O curta
metragem “BlinkyTM - Bad Robot” (2011) dirigido pelo irlandês Ruairi Robinson segue a
trilha temática análoga ao filme premiado pelo Oscar “Ela” de Spike Jonze: a relação
mágica e fetichista com os gadgets tecnológicos. Se no filme de Jonze um
usuário se apaixona por um sistema operacional, no curta de Robinson uma
criança acredita na promessa de um anúncio publicitário de que um robô de
estimação será capaz de reunificar a sua família, cujos pais estão em
constantes brigas. O curta é uma ótima oportunidade para discutir os efeitos do
descompasso entre os modelos de família perfeita apresentados pelo discurso
publicitário e as relações reais entre pais e filhos. Curta sugerido pelo nosso
leitor Felipe Resende.
Em um futuro
próximo toda casa terá um robô ajudante capaz não só de entreter seu filho como
de também fazer o almoço. Mas não se preocupe. É perfeitamente seguro... mas,
cuidado com o que você pedir para ele: o robô poderá interpretar ao pé da letra
o que você desejar e as consequências podem ser imprevisíveis.
O diretor e
animador irlandês Ruairi Robinson (indicado ao Oscar em 2002 com o curta Fifty Percent Grey) com o curta BlinkyTM - Bad Robot nos sugere como pode ser
perigosa a combinação dos velhos problemas humanos com a moderna tecnologia,
não só incapaz de resolvê-los como ainda podendo ampliá-los. Máquinas e seus
programadores são incapazes de inserir julgamentos éticos ou morais entre os O
e 1 das codificações. Mas os usuários dos gadgets
tecnológicos não veem dessa maneira e passam a ter uma relação fetichista ou
mágica, acreditando que aplicativos, programas ou robôs irão misticamente
encontrar soluções para nós.
E o curta BlinkyTM nos mostra como perigosa poderá
ser essa combinação entre a frieza denotativa dos códigos e a nossa expectativa
mágica em relação aos gadgets
tecnológicos - assista ao curta abaixo.
A promessa publicitária
Robinson nos
conta a história de um garoto chamado Alex (Max Records), perturbado com a
ausência dos pais, sempre emocionalmente distantes com suas intermináveis
discussões. É Natal quando ele vê na televisão um anúncio do novo modelo de
robô chamado Blinky, “empregado, ajudante e amigo, eles nos reaproximou e nos
tornou uma família mais unida”. Ele interrompe mais uma das discussões dos pais
para pedir o robô Blinky como o seu presente de Natal. Na sua ingenuidade,
acredita que o pequeno robô com cara do emoticom Smile será a solução para sua
família disfuncional.
Mas as coisas não
correm como o desejado: os pais continuam discutindo e ele começa a ficar
entediado com a voz monocórdica de Blinky e a pequena variedade de jogos
programados. Decepcionado, Alex descontará no pequeno robô toda a insatisfação
com seus pais como, por exemplo, deixar Blinky no meio da chuva numa infinita
contagem retroativa num jogo de esconde-esconde que nunca começa... Mas o que Alex não percebeu no anúncio da TV
é que o diferencial de Blinky é possuir uma personalidade própria – e Alex
descobrirá isso da pior maneira possível.
Famílias publicitárias felizes e pais ausentes
O curta de
Ruairi Robinson propõe para discussão o problema dos chamados pais ausentes e a
construção das imagens de famílias ideais na publicidade. O historiador
norte-ameriano Christopher Lasch talvez tenha sido um dos primeiros
pesquisadores a tematizar as consequências desse descompasso entre os modelos
de paternidade perfeita oferecidos pela mídia e a qualidade das relações reais
entre pais e filhos.
Enquanto nos
comerciais de margarinas, cereais matinais e sabão em pó vemos pais atentos e
carinhosos com os filhos e mães preocupadas com a brancura da camisa com que o
filho vai para a escola, no dia-a-dia encontramos o contrário: pais esgotados e
ausentes com jornadas de trabalho estressantes e filhos solitários entregues à
TV, games de computadores ou em tempo integral na escola.
Culpados com
esse descompasso entre os modelos midiáticos e a realidade, os pais partem para
estratégias de compensação materiais, satisfazendo os filhos com tudo o que
lhes dá na telha.
Lasch argumenta
que o problema não se resume unicamente a “crianças mimadas”: ao tratar as
crianças como “propriedades exclusivas” como forma de mitigar a culpa, os pais
evitariam o que se chama “mecanismo de frustração favorável” – o momento em que
a criança descobre que os pais não são infalíveis, estimulando-a a cuidar de si
mesma, desenvolvendo autoconfiança e maturidade.
O excesso de
cuidados e presentes levaria a criança a ter uma percepção contraditória dos
próprios pais: de um lado são solícitos dando coisas e proteção, mas, de outro
lado, há pouco calor emocional real e espontaneidade. Na verdade, todo excesso
de solicitude paterno se originaria da culpa, deixando as relações familiares
inautênticas como se tentassem se aproximar de um inatingível modelo midiático.
O jogo esquizofrênico
A grande
virtude do curta BlinkyTM é mostrar a
certa altura como essa percepção contraditória de Alex com relação aos seus
pais é descontada no pequeno robô: seus pais dizem amá-lo, mas a mãe perde a
paciência com ele e o ameaça de se não arrumar a bagunça “vou fazer Blinky
limpar e cozinhar você para o jantar” – cuidado com o que você diz a um robô...
ele não entende metáforas!
Alex fará esse
mesmo jogo esquizofrênico com o robô, dando ordens contraditórias até levar a
pobre máquina a uma disfunção recursiva (o popular “deu pau!” em um
computador), obrigando-o a ressetar a máquina.
Lasch apresenta
no seu livro clássico A Cultura do
Narcisismo (no Brasil editado pela Imago em 1983) uma situação
contemporânea paradoxal: a ausência dos pais produziria simultaneamente uma
idealização da paternidade perfeita. A situação real da falência dos pais em
suprir os filhos de autêntico carinho e afeto acaba se transformando em
justificativa da imaturidade e vitimização do jovem, ao colocar todas as suas possíveis
mazelas futuras no fracasso dos pais em não corresponder à paternidade ideal,
principalmente àquela oferecida pela Publicidade.
A relação
mágica que Alex vai criar com o robô Blinky é o reflexo dessa idealização: para
ele o robô seria a varinha de condão que reuniria a família, aproximando-a do
modelo da família perfeita do anúncio publicitário do robô.
Seguindo essa
linha de raciocínio aberta por Lasch, poderíamos argumentar que a relação
fetichista e mágica que os indivíduos têm com as mercadorias em geral e com as novas
tecnologias em particular (principalmente aquelas ligadas à Inteligência
Artificial e aplicativos de uso cotidiano) poderia ser o resultado desse
descompasso entre os pais reais e os midiáticos. A crise dos mecanismos de
frustração favorável e a decorrente imaturidade emocional favoreceriam os
indivíduos na sociedade de consumo a terem relações fetichistas com os produtos
como fossem varinhas de condão com poder mágico de transformar relacionamentos
e a própria vida.
Filmes como Ela de Spike Jonze tematizam essa
relação fetichista com aplicativos e gadgets “inteligentes”, customizados e
“amigáveis” a tal ponto que Jonze constrói um protagonista que cria uma relação
emotiva com um sistema operacional.
O curta explora
uma engraçada ironia que esconde um grande simbolismo: um robô engraçado (que
parece o resultado do cruzamento de um emoticom do smile com o robozinho R2-D2
da série Star Wars e um fantoche) transforma-se em uma máquina psicopata. Se
projetamos magicamente nos objetos nossos fetiches e esperanças de renovação,
eles em reposta revelam apenas a frieza metálica e a indiferença dos códigos de
programação.
Blinky revela
uma secreta astúcia: ele nada mais é do que uma máquina, feita para quebrar,
voltando-se contra seu dono que investia imaginariamente nele tantas
esperanças. Por isso, o simpático robozinho Blinky é o Frankenstein
pós-moderno.
Ficha Técnica |
Título: Blinky
(curta metragem)
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Direção: Ruairi Robinson
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Roteiro:
Ruairi Robinson
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Elenco: Max
Records, Jenni Fontana, James Nardini, Ruairi Robinson (voz de Blinky)
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Produção: Image Now Films, Irish Film Board
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Distribuição: on line
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Ano: 2011
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País: Irlanda
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