Sempre ouvimos dizer que “a vida é um jogo”. Mas e
se essa frase for mais do que uma metáfora e nesse exato momento estivermos
todos nós vivendo em um jogo desenhado por alguém que está em algum ponto num
futuro distante? Tão velha quanto a história humana, a ideia gnóstica de que a
realidade é uma ilusão retorna através das leis da Inteligência Artificial e a
evolução dos games de computador: Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, e Richard Terrile, da NASA, apontam para evidências de que o Universo seria uma
gigantesca simulação de um game de computador cósmico e que o salto qualitativo na capacidade
dos nossos computadores nos permitiria repetir a experiência da simulação de mundos,
assim como o nosso. Tal hipótese explicaria inconsistências e mistérios que
cercam o nosso cosmos, como, por exemplo, a natureza da “matéria escura”.
Ciência e gnosticismo mais uma vez se encontram, dessa vez no fascínio atual
pelos games de computador. Pauta sugerida pelo nosso leitor André De Paula Eduardo.
De acordo com as teorias de dois pesquisadores
também distantes no tempo e espaço, um acadêmico de Oxford (Inglaterra) e um
cientista da NASA (EUA), haveria uma certeza matemática que estamos imersos em
uma simulação intrincada criada por seres (aliens ou mesmo seres humanos) que
existem em algum lugar distante no futuro a partir de 30 anos até cinco milhões
de anos. Seríamos como um passa-tempo desses futuros seres, a sua versão de um roler-playing como um World of Warcraft.
Uma
ideia alucinante com o velho toque da cosmologia gnóstica da antiguidade (o
homem como prisioneiro em um cosmos criado por um demiurgo enlouquecido que se
diz Deus), mas em suas defesas esses pesquisadores argumentam que a hipótese
não é mais rebuscada do que acreditarmos na religião que nos diz que Deus criou
as terras e os céu. Ou de que tudo surgiu de uma enorme explosão que começou a
esticar o tecido do espaço como um balão, formando trilhões de galáxias e, por
pura sorte, surgiu o ser humano, como nos informa a teoria do Big Bang.
Nick Bostrom |
As
ideias do filósofo Bostrom já são conhecidas por esse blog (clique
aqui para maiores detalhes): basicamente, sua hipótese baseia-se no
conceito da consciência como “substrato independente” – os estados mentais não
se restringem apenas a animais ou humanos. A consciência (inteligente e
senciente) poderia residir tanto num cérebro orgânico, de silício ou magnético.
Poderíamos afirmar que a essência continua a mesma, o que modificaria seria o
veículo de manifestação. Se ele estiver certo, um poderoso computador
extraordinariamente complexo poderia alcançar esse estado de consciência.
Um
estado de consciência que permitiria chegar ao ponto onde entidades digitais
viveriam em um mundo simulado, num game, como se estivessem em seu próprio
mundo real, sencientes e autônomos.
Richard Terrile da NASA e a "Lei de Moore" |
Lei de Moore e o Universo simulado
Nesse
ponto a hipótese de Bostrom se completa com a do pesquisador da NASA Rich
Terrile: “Se fizermos um simples cálculo usando a Lei de Moore [que sustenta
que os computadores duplicam sua capacidade a cada dois anos] você encontrará
esses supercomputadores, dentro de uma década, com a habilidade de computar
completamente 80 anos da vida de alguém, incluindo cada pensamento, num espaço
de um mês”, afirmou Terrile em entrevista para a Vice Magazine.
E
Terrile continua:
“Nesse momento, os computadores da NASA conseguem alcançar o dobro da velocidade de um cérebro humano. (...) Se a cada seis a oito anos temos um novo PlayStation, teríamos em 30 anos um PlayStation 7 capaz de calcular 10.000 vidas humanas simultaneamente em tempo real. Há quantos PlayStations em todo o mundo? Mais de 100 milhões certamente. Então pense em 100 milhões de consoles, cada um contendo 10 mil seres humanos. Conceitualmente, isso significa que poderíamos ter mais seres humanos vivendo em PlayStations do que humanos vivendo sobre a Terra hoje”.
Para
Terrile o mundo natural se comporta de forma análoga aos games de computadores.
Assim como na mecânica quântica onde as partículas só possuem um estado
definido somente quando são observadas, da mesma forma no game Grand Theft Auto
4 nos vemos em Liberty City apenas o que precisamos vê-lo, abreviando todo o
jogo para o universo do console. Mas Terrile fez o cálculo de quão grande é a
cidade, verificando que é um milhão de vezes maior do que o PlayStation 3.
Tempo e espaço pixelados
Para
o pesquisador da NASA, isso explicaria o porquê de relatos de cientistas
observando pixels nas mais ínfimas imagens microscópicas: “O Universo também
tem o tempo, espaço, volume e energia pixelado. Existe uma unidade final que
não pode ser quebrada em outra unidade ainda menor, o que significa que o
Universo é feito de um número finito dessas unidades. Se o Universo é finito,
então pode ser computável. E se ele se comporta de forma finita somente quando
é observado? Então a questão é: ele está sendo calculado?”.
A
ideia de que o nosso próprio Universo seja um game de computador alienígena ou
de alguém no futuro resolveria alguns mistérios ou inconsistências que cercam o
cosmos.
Mais seres humanos vivendo em PlayStations do que na Terra? |
A
primeira seria o chamado “Paradoxo de Fermi”, proposto pelo físico Enrico Fermi
(o primeiro a controlar a reação nuclear) na década de 1960, que expõe uma
contradição entre a aparentemente grande possibilidade de existir civilizações
extraterrestres com o nosso crescente conhecimento sobre o Universo e a
ausência de contatos ou evidências de vida alienígena.
“Onde
está todo mundo?”, perguntou certa vez Fermi. A hipótese de Terrile demonstraria
que na verdade a Terra e a espécie humana seriam os verdadeiros centros do
Universo, os protagonistas solitários de um game cósmico.
A “Matéria Escura” é a grade da simulação?
Também
a ideia do Universo virtual poderia explicar o mistério da chamada “Matéria
Escura”, hipótese criada para a Física explicar uma série de anomalias em
partículas e forças.
O
chamado “Modelo Padrão” da Física atual conta-nos que há 17 partículas
fundamentais que estruturam a matéria. Mesmo com a descoberta da “partícula de
Deus” (o bóson de Higgs) entre essas 17 partículas, ainda esse Modelo Padrão
continua sem conseguir explicar propriedades desconcertantes do Universo –
incluindo o fato que o Universo se expande a uma velocidade cada vez maior.
A
Matéria Escura seria como uma grade que uniria toda a matéria visível. Se fosse
comprovada sua existência, explicaria totalmente as forças gravitacionais e
porque as galáxias giram em alta velocidade. E nas hipóteses de Bostrom e
Terrile, a grade sobre a qual se estruturaria esse game computacional cósmico.
A
Matéria escura seria a estrutura mais básica do mundo real, a grade sobre a
qual alguém de fora da simulação calcularia e implementaria mundos virtuais.
O"zeitgeist" gnóstico dos games
Mas
o filósofo e professor de ciência computacional de Oxford, Peter Millican,
contesta essa hipótese: “Se o mundo é uma simulação, então por que as super-mentes
que estão do lado de fora da simulação poderiam implementar os mesmo métodos e
pensamentos como os nossos? Não podemos concluir que a estrutura em grade do
Universo é uma evidência. Por que super-mentes construiriam um game cósmico de
forma semelhante à maneira como estruturamos nossos games de computadores?”.
Mas
ironicamente a crítica de Millican chama a atenção para o núcleo gnóstico que
dá força e fascínio para as ideias de Bostrom e Terrile, uma mitologia que já
foi o zeitgeist de filmes como Matrix
e O Décimo Terceiro Andar: a antiga cosmologia gnóstica que via o
Universo como mundos dentro de mundos – o professor gnóstico Basilides (que
viveu entre 117 e 138 DC) defendia que o Universo era composto por 365 “céus”,
onde um plano desconheceria a existência do outro.
Terrile
acredita que sua hipótese é “inspiradora”: “estamos à beira de nos tornarmos
capazes de criar um universo simulado, e ao mesmo tempo vivendo dentro de uma
simulação, a qual seus criadores poderiam estar em outra simulação. O que me intriga é que se há um criador, poderemos ser também nós. Isso significa que
somos ao mesmo tempo Deus e servos de Deus. E isso é inspirador”.
Na
antiguidade a Alquimia foi uma forma do homem galgar os degraus que o fariam
retornar às suas origens divinas – através da manipulação dos estados
alquímicos da matéria, repetir o processo de criação divina a partir do caos
primordial (nigredo) até alcançar rubedo, onde o microcosmo encontra a
conexão com o macrocosmo.
Será
que o nosso atual fascínio pelos games do computador esconderia esse núcleo
mítico que vê o homem ao mesmo tempo como Deus e servo? Estaríamos tentando,
através de jogos em mundo simulados, repetir o mesmo sopro divino de vida que
os donos da nosso universo simulado nos proporcionaram? Assim como eles
próprios são servos dos deuses do seu próprio universo simulado? Qual foi o
primeiro criador que emergiu do caos primordial do Big Bang e construiu a
primeira simulação?
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