À
primeira vista a explosão de uma bomba caseira atada ao corpo de
um homem em estação de ônibus e metrô em Nova York parece ser mais do mesmo: um
não-acontecimento (aqueles fatos que são relações públicas de si mesmos) com
timing, ambiguidades, anomalias, a indefectível narrativa do “lobo solitário” etc. E um
homem que se explode “acidentalmente” e sobrevive apresentando um aspecto de um
personagem de desenho animado chamuscado. Mas Donald Trump deu o toque de
novidade: imediatamente após o suposto atentado, um tweet no qual o próprio
presidente sugere que o episódio foi uma “fake news”, atacando os canais CNN e
MSNBC. Uma curiosa “Meta-False Flag”? Por que Trump acusa de “fake news” um
episódio no qual saiu ganhando? Para a grande mídia, o “atentado” foi
retaliação contra o anúncio da transferência da embaixada dos EUA para cidade
santa de Jerusalém. Ou mais um “não-acontecimento”, desta vez com objetivo de desviar a atenção
da opinião pública da derrota norte-americana diante da tática de dissuasão
nuclear da Coréia do Norte?
Depois de
Trump declarar guerra, de ameaçar ter perdido a “paciência estratégica” com a
Coréia do Norte, de ter chamado Kim Jong-un com bravatas do tipo “cachorrinho
doentio” e os colunistas e analistas da grande mídia darem manchetes de que o
“ataque dos EUA é inevitável”, de repente a potencial Terceira Guerra Mundial
saiu da pauta dos telejornais.
Primeiro,
porque com as demonstrações do arsenal nuclear norte-coreano (sem falar na
superioridade numérica das tropas daquele país) e as esperadas represálias
apocalípticas de uma deflagração atômica (principalmente após Trump prometer
“armar o Japão” para derrubar os mísseis balísticos de Kim Jong-un) teríamos um
cenário que os estrategistas militares chamam de “destruição mútua assegurada”.
E
segundo: percebendo que estava enredado no típico “nó tático” da velho xadrez
da dissuasão nuclear da era da Guerra Fria e que, em questão de tempo, sem
conseguir apertar o gatilho do início da guerra, perderia espaço na mídia,
Donald Trump criou a não-notícia de transferir a Embaixada dos EUA em Israel
para Jerusalém. O que legitimaria o desejo de Israel em transformar a cidade
santa em sua capital.
O que
previsivelmente despertou o ódio das massas religiosas muçulmanas (com os
esperados protestos violentos de palestinos nas ruas jogando pedras contra a
repressão policial israelense, prontamente mostrados pela mídia), enquanto para
muçulmanos aliados como os Estados Árabes os interesses rentistas são muito
superiores aos religiosos.
Protestos palestinos e a explosão em Nova York: os dois lados de um não-acontecimento |
A invenção do terrorista: “Mera Coincidência”
Ao criar o factoide da embaixada em Jerusalém,
Trump agiu comOo o presidente do filme Mera
Coincidência (1997 – para desviar a atenção da opinião pública de um
escândalo sexual o presidente dos EUA inventa uma guerra contra um “país
terrorista”, com apoio de Hollywood), a grande mídia morde a isca da velha
pauta-clichê “O choque Ocidente versus Oriente” e desvia a atenção da derrota
de Trump diante da dissuasão nuclear com a Coréia do Norte.
Até aqui nenhuma novidade. Principalmente com
a notícia de uma explosão de uma bomba caseira atada ao corpo de um homem (um
suspeito chamado Akhayed Ullah, hindu de 27 anos que vive há sete anos na área
do Brooklyn) em um terminal de ônibus e metrô perto da Times Square, Nova York,
na última segunda-feira.
Cinco
pessoas ficaram feridas, além do próprio Akhayed que sobreviveu à explosão e
foi levado sob custodia da polícia.
E também
não é novidade a conexão imediata feita pela mídia corporativa com a crise
político-religiosa provocada por Trump em torno da cidade de Jerusalém. O
atentado teria sido o começo das retaliações dos muçulmanos contra o Ocidente
pela defesa desesperada da sua terra santa.
Anomalias de um não-acontecimento
Claro, o
suposto atentado em Nova York também preenche a maioria dos indicadores de mais
um não-acontecimento – entenda-se esse conceito como fatos que se tornam
relações públicas de si mesmos como se estivessem destinados na sua origem à repercussão
midiática:
(a) ambiguidade (fator viral para a viralização: fala-se em “ação
inspirada no ISIS” ao mesmo tempo afirma-se que Akhayed “não tinha conexões com
o terrorismo internacional”, enquanto a grande mídia incontinente diz o
contrário);
(b) timing (no momento em que as imagens dos protestos palestinos
circulam o planeta);
(c) o “terrorista” como um “lobo solitário”;
(d) a rapidez
como a grande mídia e autoridades qualificam o episódio como “atentado
terrorista";
(e) estereotipagem do “suspeito” como um sujeito, feio e malvado
RAVs – Russos, Árabes e Vilões em geral.
Além
disso, o episódio guarda anomalias semelhantes aos atentados em Londres, Paris
e Berlim:
(a) como sempre, os “terroristas” são facilmente identificáveis –
inclusive Alkhayed possuía uma licença da Taxi and Limousine Comission, de
março de 2012;
O "terrorista" saiu de algum desenho animado? |
(b)
Contrariando ao tradicional desfecho mortal dos terroristas (suicídio ou morto
pelos próprios policiais), este de Nova York explodiu (diz-se que foi
acidental) uma bomba caseira presa a seu corpo, ferindo cinco pessoas, mas
inacreditavelmente sobreviveu! O mais estranho é a foto “oficial” do suspeito
sendo algemado pelos policiais, mostra apenas a camiseta rasgada e o abdômen
sujo pelo pós escuro da suposta explosão – não vê-se sangue, lacerações,
queimaduras esperados de um artefato que detona junto à pele. Lembra muito mais
os personagens de desenho animado cujas bombas explodem e o rosto fica apenas
preto...
(c) A
grande mídia descreveu o subsequente “caos”, “pânico” e “desespero” das pessoas
fugindo da explosão e que se espalhou por todo o local da passagem subterrânea.
Mas todas as fotos divulgadas dizem o contrário: pessoas calmamente caminhando
como fosse mais uma aborrecida segunda-feira. A mesma anomalia foi verificada
no atentado de junho desse ano em Londres – um homem caminhava calmamente com
um copo de cerveja na mão – clique aqui.
A grande
mídia qualifica tudo isso como “fleuma” ou “símbolo da determinação dos
moradores da cidade”...
Pessoas fazendo self e caminhando como mais uma aborrecida segunda-feira... mas a mídia descreveu caos e pânico. |
O tweet de Donald Trump
Mas a principal anomalia (que aponta para uma
novidade nessa explosão em Nova York) é o primeiro tweet de Donald Trump após o
episódio:
“Outro história falsa, que desta vez caiu o @NYTimes, eu assisto televisão 4-8 horas por dia – Errado! Raramente, ou nunca, assisto a CNN ou MSNBC, ambos considero Fake News. Nunca assisto Don Lemon, que uma vez chamei de “o homem mais idiota na televisão!”. Bad Reporting”.
Segundo a
secretaria de imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, no momento desse tweet
Trump já estava informado sobre a situação – clique aqui.
Estaria Trump
criando teorias conspiratórias? Estaria também acusando o episódio de False
Flag? O que seria irônico, afinal a explosão beneficia sua própria estratégia
midiática de esconder com um cortina de fumaça o fracasso no affair Coréia do Norte.
Aliás, aconteceram “dissidências” no mainstream
como, por exemplo, no ataque em Manchester quando o analista político da CNN,
Paul Cruickshank, afirmou que “deve ser considerado que nos últimos meses na
Europa houve uma série de ‘false flags’ nos quais a direita tenta culpar os
islâmicos pelo terrorismo. Vimos isso na Alemanha há semanas” – clique aqui.
Mas Trump é bem esperto, na qualidade de ser um personagem, ele próprio,
criado pela mídia de entretenimento, por exemplo, como estrela do reality show O Aprendiz.
Ostensividade cênica para a explosão "acidental" de uma bomba caseira |
Em postagens anteriores deste Cinegnose sobre os diversos atentados
analisados como não-acontecimentos (veja links ao final dessa postagem)
levantamos a hipótese do “Meta-terrorismo” - atentados deixariam, de forma
autoconsciente e planejada, ambiguidades, “assinaturas”, lacunas e falhas para
gerarem “teorias conspiratórias” e repercussão.
Agora Trump parece ir além, ao criar uma espécie de “Meta-False Flag”:
paradoxalmente negar uma False Flag afirmando-a – principalmente pelo perfil,
por assim dizer, polêmico de um personagem em pé-de-guerra com o mainstream midiático.
E pela resposta do jornal Washington
Examiner, esse objetivo de Trump foi atingido em cheio:
“Trump não devem fazer suposições com tweets logo após os ataques terroristas. Deve twittar que vamos enfrentar o ISIS e terroristas. Não precisamos de um tweet do presidente repreendendo uma história ou sobre seus hábitos televisivos. Precisamos de liderança presidencial em tempos difíceis como hoje”, concluiu Siraj Hashami em sua coluna de Opinião – clique aqui.
Se diante dos atentados de 2001 a reposta do presidente
George Bush ao saber dos ataques foi a indiferença (recebeu a notícia e fingiu
ler um livro didático infantil em evento em uma escola na Flórida), Trump deu
outra reação paradoxal: reagiu negando o próprio acontecimento como uma Fake
News.
Em outros termos: ao reagir ao episódio como uma false
flag, Fake News ou não-acontecimento, conseguiu afirmá-lo, arrancando da grande
mídia a resposta que certamente ele gostaria de ouvir: “precisamos de liderança
presidencial em tempos difíceis como hoje”.
Isso deve soar como música aos ouvidos de Trump. É o
resultado de uma bem sucedida (e paradoxal) engenharia de opinião pública: dar
substancialidade a um não-acontecimento por meio da própria negação.
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