A cidade de Bridgend (no fundo de vales no sul do País de Gales) no
passado sustentou o império britânico com o seu carvão, para depois ser
esquecida pela História e pelo mundo. Até que, desde 2007, uma inexplicável onda
de suicídios de jovens por enforcamento (79 mortes até hoje) tomou conta da
região. Para a mídia, tornou-se a “cidade da morte” e seus jovens
estigmatizados. O filme Bridgend (2015) do dinamarquês Jeppe RØnde baseia-se nesse caso misterioso: uma adolescente retorna para Bridgend
junto com seu pai, um policial que investiga a causa da onda de suicídios. Um
culto suicida na Internet? Efeito copycat motivado pelo sensacionalismo como a
mídia trata o assunto? Efeito no sistema nervoso central das ondas UHF do
sistema de rádio de emergência da polícia do Reino Unido? Ou um acerto de
contas dos jovens contra a civilização? - quando a existência fica vazia, a
morte pode se tornar o único sentido para a vida. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
“Suicídios estão
se espelhando como um contagio”, disse Darren Matthews diretor da Fundação Samaritanos
de uma cidadezinha ignorada pelo resto do mundo, até que uma série de suicídios
em série começou a atingir jovens de 15 a 27 anos a partir de 2007. Bridgend
situa-se no fundo de três vales, localizado ao sul do País de Gales, no Reino
Unido.
Em Bridgend
ocorreram até agora 25 suicídios. Somados com as outras cidades pertencentes ao
mesmo condado, chega-se ao número de 79 jovens. Com exceção de apenas uma
morte, todas foram por enforcamento. E inclusive mulheres, o que segundo
especialistas é um elemento estranho: dificilmente mulheres escolhem o
enforcamento como método de suicídio. Em geral preferem cortar os pulsos ou a
morte por overdose por drogas ou medicamentos. O enforcamento é uma morte
tipicamente masculina.
Em 2013 John
Williams dirigiu o documentário Bridgend tentando expor as possíveis
causas desse aparente contagio de suicídios: um culto suicida através da
Internet – as mortes sugerem uma decisão coletiva; Efeito Copycat ou Síndrome
Werther – efeitos de imitação motivado pelo sensacionalismo midiático; crise
econômica e desemprego em uma região outrora rica devido à mineração do
carvão; influência de ondas UHF no
cérebro e sistema nervoso central, principalmente através do sistema Tetra
usado pelo sistema de rádio de emergência da polícia do Reino Unido.
Ou ainda a mais
conspiratória das teorias: o sistema Tetra seria um subproduto do Projeto
Pandora, conjunto de pesquisas sobre controle do comportamento humano à
distância feitos pela CIA nos anos 1960-70 sobre isso clique aqui.
O documentarista
dinamarquês Jeppe RØnde também se interessou pelos bizarros
acontecimentos de Bridgend. Porém, fazer mais um documentário estava fora de
cogitação: já havia todo um sensacionalismo dos tabloides em torno da cidade –
já rotulada no Reino Unido como “cidade da morte”. Para RØnde isso é perigoso por criar um efeito de imitação ao criar uma aura
romântica em torno dos enforcamentos. Adolescentes são mais propensos a ser
influenciados por memoriais na Internet e as coberturas de notícias da TV.
Por isso RØnde optou em fazer um filme de ficção entre o drama e o terror. E mais:
juntos com atores, RØnde juntou ao elenco jovens moradores não-atores de Bridgend, tornando
a narrativa minimalista e realista.
Parece contraditório: uma obra de ficção que fugiu do documentário, mas
que busca o realismo dentro da ficção. Mas o diretor buscou no drama local de
Bridgend um tema mais universal – a civilização que foi ultrapassada pela Natureza.
Um lado sombrio da psiquismo humano no qual a morte seria a única forma de dar sentido
a uma vida sem sentido. Renunciar a civilização e tentar retornar à Natureza
como último refúgio de uma existência sem propósito.
O Filme
Uma adolescente chamada Sara (Hannah Murray) volta para Bridgend com o
seu pai Dave (Steven Waddington), um policial viúvo, depois de passar anos em
Bristol. Dave quer resolver o mistério dos suicídios em série, enquanto Sara
vai aos poucos sendo absorvida pelo grupo local de adolescentes agressivos e
transgressores – consumo excessivo de álcool em uma vida desocupada dividido
entre mergulhos em um lago gelado no meio da floresta e noitadas em um clube de
rugbi.
A posição de Sara (filha de um policial) a mantém ainda distante e
apenas observadora de tudo. Ninguém no grupo fala sobre os motivos dos
suicídios. Os mortos são apenas celebrados pelos jovens em estranhos rituais
como gritar os seus nomes para a Lua, visitar os lugares onde foram encontrados
enforcados e arriscar a vida se pendurando em cordas na saída de um túnel em
uma linha de trem no momento em que a locomotiva passa em alta velocidade.
Aos poucos Sara se envolve com um jovem chamado Jamie (Josh O’Connor),
coroinha e filho de um sacerdote anglicano que, sem qualquer efeito, tenta de
alguma forma incutir ensinamentos religiosos ao grupo de jovens agressivamente
niilistas.
O envolvimento amoroso faz Sara definitivamente entrar naquele grupo de
jovens, intensificando os conflitos com seu pai que tenta a todo custo tirá-la
da cidade e matricula-la em um colégio interno fora do condado.
Sara aos poucos adquire o mesmo traço comum existente nos outros
adolescentes: a relação de estranhamento e conflito com os adultos – os
professores, a polícia, a comunidade e, talvez, com a própria civilização.
A certa altura
Dave arrasta Jamie para dentro do seu carro para intimá-lo a se afastar da sua
filha. A pergunta de Jamie é emblemática e, talvez, sintetize a tensão que está
por trás das tragédias em série em Bridgend: “Você está falando comigo como pai
ou como policial?”.
Celebração da morte e torres de celulares
O leitor
perceberá ao longo do filme que Jeppe RØnde, como um bom documentarista, vai transitando pelas várias teorias
que tentam explicar o estranho fenômeno.
De início, percebemos que há um bizarro ritual de celebração dos
suicídios entre os jovens. Há um memorial em um site na Internet onde os
iniciados recebem um senha para depositar suas homenagens a cada suicídio –
graficamente no site, cada morte é como fosse um tijolo com o nome do suicida
colocado em um muro em construção. Há um juramento de que ninguém poderá deixar
a cidade.
Em uma linha de diálogo, os policiais falam na teoria das “torres de
celulares” – referencia às teorias das ondas UHF interferirem no comportamento
humano. Pelas teorias conspiratórias sobre o Projeto Pandora, as ondas usadas
pelas transmissões de rádio da policia “zumbificaria” os próprios policiais,
tornando-os autômatos e obedientes.
No filme, é também mostrada a animosidade dos moradores contra fotógrafos
e jornalistas – a certa altura, um jovem arranca uma máquina fotográfica de um
repórter que cobria o velório de mais um suicida, para despedaçá-la no asfalto.
Para os moradores de Bridgend, a mídia é uma parte importante do
problema. É o que os estudiosos chamam de Efeito Copycat ou Síndrome de Wether
– “Wether” é um jovem protagonista do romance de Goethe Os Sofrimentos do
Jovem Wether de 1774. Há mais de 200 anos, esse livro foi proibido em
alguns países europeus por supostamente ter causado uma onda de suicídios entre
jovens leitores. Muitos foram encontrados mortos vestindo a mesma roupa do
personagem e ao lado do corpo com a página do livro que descreve o suicídio
aberta.
Para Lauren Coleman, autor do conceito “Efeito Copycat”, já está
documentado estatisticamente que coberturas midiáticas sensacionalistas e
extensas sobre atentados ou suicídios, estimulam novos eventos trágicos. São
mortes imitativas por contagio midiático – principalmente entre adolescentes
que naturalmente passam por oscilações rápidas de humor. Podem impulsivamente
se matar nesse breve período – sobre isso clique aqui.
Acerto de contas com a civilização
É recorrente em Bridgend o
simbolismo do cachorro que vaga pela floresta e trilhos de ferrovias que não
dão a lugar algum, abandonadas e tomadas pela vegetação. Esse simbolismo
explorado por RØnde tem como pano de fundo a história de decadência sócio-econômica do
condado de Bridgend.
A região foi mais uma vítima das medidas do neo-liberalismo econômico
de Margareth Thatcher nos anos 1980 que trouxe a recessão econômica para a
região com o fechamento das minas de carvão. Muitos trabalhadores morriam de
câncer nas minas, mas pelo menos tinham um trabalho o algo do qual fazer parte.
Além de manter a alta renda da região e um futuro profissional para os mais
jovens.
Hoje, o que domina os vales do condado é o desemprego, subempregos nos
setor de serviços e jovens vivendo de biscates.
Quando a civilização falha, a natureza começa a tomar conta. É o que
parece dizer a todo momento Jeppe RØnde: a imagem recorrente
de um cão que vaga pelos lugares onde jovens se mataram enforcados em árvores;
os jovens que vagam sem destino por linhas de trens abandonadas tomadas pelo
matagal. Linhas de trens de épocas com trabalho e perspectivas.
O pensador da chamada Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse, acreditava
que a história da civilização transcorria em movimento pendular entre Eros e
Thanatos, vida e morte, prazer e dor. Marcuse
sustentava que o sistema econômico atual fundamentado no consumismo e na
precarização do trabalho (mascarando a exploração) era thanático: estimulava o
niilismo e o hedonismo sob a aparência publicitária das imagens de sucesso de
celebridades e a aparência de liberdade de escolha e consumo – leia MARCUSE,
Herbert. Eros e Civilização, LTC, 1999.
Em uma vida sem sentido e existencialmente vazia, o lado mais sombrio
do nosso psiquismo ganha força: o acerto de contas final com a civilização,
retornando à Natureza por meio da morte.
Paradoxalmente, quando a existência se esvazia, a morte torna-se o
único sentido para a vida. Essa é o diagnóstico de Jeppe RØnde para o mistério do condado de Bridgend.
Ficha Técnica |
Título: Bridgend
|
Diretor:
Jeppe RØnde
|
Roteiro: Jeppe RØnde, Torben
Bech
|
Elenco: Hannah Murray, Josh O’Connor,
Adrian Rawlins, Steven Waddington
|
Produção: Blenkov SchØnnemann Pictures
|
Distribuição:
Kimstim Films
|
Ano:
2015
|
País: Dinamarca
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