sexta-feira, outubro 28, 2011

Um Manual de Manipulação no Filme "Como Fazer Carreira em Publicidade"


Em plena era triunfal do Neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, o filme "Como Fazer Carreira em Publicidade" (How to Get Ahead in Advertising, 1989) foi muito mais do que uma voz dissonante. Apresenta de forma didática um verdadeiro manual de táticas de manipulação e de engenharia de opinião pública.“Porque sou aquele que tira o fedor de tudo, exceto da merda”. Essa é uma das definições dadas para a Publicidade nessa provocadora comédia de humor negro. Um filme obrigatório para ser visto e discutido em qualquer curso de Comunicação Social.

Realizado pela produtora britânica Handmade Films (fundada pelo ex-Beatle George Harrison em 1978 para financiar filmes do grupo de humor Monthy Python), o filme é uma envolvente combinação de sátira, Freud e horror ao som de uma sinfonia de órgão de Gustav Holst e uma estranha versão da música “My Generation” do The Who. 

Pela sua narrativa repleta de linhas de diálogos, além de Cult, o filme acabou se convertendo num verdadeira listagem de técnicas de manipulação da chamada “engenharia de opinião pública”.


O Filme


No maravilhoso mundo da publicidade inglesa, Dennis Bagley (Richard E. Grant) é um yuppie com alfaiataria impecável e fama de gênio. Arrogante e com uma rotina de luxuosos jantares para amigos promovidos pela sua esposa Julia na casa de campo nos arredores de Londres, inexplicavelmente Bagley tem um súbito bloqueio criativo para uma campanha de creme para espinhas. 

O prazo final para a apresentação se aproxima, a empresa do creme ameaça retirar a conta da agência com os seguidos adiamentos. Bagley entra em pânico, não consegue dormir, fica paranoico: “não pensarei mais em grandes espinhas, espinhas ocultas ou espinhas de garotas gordas”, repete como um mantra em sua cabeça, mas nada adianta. 

Começa a ficar cada vez mais agressivo e histérico até o colapso mental.

Munido de escova e sabão, nu e apenas com um avental pretende “limpar” todas as marcas da Publicidade da sua casa. E mais, decide eliminar o mundo publicitário da sua vida, pedir demissão e denunciar para o mundo como o “Big Brother” invadiu nossas casas através da TV. 

Mas tudo se complica ao descobrir que desenvolve uma enorme espinha no seu pescoço e que ela começa a falar e ficar fisionomicamente cada vez mais parecido com ele. A espinha é rude, desbocada, ameaçadora, ou seja, exatamente o Bagley que ele começou a odiar em si mesmo.


As discussões entre a espinha e Bagley são impagáveis: ela o acusa de “comunista” por preferir trens aos automóveis poluidores e que não deixará Bagley destruir as conquistas da civilização tais como “a liberdade de mercado e de decisão do consumidor”. “Você quer tirar os carros das pessoas!”, acusa a espinha.

Mas a espinha do pescoço de Bagley tem um projeto sinistro: crescer até substituir a cabeça que será extraída cirurgicamente. Dessa forma, a espinha tomará o controle para por em prática táticas ainda mais radicais de Propaganda e Marketing e resolver de vez a campanha do creme para espinhas. E, de quebra, ainda engravidar Julia para que tenha um “bebê-espinha”.

Ao longo dessa narrativa “non sense” e bizarra, o filme “Como Fazer Carreira em Publicidade” faz um verdadeiro inventário de técnicas de manipulação da informação e dos desejos dos consumidores na moderna engenharia de opinião.

1- A Técnica da Vidraça Quebrada

Argumento central do filme: “acerte uma pedra na janela e então bata na porta e venda alarmes contra ladrões”. “Se quer vender a bomba deve, em primeiro lugar, vender o medo”. “Ninguém na publicidade quer acabar com as espinhas. Elas são pequenas coisas que rendem dinheiro”. Ou seja, antes de inventar um produto deve-se criar a necessidade. E depois de criada, deve ser retroalimentada. 

Mulheres que fazem dietas radicais são encorajadas pela Publicidade a pequenas recompensas: “elas merecem, pois qualquer um que viva sob 1200 calorias diárias merece um pequeno prazer. Vá em frente, engula um bolo de passas. E então a culpa baterá e então viremos com nossa dieta. Isso é vicioso que completa um maravilhoso ciclo”, afirma categórico Bagley.

2 – A “Lógica do Papai Noel”

Termo criado pelo pensador francês Jean Baudrillard no seu livro “Sociedade de Consumo”. Para ele, toda a lógica de persuasão publicitária estava numa espécie de alívio do sentimento de culpa por meio de álibis sutilmente sugeridos ao consumidor para que ela possa exercer livremente sua impulsividade e compulsividade. Não cremos em Papai Noel, mas, ao menos, a sua figura nos serve com álibi para justificar o consumismo natalino. 

Nenhum consumidor crê em slogans, mas eles são ótimos para justificar (para si mesmo e diante dos outros) como álibis nossos impulsos. 



No filme, a espinha neoliberal que assume o controle de Bagley propõe uma tática radical de marketing: glamorizar as espinhas. Um vídeo é produzido com uma cantora obesa e repleta de espinhas no rosto cantando “My Generation”. Uma “Heroína com Espinhas”.  Retirando a culpa do consumidor, criam-se mercados e a galinha dos ovos de ouro nunca morre. A Lógica do Papai Noel é uma técnica que complementa da tática da “Vidraça Quebrada”.

3 – O produto deve prometer mais do que pode cumprir

“Tudo que temos a fazer é oferecer a esperança de acabar com espinhas”. É a chamada “estética do valor de uso”, a miragem da realização plena de uma utilidade. Seja pela obsolescência planejada do material ou do desejo, o produto deve ter uma data de validade. O desejo é realizado até um certo ponto para deixar, sempre, uma pequena frustração final. 

A miragem da espuma branca (mito da limpeza) no comercial, obriga a dona de casa a colocar mais detergente na esponja para produzir o mesmo efeito, o que faz o produto acabar mais rapidamente. A frustração pode se reverter em raiva a uma marca específica (esse detergente “não rende”!), mas reforça o mercado como um todo ao fazer o consumidor procurar outras marcas que, no final, se equivalem num setor cada vez mais cartelizado.

4 – O discurso do “talvez”, “possivelmente”, “pode” ou “poderá”

Voltando para casa em um trem, Bagley discute com três “gentlemen” típicos ingleses. Eles leem uma notícia em um jornal sobre uma batida policial em uma festa com “orgia de drogas”em Paddingnton onde uma jovem foi encontrada nua na cozinha com seios lambuzados de pasta de amendoim e com uma bolsa contendo resina de canabis e que talvez contivesse ainda uma quantidade de heroína”. 

Bagley discute a locução “talvez”: “você acreditará que a heroína estava na bolsa porque a canabis também estava”. É a manjada técnica do cínico “teste das hipóteses” inventado por Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo. Locuções adverbiais de dúvida são perfeitas ligações entre um fato e uma hipótese, induzindo o receptor a acreditar que está diante de uma prova factual. 

É o atual “jornalismo declaratório” muito em voga com a onda moralista dos denuncismos na grande imprensa.


5 – A tática da racionalização terapêutica 

Bagley entra em pânico com a espinha desbocada e ameaçadora. Julia leva-o a um psicanalista após ter sido sedado por um psiquiatra (ironicamente com um rosto parecido com o de Freud). Lá, Bagley tenta explicar sua convicção da aliança da Publicidade com o “Grande Irmão” para o psicanalista que, com ares de superiora compreensão, diagnostica seu delírio como o resultado de um “sentimento de culpa com o avô” e anuncia duas medidas: 
“Agora precisamos reduzir essa culpa de duas maneiras: primeiro, isso precisa ser extraído cirurgicamente e, segundo, precisamos extrair sua consciência punitiva...”. 

Tática do discurso terapêutico da autoajuda onde o indivíduo é sempre o disfuncional e a sociedade e instituições são sempre racionais. Mal estar e pensamento crítico são rotulados como resultantes de “sentimentos de culpa”, “derrotismo” ou “dó de si mesmo” que devem ser extirpados, deletados ou simplesmente anestiados com antidepressivos. Sintomas são tratados como doenças, ou seja, o discurso terapêutico baseia-se numa inversão lógica: a causa é explicada pelo sintoma.



6 – Messianismo ou “Adapte-se ou você está ferrado!” 

 O discurso final de Bagley finalmente dominado pela vitoriosa espinha/cabeça neoliberal é um modelo dos atuais discursos messiânicos das novas ondas tecnológicas, gerenciais ou econômicas.
“O mundo é um shopping, se não tem preço não tem importância. Não há liberdade maior do que a liberdade de escolha. Fui educado nisso e também você será. Você não quer liberdade? Não quis sempre estradas? Deus, nunca mais andarei de trem enquanto estiver vivo. Estradas representam o direito fundamental do homem de ter acesso às boas coisas da vida. Sem estradas não haveria mais detergentes, leite longa vida, aerosóis (...) Jesus Cristo, não haveria mais carros, as pessoas amam carros e têm o direito disso se trabalham duro durante todo o dia. Têm direito às inovações tecnológicas. Como ousam querer tirar isso das pessoas. Por cristo, enquanto tiver ar no meu corpo, terão tudo isso, terão o maior, o resplandecente, o melhor. Por Deus, eu farei e não pararei até Jerusalém ser erguida aqui na verde e agradável Inglaterra!”
Esse discurso messiânico religioso típico da implantação do consenso neoliberal da era Thatcher e Reagan em que foi produzido o filme está presente até hoje em cada  novidade como um fatalismo histórico, extermínio do passado. “Adapt or Toast!”
Por isso, “Como Fazer Carreira em Publicidade” é um filme obrigatório para ser visto e discutido em qualquer curso superior ou de pós-graduação em Comunicação Social. 

Em plena era da afirmação e euforia do Neoliberalismo da década de 1980 com as desregulamentações de mercados e da valorização moral da cobiça e da ambição, esse filme foi uma voz dissonante. 

No final, seu humor negro que associa pústulas cheias de pus com táticas de manipulação foi profético ao denunciar as poderosas mídias como “venenosos porta-vozes” de um mundo onde até o ar terá seu preço.


Ficha Técnica
  • Título: Como Fazer Carreira em Publicidade (How to Get Ahead in Advertising)
  • Diretor: Bruce Robinson
  • Roteiro: Bruce Robinson
  • Elenco: Richard E. Grant, Rachel Ward, Richard Wilson
  • Produção: HandMade Films
  • Distribuição: Anchor Bay Entertainment
  • País: Reino Unido
  • Ano: 1989

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review