O conceito
criado por esse humilde blogueiro e a razão da existência desse blog – a noção
de “cinegnose” – foi transformado em verbete no “Dicionário da Comunicação –
segunda edição revista e ampliada”, lançado na semana passada pela Editora
Paulus. Juntamente com os verbetes “filme gnóstico” e “adgnose”, também criados nas pesquisas do blog, o "Dicionário
da Comunicação" organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho abre a
oportunidade para que as pesquisas sobre as confluências entre Gnosticismo,
Cinema e Comunicação que foram iniciadas pelo “Cinema Secreto: Cinegnose” se
fortaleçam e ganhem espaço dentro dos estudos científicos da área. As pesquisas
iniciadas por esse blog se juntam, portanto, às pesquisas da chamada Nova
Teoria da Comunicação: o estudo do fenômeno comunicacional como acontecimento e
transformação pessoal e coletiva. E para o blog, a abertura para fenômenos
espirituais como a gnose.
Na semana
passada foi lançado em São Paulo o Dicionário
da Comunicação - segunda edição
revista e ampliada, pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro
Marcondes Filho da ECA/USP. Esse humilde blogueiro fez parte dos 80 colaboradores
nacionais e internacionais que trouxeram novas correntes de pesquisas e olhares
para a comunicação, incluindo diferentes linhas de pensamentos.
Nesta nova
edição do dicionário esse blogueiro que escreve essas mal traçadas linhas foi
convidado a transformar em verbetes alguns conceitos desenvolvidos por esse
blog dentro do nosso projeto de convergência dos conceitos da Teoria da
Comunicação e Cinema com o Gnosticismo: “adgnose”, “filme gnóstico”,
“cinegnose”, “arquétipos contemporâneos”, “agenda tecnocientífica”, “cinema
esquizo”, além de conceitos tradicionais da ciência da comunicação como “agenda
setting” e “mitologia” – no sentido dado pelo semiólogo francês Roland Barthes.
Presença do organizador do Dicionário, o Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho |
Na edição
anterior de 2009 já havíamos escrito o verbete “tecnognose”, o
primeiro verbete referente às pesquisas sobre Gnosticismo, tecnologia e cultura
desenvolvidos por esse blog.
A publicação
desses verbetes derivados das nossas pesquisas entre Gnosticismo, Comunicação e
Cinema é importante, pois busca tornar mais precisos conceitos que trabalham em
um terreno muito movediço como a percepção, o imaginário, o psiquismo e o
espiritualismo. Acreditamos que a Comunicação é um fenômeno que vai muito além
da técnica de transmissão de mensagens de um emissor para um receptor. Mais do que
estudar processos de transmissão, as novas teorias da comunicação tentam cercar
e isolar fenômenos cada vez mais incorpóreos como “espírito”, “força cega”,
“corpo sem órgãos”, “contínuo midiático atmosférico” etc.
Merleau-Ponty e a segunda metafísica: nova teoria da comunicação |
Há uma dimensão
metafísica na Comunicação que necessita ser explorada. Mas essa natureza
metafísica não deve ser tomada no sentido tradicional platônico como busca de
essências atemporais que estariam acima esse mundo. O desafio é inserir os
fenômenos da Comunicação naquilo que se chama a segunda metafísica representada
por escritores como Marcel Proust e pensadores como Henri Bergson e
Merleau-Ponty: encontrar na própria experiência
ou percepção uma dimensão pré-cognitiva e extralinguística, uma dimensão metafísica
paradoxalmente presente na própria experiência sensível.
Para os
propósitos desse blog, essa “dimensão metafísica” que estaria presente no
fenômeno da Comunicação envolveria não somente aspectos perceptuais ou de
afecção, mas além disso, uma dimensão mística ou oculta. Esse blog em muitos
momentos vem procurando fazer essa conexão da Comunicação com o
sincromisticismo, parapolítica e Gnosticismo como abordado em algumas postagens
como a discussão da série espírita Nosso Lar com a Comunicação e Política (clique aqui para ler) ou
as dicussões sobre sincromisticismo, efeito copycat e a mídia (clique aqui para ler)
Vamos fazer um
pequeno resumo dos principais conceitos-chave criados por esse blog e que foram
transformados em verbetes na nova edição do Dicionário
da Comunicação.
1- Adgnose
Abordagem
publicitária contemporânea em que narrativas e de técnicas de linguagem
audiovisual mobilizam, através de recursos retóricos, um conjunto de símbolos
arquetípicos que serão traduzidos como “motivações”; fonte de energia psíquica
que é aprisionada e aglutinada em narrativas e imagens que configura uma nova
ideologia do consumo, agora sintonizada com o imaginário do autoconhecimento e
autoajuda.
Na adgnose temos a imaterialidade plena do produto. Para além dos
valores e estilos de vida, algo mais profundo, no espírito, deve ser
mobilizado: os arquétipos, quer dizer, símbolos do inconsciente coletivo
aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais profundas da espécie
humana, tal como sugerido pela psicologia profunda de Carl G. Jung. Vivenciar
um arquétipo seria como conectar-se a uma rede simbólica do “inconsciente
coletivo”. Sobre esse conceito leia: “Adgnose:
a engenharia do espírito na Publicidade”.
2 – Agenda tecnocientífica
A
agenda tecnocientífica sugere a hipótese de uma consonância entre o conjunto de
temas e narrativas de produções cinematográficas e audiovisuais e o escopo
tecnocientífico da sua época, criando uma verdadeira agenda onde imaginário e
tecnociência passam a manter múltiplas correspondências.
A
cinematografia deste início de século parece expressar nas suas narrativas
fílmicas uma agenda tecnológica contemporânea em que não apenas generaliza o
modelo computacional como se fosse o próprio modelo cognitivo de funcionamento
da mente, mas também pretende criar modelos simulados de funcionamento cerebral
a partir de verdadeiras cartografias e topografias da mente. Trata-se do esforço multidisciplinar envolvendo as
neurociências, ciências cognitivas, cibernética, inteligência artificial e teoria
da informação para desvendar não só o funcionamento da mente como também
procurar um modelo de simulação que permita compreender a dinâmica dos
processos mentais e da consciência, mas também, principalmente, manipulá-la e
controlá-la. São filmes que parecem expressar essa agenda tecnocientífica ao empreenderem uma verdadeira geografia alegórica dos
processos mentais. Sobre esse conceito leia: “Geografias
interiores: cartografias e topografias da mente”.
3 – Cinegnose
Dentro
dos estudos sobre as conexões entre o cinema e o audiovisual com a experiência
do sagrado e do religioso, o conceito de cinegnose tem a ver com a
possibilidade de a experiência que envolve a recepção tanto do conteúdo ou da
forma da narrativa fílmica como da atmosfera criada pela projeção ou pela
transmissão do produto fílmico ou audiovisual possam criar estados de
transcendência. Trata-se da criação de novos mundos e atmosferas abrindo
um espaço cada vez maior para conteúdos que exploram o fantástico, o
espiritual, mundos extraterrestres e estados alterados de consciência. Conceito
relacionado à tendência dos filmes que trabalham com argumentos, narrativas e
mitologias gnósticas cuja busca de iluminação (gnose) do protagonista conduz a
diversos conteúdos espirituais e metafísicos.
O
cinema contemporâneo vem desenvolvendo narrativas que rompem com o chamado
realismo clássico, transcendendo os limites de alguns aspectos da construção
tempo-espaço cartesiano-newtoniano, indo além do espaço tridimensional
delimitado: mudanças da realidade temporal espacial (Donnie Darko, Kelly, 2001; Feitiço
do Tempo, Ramis, 1993), descontrução da realidade consensual (Matrix, irmãos Wachovski, 1999; Quero ser John Malkovich, Jonze, 1999),
inter-relações de fatos normalmente percebidos como eventos discretos e sem
causalidade (Magnólia, Anderson, 1999;
Timecode, Figgis, 2000) e natureza
relativa da percepção da realidade (Amnésia,
Nolan, 2000). Sobre esse conceito leia: “A
experiência cinematográfica pode ser transcendente?”.
4 – Cinema Esquizo
Conjunto
de filmes marcado por narrativas paranoicas e protagonistas psiquicamente
instáveis e marcados pela revolta e cinismo. Ao mesmo tempo, esses filmes
também ganhariam força pelos traços esquizoides presentes no próprio
dispositivo cinematográfico, linguagem e recepção cinematográfica.
Basicamente, Hollywood permitiu, em três momentos, a produção dos
filmes esquizos: primeiramente, no filme noir
das décadas de 1930-40 (em que surgiram os três modos de representação do mal-estar
contemporâneo na figura de três protagonistas arquetípicos contemporâneos: o
viajante, o detetive e o estrangeiro. Depois, nos anti-heróis revoltados,
desequilibrados e cínicos dos anos 1970 - de Sem Destino (Hopper, 1969) a Scarface
(Brian de Palma, 1983) – e, por fim, no último revival nas décadas 1990-2000, representado pelo súbito interesse de produtores de Hollywood por
escritores gnósticos como Philip K. Dick e Cornac McCarthy. Nesse grupo constam
respectivamente O homem duplo (Linklater,
2006) e A estrada (Hillcoat, 2009), e
roteiristas como Charlie Kauffman – de Quero
ser John Malkovitch (Jonze, 1999) e Brilho
eterno de uma mente sem lembranças (Gondry, 2004. Com temas profundos,
simbologias e iconografias gnósticas*, os diretores como David Lynch - Inner
Empire (2006) e Mulholland Drive (2001) - e Scorsese (Ilha do Medo, 2010).
Sobre esse conceito leia “Uma
história do cinema esquizo”.
5 – Filme Gnóstico
Conjunto
de filmes de variados gêneros cuja característica unificadora é a recorrência
de “elementos gnósticos” correspondentes tanto às narrativas míticas
cosmogônicas e morais dos principais pensadores do gnosticismo histórico
(Basilides, Valentim e Mani), como a diversos simbolismos místicos ou
esotéricos associados ao sincretismo do chamado gnosticismo hermético.
A produção cinematográfica principalmente norte-americana recente
conta com diversos filmes que giram em torno dessa mitologia. Os temas incluem,
frequentemente, conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia e paranoia.
Demonstra um interesse por uma ambivalente relação entre o sujeito e a
realidade, consciência (especialmente alterada por estados de consciência
iluminados) e revolta contra sistemas autoritários de controle. Filmes como Cidade das sombras (Dark City, Proyas, 1998), a
Vida em preto e branco (Pleasantville,
Ross, 1998), Show de Truman (Truman Show, Weir, 1998), Vanilla Sky (Vanilla Sky, Crowe, 2001),
entre outros, apresentam uma ideia geral de que o mundo que percebemos é uma
ilusão criada por alguém que não nos ama e que a chave para revelar a ilusão e
descobrir a realidade reside numa forma de autoconhecimento ou iluminação.
Sobre esse conceito leia: “Cinema
Secreto: Cinegnose faz a lista dos melhores filmes gnósticos”.
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