Acreditamos que só loucos e estúpidos fazem parte de cultos ou seitas. Mas não se engane: esse é um estereótipo midiático mostrado pelas notícias sensacionalistas que nos apresentam fanáticos fazendo parte de cultos comandados por gurus enlouquecidos. Desde a década de 1930 quando a literatura de autoajuda começou a abandonar o campo da psicologia e flertar com o misticismo e esoterismo até transformar-se em técnicas motivacionais, os dispositivos de controle mental dos cultos começaram a se espalhar por empresas, movimentos políticos, grupos de autoajuda e outros tipos de organizações. Fique atento aos dez dispositivos de controle mental das seitas, sejam elas de culto a líderes, metas ou missões. Você pode estar dentro de uma delas e não sabe...
Quando ouvimos a palavra “culto”
lembramos de religiões neopentecostais, manipulações religiosas de estranhas
seitas ou obscuros cultos de grupos místicos cujos símbolos somente os
iniciados podem compreender. Vêm-nos à mente fanáticos desequilibrados, líderes
carismáticos manipuladores e suicídios grupais por causas bizarras.
No entanto essa é apenas a
aparência sensacionalista e midiática que parece encobrir uma realidade de
natureza bem diversa: ao lado das técnicas de manipulação de massas por meio da
propaganda e do marketing político, de marcas e de consumo, uma outra forma de
manipulação cresceu e vem se expandindo por todos os setores da sociedade – a
manipulação das relações humanas por intermédio do controle das relações
pessoais por lideranças e pequenos grupos.
Os dispositivos de controle dos
cultos estariam por toda parte: não só em seitas religiosas ou esotéricas, mas
em grupos motivacionais, de autoajuda, ambientes corporativos, movimentos
políticos e sociais.
A origem do conceito moderno de “culto”
"Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas": as origens do culto moderno |
O conceito de “culto” se tornou
objeto de estudo para a sociologia na década de 1930 através de Howard P.
Becker a partir de estudos que classificavam usualmente três tipos de
comportamentos religiosos: na igreja, sectário e místico. Criou-se então uma
quarta denominação que indicaria novos grupos (“sectos” ou “cultos”) que
cultivavam crenças de natureza pessoal ou privada e com formas de organização
mais simples.
Essas
“crenças de natureza pessoal” coincidem com o crescimento nessa mesma década
dos grupos de autoajuda a partir da crença da salvação através do crescimento
das potencialidades individuais. Em 1936 é publicado o primeiro sucesso
editorial nessa área nos EUA, o livro “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”
de Dale Carnagie. Em pouco tempo essas técnicas de crescimento que exploravam
conceitos dispersos da psicologia e psicanálise passaram a descambar para o
campo do misticismo e do esoterismo. Rapidamente esses grupos e seus líderes
transformaram-se em verdadeiros gurus que vendiam técnicas para alcançar o
autoconhecimento e o sucesso profissional. O místico e o esotérico se encontravam em uma
bizarra combinação com o sucesso financeiro pessoal.
O
próximo passo foi a transformação dessa combinação entre autoconhecimento e
sucesso material em técnicas motivacionais. De religião secularizada passou a
se concentrar no mágico conceito de motivação. Essa palavra pode ser aplicada a
qualquer organização, da escola à empresa, da Igreja a um grupo de autoajuda. O
outro lado é que, perigosamente, qualquer uma dessas organizações podem se
converter em cultos com dispositivos de controle mental bem específicos, já
descritos nos primeiros livros de Dale Carnagie na década de 1930. Só que dessa
vez instrumentalizado por organizações hierárquicas.
O
melhor exemplo é o das organizações corporativas. Em nome do princípio “vestir
a camisa da empresa”, todos os dispositivos de controle mental dos cultos são
adaptados. O culto pode ser tanto em relação aos novos “gurus corporativos”
(como as empresas sempre estão partindo do zero após fusões ou constantes
reengenharias, sempre surgem novos “visionários” com modernas técnicas e
filosofias justificadas por muitos Powerpoints e planilhas Excel) como em
relação a superação de metas ou o cumprimento de missões.
Se o grupo em que o leitor
estiver corresponder a cinco ou mais características descritas abaixo, cuidado:
certamente você está em um culto.
Você sabe que está em um culto quando...
1- Exclusivismo
O culto projeta a percepção de que suas ideias são o único
caminho. O grupo é o único caminho para alcançar a iluminação, a verdade, a
riqueza etc. Nesse esquema de pensamento está implícita a mentalidade do NÓS
contra ELES.
2- Temor e intimidação
O líder cultiva uma atmosfera de temor onde ninguém pode
questionar suas palavras. Vozes contrárias são tratadas com a técnica de
“breaking sessions” (isolamento, acusações, denúncias e humilhação), até elas
serem submetidas e conformadas.
3 - "Love Bombing"
Os cultos praticam essa forma de controle mental através do
falso amor. No instante em que você ingressa em um culto, ganha novos amigos.
Será abraçado e todos irão querer falar com você. Para alguém que é solitário
ou chegou recentemente a uma localidade estranha é maravilhoso. Entretanto,
depois de um tempo esse “amor” torna-se condicional em relação a sua
performance e/ou como será avaliado em relação às normas latentes ao culto.
4 - Controle de informação
Quem controla as informações controla as pessoas. Na
dinâmica de controle mental no interior do culto, qualquer informação vinda do
exterior é considerada má, especialmente se é de crítica ao culto. Os membros
são orientados a não lê-las ou não acreditar nelas. A única informação
verdadeira é a fornecida pelo culto.
5 - Estrutura de delação
Todos no interior do culto são encorajados a ficarem atentos
a “irmãos resistentes” e delatá-los às lideranças. Toda informação dada será
considerada confidencial pelas lideranças. Muitas vezes os membros ficam
chocados ao verem seus problemas sendo discutidos nas reuniões do culto. Embora
isso crie uma atmosfera persecutória de medo, os membros continuam agindo da
mesma forma.
6 - Linguagem carregada de jargões
O culto cria sua própria linguagem e jargões. Isso evita que
as pessoas de fora entendam as “misteriosas” conversas e dá aos membros uma
poderosa sensação de fazer parte de uma seleta irmandade. Também permite um
fenômeno conhecido por “paralisia do pensamento” onde uma simples palavra pode
ter o poder de parar com quaisquer pensamentos que possam ir contra o culto.
7 - Controle do Tempo
Faz parte das técnicas de controle mental dos cultos manter
os membros tão ocupados com reuniões e atividades que se tornam exaustos demais
para pensar sobre seu envolvimento. Se uma pessoa consegue escapar desse
dispositivo de controle do tempo do culto, em pouco tempo ela conseguirá
contrastar a vida “normal” externa com o ambiente controlado interno do culto
e, dessa forma, resultará na sua desistência.
8 - Controle das Relações Pessoais
Os dispositivos de controle mental usam diversos recursos
para maximizar seus contatos com membros do culto e minimizar contatos com
pessoas externas ao grupo, principalmente se elas mantêm opiniões críticas. Membros
poderão se incentivadas a se mudarem para bairros próximos ou mesmo para a
casa(s) do próprio culto para poderem ser observadas de forma mais intensiva. O
culto irá combater ou faze-lo esquecer de qualquer informação que o faça
lembrar da sua vida anterior.
9 - Dissimulação
O culto irá usar a dissimulação. Normalmente o culto nunca
contará exatamente para as pessoas no que seus líderes acreditam, suas origens,
o que eles praticam e como realmente é a vida no interior do culto. Porque se
as pessoas soubessem de tudo isso, jamais ingressariam. Essas informações são
passadas lentamente e de forma fragmentada para os iniciados. Dissimulação é o
pré-requisito para o controle mental.
10 – Auto-engano
Acreditar que somente loucos, perdedores e estúpidos participam
de cultos é um dispositivo de controle mental usado pelos próprios cultos,
reforçados pelos estereótipos midiáticos das notícias sensacionalistas sobre
seitas bizarras. Esse dispositivo explora um mecanismo defensivo presente em todos
nós em pensamentos como “sou bem sucedido”, “isso nunca aconteceria comigo”, “somente
um idiota poderia cair nisso”. Essa espécie de auto-engano, oportunamente
explorado por líderes de um culto. O tipo de pessoal ideal para ser recrutada
por um culto é mais comum do que se imagina. Leia esse depoimento do
norte-americano John Knapp, ex-participante de um grupo de autoajuda centrado
em técnicas de meditação:
“Veja, você não precisa ser preguiçoso, louco ou estúpido para se associar a um culto. Se você é, eles não querem você. Eles querem pessoas ricas e talentosas para enfiar seus ganchos. É fácil ficar fora de cultos. Nunca fique exausto. Ou assustado. Não seja muito jovem. Ou muito velho. Nunca se divorcie. Ou case. Não almeje o sucesso. Nunca falhe. Nunca tenha esperança de um mundo melhor. Nunca se sinta indignado diante da injustiça. Não seja muito rico – ou muito pobre. Nunca experimente depressão. Nunca almeje grande felicidade. Não fique doente. Não procure nada – resumindo, jamais fique vulnerável. Você não precisa ser incomum para ser cooptado por cultos. Você apenas precisa ser humano. Eu me associei a um grupo de meditação para clarear minha mente e melhorar meu desempenho. Vinte e três anos e US$150.000 dólares depois descobri meu engano. Estraguei tudo: queria algo melhor na vida. E alguém ficou feliz por vender-me isso”. (HOWARD, Martin. We Know What You Want. New York: Desinformation Co., 2005, p. 141).