A Natureza leva um bilhão de anos para fazer um diamante. Mas bastam os 87 minutos do documentário Netflix “Nada é Eterno” (Nothing Lasts Forever,2022) para desconstruir a mitologia mercadológica do “sonho do diamante”: o mito da pedra “preciosa” e exclusiva, incrustrada em anéis que celebrariam a eternidade de noivados e casamentos. O documentário descreve como o cartel do diamante criou o mito da escassez que atribuiu um valor imaginário para a pedra. Principalmente, quando diamantes sintéticos secretamente invadiram o mercado – a nível molecular idênticas aos “originais”. “Nada é Eterno” nos convida a refletir sobre a produção artificial do valor das mercadorias no capitalismo e o seu simulacro puro: a inexistência das fronteiras entre o original e a cópia, o falso e o verdadeiro, o natural e o artificial.
Por que um diamante vale mais do que um cacho de bananas? Ora, a reposta parece óbvia: é natural diamantes valerem mais do que bananas. Afinal, são necessários um bilhão de anos para que a natureza produza diamantes. Por isso, elas são “pedras preciosas”. Enquanto bananas, crescem às pencas por aí.
Marx complicou um pouco mais a questão. Para ele, não era assim tão óbvio. Diamantes e bananas refletem a quantidade de trabalho necessária não só para achá-las ou produzi-las, mas também para comprá-las. O que determina as desigualdades sociais – um professor, como esse humilde blogueiro, teria que trabalhar muito mais do que, digamos, um CEO para adquirir um diamante. Por isso, devo me contentar com bananas. O trabalho de um professor vale muito menos do que o de um CEO.
Além disso, supostamente escassos, diamantes seriam muito mais estimados do que bananas.
É nesse ponto que a pergunta que abre esse artigo tem um inacreditável plot twist: Marx não viveu o suficiente para testemunhar como o capitalismo foi capaz de criar a publicidade e o marketing para inserir a ideia de “escassez” nas mentes das pessoas. De repente mercadorias passaram a representar outra coisa – não mais o tempo de trabalho, mas o tempoe o custo para produzir uma ilusão.
Dizem que os diamantes são eternos. Mas bastam os 87 minutos do documentário Netflix Nada é Eterno(Nothing Lasts Forever, 2022) para desconstruir todas as ilusões e mitologias em torno dessas pedras “preciosas” – ou pelo menos é isso que essa verdadeira indústria nos quer fazer acreditar.
Para o documentário, assim como Papai-Noel, o segredo dos diamantes é aberto há séculos: ambos não existem, porém são mitos sustentados por narrativas que funcionam como álibis para uma demanda psíquica – o Papai-Noel, para racionalizar o consumismo; e os diamantes, para legitimar namoros, noivados e casamentos.
Dirigido por Jason Kohn, Nada é Eterno busca destruir a mística em torno dos diamantes. Misturando análises históricas com novas descobertas, o filme revela que, embora os diamantes venham da terra, eles são na verdade invenções humanas, pois são tão cambiáveis quanto as ilusões que carregam.
Kohn desenvolve essa ideia concentrando-se na produção e distribuição de diamantes sintéticos - diamantes produzidos em laboratórios ou em escala industrial. Praticamente indistinguíveis de seus precursores naturais, essas peças fabricadas são uma força disruptiva no mercado de pedras preciosas. Se os diamantes não são raridades geológicas, quanto eles valem?
A questão é que nem no mundo natural seriam tão escassos assim – são extraídos em imensas minas a céu aberto, produzidas para fins industriais (engenharia civil e pesquisa mineral usado no corte e perfuração) quanto para o mercado de luxo.
Mercado controlado globalmente pelo cartel de diamantes comandado pela De Beers, corporação que controla a entrada de pedras no mercado de tal maneira que infundi um valor artificial no produto, devido a uma suposta escassez – sustentando pelas narrativas mercadológicas sobre pedras raras encontradas em confins exóticos do planeta. Pedras tidas como exclusivas que poderá estar no anel de noivado de um casal felizardo.
Afinal, se os diamantes são eternos, esperamos que essa qualidade natural se transforme num simbolismo que torne relações conjugais em uniões espirituais que durem também para sempre.
O documentário
“A verdade sobre os diamantes é: eles são todos exatamente iguais, e nenhum deles realmente vale nada.” Quem faz essa bombástica afirmação é Aja Raden, uma designer de joias – a única mulher entrevistada nesse mergulho selvagem no mundo secreto da indústria dos diamantes.
Embora o núcleo da investigação de Kohn diga respeito ao surgimento de diamantes sintéticos e como essas alternativas cultivadas em laboratório estão afetando o mercado, Nada é Eterno vai mais além: como o valor dos diamantes foi uma invenção social. Que revela a própria essência da produção de valor no capitalismo: muito mais do que a lei da oferta e procura, muito antes do mercado, está a produção artificial da escassez – tanto física (evento econômico) quanto psicológica (evento mercadológico e publicitário).
Em um nível molecular, praticamente não há diferença significativa entre pedras naturais e sintéticas, insiste o protagonista do filme, um gemologista sérvio chamado Dusan Simic. Ele era um especialista dedicado a pesquisas para distinguir entre os dois, mas seus serviços se tornaram obsoletos assim que De Beers lançou uma máquina que poderia fazer o mesmo.
Simic afirma que o dispositivo não é muito eficaz na captura de sintéticos. Ao não identificar impostores, a máquina foi projetada para garantir ao mercado que não há problema de mistura. Mas Simic estima que 5% dos diamantes vendidos como naturais são de fato artificiais.
Isso importa? Afinal, os preços são essencialmente inventados, e o chamado valor de um diamante existe em grande parte na cabeça da pessoa que o compra.
Kohn abre o filme com uma amostra de vídeos de marketing VHS vintage — do tipo em que mulheres sofisticadas com aparência de Elizabeth Taylor pronunciam a palavra “dah-monds” e os homens são informados de que um anel de noivado digno deve custar três meses de salário. No início, a autoridade de precificação de diamantes, Martin Rapaport, reitera a ideia de que mantém essa indústria ilusória operação: uma mulher subconscientemente projeta o valor que tenha de si mesma em qualquer pedra que tenham dado a ela, seja o namorado, o noivo ou o marido.
Para Koch, fomos condicionados a julgar os outros pelo tamanho das pedras em seus dedos.
Kohn inclui uma sequência de Rapaport se apresentando em uma feira de Las Vegas, onde ele fala a linha que resume o grande drama dos diamantes: "Se perdermos o mercado de anéis de noivado, estamos todos fora do negócio".
Um mercado que sustenta o “sonho do diamante”, como se refere o CEO da De Beers, Stephen Lussier, que se casou com a filha da família Oppenheimer, fundadora da empresa. Ele ainda se lembra de suas origens humildes, limpando a neve da garagem do vizinho de infância Tracy Hall (Hall foi um pioneiro no campo de diamantes sintéticos para a General Electric).
Nada É Eterno é um documentário sólido e investigativo, filmado e pontuado como um thriller de arte: Kohn viaja para Orapa, Botswana, na qual as imagens de uma enorme mina a céu aberto ecoam os problemas ambientais e econômicos provocados na região. Também nos leva para dentro da “cidade de diamantes” indiana de Surat, onde entrevista um “misturador” explorando o fato de que, uma vez que as pedras são cortadas e polidas, elas não podem ser diferenciadas. Além de mostrar várias fábricas chinesas onde os diamantes sintéticos são fabricados.
O curioso nas entrevistas é que em nenhum momento ouvimos o termo “falso” para designar diamantes fabricados – eles são “artificiais”. Mas, estruturalmente, indistinguíveis dos naturais.
Por isso, o documentário nos provoca a refletir sobre a questão do valor econômico no capitalismo, além das inexistências das fronteiras entre o original e a cópia, o falso e o verdadeiro, o natural e o artificial.
Esse pequeno segredo sobre os diamantes revelado pelo documentário certamente é o reflexo de uma tendência econômica mais geral do capitalismo tardio: para superar suas próprias contradições e crises cíclicas, as representações do valor (papel-moeda, títulos, dinheiro digital, mercado de ações etc.) perdem todo referente econômico real para se tornar um simulacro puro.
Não há mais diferenças (e nem mais o sistema quer se preocupar) entre o dinheiro “falso” e “verdadeiro” – a não ser nas lições de moralidade nas denúncias das falcatruas financeiras esporadicamente exibidas pelas mídias a fim de simular um referente que há muito tempo desapareceu no horizonte econômico.
Isso fica ainda mais evidente no documentário quando a De Beers deixa de negar ou combater a existência dos diamantes sintéticos, para assumi-los, convertendo-os em mais uma linha de produtos do cartel. Os sintéticos seriam algo como as “bijuterias” dos diamantes “verdadeiros” – linha de produto mais em conta para compradores de baixo poder aquisitivo.
Clássico exemplo dos mecanismos dos mecanismos econômicos em um cartel econômico: simular diferenças e diversidades de produtos onde não existem.
Ficha Técnica |
Título: Nada é Eterno (documentário) |
Diretor: Jason Kohn |
Roteiro: Jason Kohn |
Elenco: Dusan Simic, Martin Rapaport, Aja Raden |
Produção: Kilo Films |
Distribuição: Netflix |
Ano: 2022 |
País: Espanha |