sábado, novembro 08, 2014

Física e Metafísica se encontram no filme "O Enigma do Horizonte"

“O Enigma do Horizonte” (Event Horizon, 1997) é uma ficção científica curiosa. Mal recebida pela crítica, a produção de Paul Anderson, que segue a linha de terror sci fi iniciada por “Alien” em 1979, junta alusões a clássicos como “Solaris” de Tarkovsky e “2001” de Kubrick. Mas por trás de camadas de explosões e clichês de terror espacial, há uma interessante combinação de física e metafísica, Cosmologia e Teosofia: um portal dimensional que curva o tempo-espaço não nos levará para novos mundos ou dimensões. Apenas revelará os nossos infernos íntimos, capazes de criar mundos etéricos que podem nos aprisionar. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

No livro Uma Breve História do Tempo, o físico Stephen Hawking define o “horizonte de eventos” como a região fronteiriça de um buraco negro, a fronteira da região do espaço-tempo a partir da qual não é possível escapar. E Hawking comenta: “Pode-se dizer sobre o horizonte de eventos a mesma coisa que o poeta Dante disse da entrada no Inferno: Vós que entrais aqui, abandone todas as esperanças”.

Esta frase foi o ponto de partida do roteiro do filme O Enigma do Horizonte do diretor Paul Anderson (Resident Evil, Alien versus Predador). Numa audaciosa combinação do filme Solaris (1972) de Andrei Tarkovsky com o terror de Clive Barker de Hellraiser (1987) e com muitas alusões visuais ao clássico 2001: Uma Odisséia no Espaço de Kubrick. Paul Anderson tentou se enveredar por um subgênero da ficção científica iniciado por Alien de Ridley Scott em 1979: o terror sci fi, típico subgênero pós-moderno que abandona o otimismo futurista da ficção científica para sugerir um destino sombrio do progresso tecnológico – lá no futuro o homem encontrará monstros, predadores e o horror.


A frase falada de forma sombria pelo cientista que projetou a tecnologia que é o tema principal do filme (um buraco negro artificial), é sintomática: “Eu criei a Event Horizon para alcançar as estrelas, mas ela nos levou para algo muito, muito, muito mais além...”.

O filme O Enigma do Horizonte ficou marcado pela crítica como uma produção que prometeu muito mais do que poderia entregar. O filme foi reduzido em meia hora pela Paramount e no seu relançamento em DVD em 2006 alguns fotogramas dessas sequências cortadas e perdidas da edição original foram divulgadas, imagens sangrentas e de embrulhar os estômagos mais fracos. O que demonstra a pretensão inicial do diretor em se aprofundar no tema de Hellraiser – portais dimensionais que nos conduzem a reinos do caos e terror.

Além de um projeto ambicioso que pretendia alinhavar uma série de alusões a filmes clássicos sci fi, o filme sugere alguns contatos entre a física e metafísica que afinal estava tão em voga no final do século passado em filmes como O Décimo Terceiro Andar, Cidade das Sombras e o próprio Matrix: os buracos negros e a curvatura tempo-espaço não criariam apenas um atalho no Universo para chegarmos rapidamente a pontos distantes. A curvatura poderia revelar que na verdade o cosmos é um Multiverso, podendo nos conduzir a outras dimensões tragicamente imprevisíveis.

O Filme


No ano de 2040, a nave experimental Event Horizon desaparece perto de Netuno. Sete anos mais tarde a tripulação da nave USAC Lewis & Clark é enviada em missão secreta, depois de a Event Horizon misteriosamente ter reaparecido. Comandada pelo capitão Miller (Laurence Fishburne), também está a bordo o cientista Dr. William Weir (Sam Neil) que projetou e construiu a Event Horizon.

Dr. Weir revela que a Event Horizon não explodiu (como divulgado oficialmente) mas simplesmente desapareceu. A nave foi construída com o objetivo de ser mais rápida que a luz, através de uma unidade gravitacional que dobraria o espaço-tempo por meio de um buraco negro artificial. A nave poderia se mover de um ponto a outro do Universo instantaneamente. O objetivo da missão era chegar ao sistema de Proxima Centauri.

Eles encontram a Event Horizon intacta. Porém, ao entrarem nela à procura do diário de bordo encontram corpos da tripulação com olhos arrancados e os corpos mutilados, além de sangue e carne humana dilacerada nas paredes da ponte de comando.

Inesperadamente o núcleo gravitacional da nave começa a funcionar sozinho, vitimando um dos astronautas da equipe de resgate e provocando uma explosão que racha o casco da Lewis & Clark, obrigando-os a permanecerem na sombria Event Horizon, com um estoque de oxigênio que só durará 20 horas.

Estranhas alucinações começam a acometer cada tripulante da equipe, todos relacionados com sentimentos de culpa e tormentos pessoais:  Peters tem a visão de seu filho aleijado e com as pernas cobertas de feridas supuradas; Miller é confrontando com a visão de um homem em chamas e ainda vivo pedindo ajuda para ele; Dr. Neil vê a sua esposa que se suicidou em uma banheira. Lembrando o filme Solaris, a nave parece ter um estranho poder de materializar as culpas e remorsos mais íntimos de cada um.


Aos poucos, todos vão chegando a uma conclusão sinistra: a Event Horizon não foi e voltou de Proxima Centauri. O Portão dimensional aberto pela experiência fez a infeliz tripulação daquela nave não só saltar para uma outra dimensão, mas entrarem no próprio Inferno descrito por Dante e pela Igreja. E trouxeram de volta o Mal, corporificado na própria nave espacial.

Universo ou Multiverso?


Em uma sequência inicial o Dr. Weir tenta explicar à tripulação da Lewis & Clark como é possível viajar numa velocidade superior a da luz. “Fale em linguagem clara”, replica o Capitão Muller percebendo que ninguém da sua tripulação entendia os termos de física. Então, Dr. Weir tenta ilustra sua ideia pegando uma folha de papel, dobrando as extremidades de um papel para representar a curvatura tempo-espaço e como os pontos A e B, antes distantes na folha, ficam sobrepostos.

A questão é que o Dr. Weir, assim como a Cosmologia, pensa as questões relativísticas ou quânticas em termos de Universo – um verso, extenso como a folha de papel. No máximo pensam em diferentes “dimensões” ou diversos tempo-espaço convivendo juntas no Universo por causa de diversas curvaturas produzidas por elementos densos capazes de deformar a gravidade como buracos negros, sois ou quasares.

A Event Horizon demonstrou que o Dr. Weir estava errado: a curvatura tempo-espaço não só abriu um portal para outra folhas curvadas ou dimensões paralelas, como também abriu o inferno íntimo de cada um dos tripulantes. Esse parece ser o principal tema do filme, por trás de muitas camadas de explosões, ação e os clichês tradicionais de terror sci fi.

Multiversos abririam infernos íntimos?


As concepções cosmológicas de multiverso são muito anteriores à ciência moderna. Por exemplo, o gnóstico Basilides (120 D.C.) falava de um deus supremo que emanou diversas realidades e seres que ocupam “365 céus”, cada qual com seu Arconte - ser de natureza inferior que chefia espíritos inferiores e éons, capazes de dotar o homem apenas com a psique (alma sensível), mas não com o pneuma (alma racional).

Antes disso, Jesus falava que “na casa do meu Pai há muitas moradas”, conectando essa “multiversalidade” com uma nova ética: a do perdão, compaixão e amor ao próximo.


O espiritismo kardecista vai interpretar essa frase de Jesus como uma pluralidade de mundos espirituais que se interpenetram: mundos puramente espirituais, moradas de espíritos desencarnados, moradas físicas etc.

Mas parece que o filme O Enigma do Horizonte se aproxima mais da concepção Teosófica da combinação sutil dessa pluralidade de mundos com os corpos mental e espiritual dos indivíduos. Cada mundo é uma realidade etérica moldada por nossas formas-pensamento. Ressentimentos, dor, culpa, remorso etc. poderiam criar mundos que nos aprisionam, criando um inferno íntimo e ao mesmo tempo externo, criando formas-pensamento capazes de estruturar mundos – sobre isso clique aqui e aqui.

Filmes como Amor Além da Vida (What the Dreams May Come, 1998) ou A Passagem (Stay, 2005) já exploraram esse tema onde as múltiplas dimensões seriam espirituais, etericamente moldadas por formas-pensamento, capazes de criar mundos infernais.

Tal como no clássico Solaris, os sentimentos de culpa e remorsos de cada tripulante da Event Horizon criou uma nova dimensão de punição. O portal dimensional não levou a tripulação para “novos mundos, indo onde nenhum homem jamais esteve” (como dizia a célebre abertura da série televisiva Jornada nas Estrelas), mas para os seus próprios infernos íntimos. Culpa e remorsos criaram seus próprios Arcontes, formas-pensamento para puni-los sangrentas sessões de tortura e morte. 

E os olhos são simbólicos no filme: todas as vítimas têm seus olhos arrancados, numa clara alusão ao personagem da mitologia grega Édipo que, culpado por ter reconhecido Jocasta como sua própria mãe e casado com ela, fura seus próprios olhos.

Parafraseando o Dr. Weir, a tripulação da Event Horizon viajou até as estrelas, mas encontrou algo muito mais além... o seu inferno íntimo.


Ficha Técnica


Título: O Enigma do Horizonte (Event Horizon)
Diretor: Paul Anderson
Roteiro: Philip Eisner
Elenco: Laurence Fishburne, Sam Neil, Kathleen Quinian, Jason Isaacs
Produção: Paramount Pictures
Distribuição: Paramount Filmes (DVD)
Ano: 1997
País: EUA




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