao melodrama. Sincronismo com a canastrice política da camarilha Temer? |
Performances exageradamente estudadas,
autoconscientes, peitos empolados ao melhor estilo dos apresentadores de
auditório, ternos de corte reto e muito ajustados ao corpo, queixos levantados
e lábios apertados em movimento circunflexo e outros truques baratos de curso
de oratória – mãos abertas levadas à altura da barriga para enfatizar uma
suposta sinceridade, lábios estalando para criar pausas enfáticas... Aaaarghh!
Talvez nessa trupe golpista a performance mais
autêntica e tributária ao realismo tele-dramatúrgico dos bons tempos das
telenovelas globais seja a do presidente da Câmera dos Deputados Rodrigo Maia:
olhar perdido e cara de sonso, um tique de maneio com a cabeça como se o colarinho
ou a gravata estivessem permanentemente apertados e mãos que nunca sabem onde
ficar. Uma performance que lembra o Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz),
inesquecível personagem de O Bem Amado
(1973) de Dias Gomes – o típico anti-herói das crônicas.
Para a
Ciência Política, o poder sempre foi um espaço teatral de representações e
dissimulações. Mas agora a Política está no campo da simulação: sua
credibilidade e verossimilhança está na semelhança com personagens do mundo da
teledramaturgia. E como caricatura de outra caricatura, sua força não está mais
em ideologias ou na propaganda: está na canastrice como fator subliminar de
inversão entre ficção e realidade.
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