segunda-feira, janeiro 12, 2015

"Atazagorafobia": a nova fobia das redes sociais no curta "Remember Me"


“Você lembra de mim, logo existo”. Isso é uma questão de sobrevivência para um novo tipo humano que domina as redes sociais, pessoas que sempre estão em busca da atenção das pessoas. Psicólogos chamam essa nova fobia de “Atazagorafobia” ou “fear of missing out” (FOMO) – o pânico de estar perdendo alguma oportunidade de interação ou de reconhecimento. Esse é o tema do curta canadense “Remember Me” (Mémorable Moi, 2013) do diretor Jean-François Asselin: “Você está pensando em mim?”, é a dúvida obsessiva do protagonista, sempre colado ao computador e dispositivos móveis tentando fingir ser qualquer coisa, enquanto sua vida conjugal vai para o ralo. Depois da Internet prometer a “inteligência coletiva” na cultura e a “estrada para o futuro” nos negócios, parece agora amplificar em tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão, intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento, hedonismo, niilismo, e assim por diante. – com a diferença de que agora os efeitos são exponenciais por meio de fobias e síndromes.


Era uma vez a Internet, um sistema global de computadores interligados que, ao mesmo tempo, prometia os frutos da “inteligência coletiva” para todos e lucros para os poucos que chegassem na frente da corrida do ouro de um novo soft-capitalismo – produtos e serviços gratuitos, criando marcas sólidas que, mais tarde, poderiam cobrar pelos seus serviços.

Muitos no final do século XX acreditavam que todas essas promessas seriam destruídas por um apocalíptico “bug do milênio” no ano 2000, mas o desfecho foi mais prosaico e as coisas acabaram por si só: no estouro da bolha especulativa na bolsa Nasdaq das empresas de tecnologia e no posterior gigantismo das redes sociais.


Depois do messianismo da “estrada para o futuro” ou da “árvore do conhecimento”,  eis que a Internet retoma a trajetória de todas as mídias anteriores: depois das promessas de que abririam janelas para o futuro, voltam-se para si mesmas – o grande negócio passou a ser o monitoramento e garimpagem de dados (marketing digital B2B, Big Data, Dark Data etc.). Saber por onde os usuários navegam, seus hábitos, escolhas, preferencias de consumo etc.

A Internet deixou de ser uma meio para o futuro e se tornou o futuro em si mesma: os ambientes digitais apenas amplificaram em tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão, intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento, hedonismo, niilismo, e assim por diante.

O curta Remember Me do canadense Jean-François Asselan (assista ao curta abaixo) é uma irônica e até agressiva representação de como as redes sociais se tornaram um espaço dominado por aqueles que buscam constantemente a atenção do público. No curta acompanhamos a confissão do protagonista (Mathieu) de que sofre a fobia do medo de ser esquecido e a necessidade de buscar qualquer meio para estar constantemente no pensamento dos outros. E nessa busca encontra nas redes sociais a grande oportunidade para dar vazão a sua busca desenfreada por reconhecimento.

O medo do desaparecimento


“Você está pensando em mim?”, passa a ser a dúvida que não sai da cabeça de Mathieu. Desde que sofreu uma rejeição amorosa no passado, é dominado pelo pânico de ser esquecido por amigos, ex-namoradas e pela própria sociedade. Essa pânico resulta na paranoia de que pode fisicamente desaparecer: quando é tomado pela ansiedade e tristeza, vê partes do seu corpo desaparecendo.


Tudo começou com postagens engraçadas, alarmistas e provocativas em todas as formas de mídias sociais. O que fez acumular centenas de amigos virtuais. Mathieu passa a fingir que é seu aniversário, que está doente, que é gay, cadeirante, suicida, militante de alguma causa, interrompe a transmissão de TV do jogo de tênis correndo nu, mostra para todos na Internet o vídeo da coloscopia.

Quando tudo isso deixa de funcionar, torna-se então grosseiro, desrespeitoso, vulgar para ser lembrado através da raiva.

Seu pior momento é à noite, quando tem que dormir: será que as pessoas estão pensando nele também nas madrugadas? Mathieu não consegue mais se separar do computador e do telefone celular. 

Nesse seu inferno fóbico pessoal, Mathieu descobre o YouTube e aprende que as pessoas estão apenas interessadas em freaks, jackasses, garotas, crianças cantando, rindo ou peidando e... vídeos de gatos – seu pobre gato chamado Moustache vai saber disso da pior maneira, vítima de uma aspirador de pó e um saco plástico...!

A multidão solitária


O curta Remember Me é uma ótima oportunidade para se discutir no que se tornou a Internet e para onde foram as promessas de 20 anos atrás. As novas tecnologias não conseguiram criar um novo mundo – apenas transpuseram para o mundo virtual as velhas mazelas que as mídias massificavam em ambientes analógicos. A diferença é que essas mazelas se transformaram em fobias e síndromes graças ao novo ambiente digital: globalizado, em tempo real, on line, 24 horas disponível, aumentando exponencialmente ansiedades e compulsões. 


               Por trás da sensação ilusória que o usuário tem de participar de uma comunidade, de interagir ou de ter muito mais amigos do que a vida real poderia oferecer, cresce a sensação de solidão e alienação – no final você nada mais tem do que uma tela e a solidão do seu quarto ou de fazer parte de uma multidão de pessoas que inclinam a cabeça para seus smartphones em algum vagão de metrô.

Esse tema da solidão dentro da multidão é bem conhecido pela sociologia desde o século XX com o livro de David Riesman A Multidão Solitária. Escrito na década de 1950, vivia-se o crescimento da sociedade de consumo, a popularização da TV e o surgimento de uma nova cultura trazida pelos bairros de subúrbios e os primeiros shopping malls.

Riesman falava de uma personalidade emergente, o alter-dirigido – indivíduo sem mais valores éticos ou morais consolidados (intra-dirigido), mas agora voltado ao mundo exterior tentando seduzir ou agradar as pessoas, em busca de aprovação, reconhecimento. Em síntese, fugir da solidão e de um vida interior vazia.

Atazagorafobia


Se na TV e no culto à fama das celebridades isso era evidente, com a Internet essa cultura se transformou em fobia: o medo de ser esquecido. Esse transtorno passou até a receber um nome e diagnosticado por psiquiatras e psicólogos – “Atazagorafobia”, o medo irracional de ser esquecido ou ignorado. Para os especialistas, a Internet e redes sociais aguçaram ainda mais o lado exibicionista das pessoas, mas ao mesmo tempo aumentado os casos de rejeição e solidão.

Psiquiatras e psicólogos até descrevem os sintomas desse medo descontrolado: suor frio, palpitações, síndrome do pânico, entre outros.

Redes sociais, telefones celulares e demais dispositivos móveis ainda possibilitariam um complexo de sintomas, onde a atazagorafobia se associaria ao fear of missing out ou FOMO: a preocupação compulsiva de a qualquer instante estar perdendo uma oportunidade de interação social, uma nova experiência, alguma oportunidade de negócio lucrativo ou algum outro evento que lhe traga satisfação ou ganhos.

Mas todos os especialistas são unânimes: o que há em comum está a insatisfação psicológica em ser amado e respeitado.

O eterno retorno tecnológico


Se no passado o toque do telefone já criava ansiedades e expectativas (Quem será? Serão boas ou más notícias?) que só foram ampliadas com as secretarias eletrônicas (checar mensagens era acompanhado muitas vezes pelo nervosismo e medo), hoje com os dispositivos móveis essa ansiedade trazida pelo êxtase da comunicação só cresce em escala exponencial.

Embora a Internet seja revolucionária ao disponibilizar dados, informação e conhecimento de uma forma inédita na História, o curta Remember Me parece demonstrar que ela talvez tenha o mesmo destino que a TV e o controle remoto tiveram. Acreditava-se que a TV transformaria o planeta em uma aldeia e a tela uma janela aberta para o mundo. E o controle remoto tornaria tudo isso mais confortável e rápido.

Só que o controle remoto voltou-se contra a própria TV ao criar o efeito zapping.

Quando surgiram os primeiros modelos de controle remoto na década de 1950, havia uma expectativa positiva em relação aos benefícios que traria à evolução da televisão. Acreditava-se que o aumento de poder de comutação nas mãos do espectador o tornaria mais exigente em termos de qualidade. Isso forçaria os canais concorrentes a melhorar a qualidade das suas atrações para manter a fidelidade do espectador. Mas não contavam com um efeito colateral imprevisto: o chamado “efeito zapping”.

O mundo que poderia ser visto através da “janela aberta” deixou de interessar o espectador: ficou mais atraente assistir a qualquer coisa por amostragem – surfar na troca sucessiva de canais passou a ser mais atraente do que procurar um programa em particular. A TV passou de janela a espelho da própria insatisfação humana.

Remember Me explora essa espécie de eterno retorno tecnológico: a Internet promete ampliar em tempo real o demasiado humano que no passado ainda estava restrito à grade de programação e ao videotape das antigas mídias de massas.




Ficha Técnica

Título: Remember Me (Mémorable Moi) - curta
Diretor: Jean-François Asselin
Roteiro: Jean-François Asselin
Elenco: Eugénie Beaudry, Sylvie De Morais-Nogueira, Émile Proulx-Cloutier
Produção: Jean-François Asselin
Distribuição: On Line
Ano: 2013
País: Canadá

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