Da Sérvia vem esse enigmático curta distopico sobre uma mulher que tenta
despertar através do amor um homem vazio de espírito e consciência num mundo que lembra "1984" de George Orwell. Mas o Big Brother não é mais um Estado opressor, mas telas de TV que
exibem mensagens de publicidade e propaganda que mantém todos isolados e sós
numa rotina de trabalho sem sentido. Os mitos gnósticos da Queda e de Sophia encontram-se em um mundo sombrio filmado em preto e branco. É o curta “Bright Future My Love” (2014) de Marko
Zunic, um profissional de engenharia da informação de Belgrado que parece ter
transformado o hobby de fazer curtas-metragens em uma expressão fílmica da
distopia do mundo corporativo.
Um homem vive isolado numa sala de concreto. Em cada dia de trabalho
caminha através de estruturas abandonadas até o seu trabalho onde é alimentado
por uma estranha substância leitosa através de um tubo enquanto assiste a um
filme na TV.
Essa é a sua rotina diária, até cruzar no seu caminho uma mulher que
tentará mudar sua vida.
Tudo lembra uma atmosfera distopica nos moldes de 1984 de Orwell, mas
não há um Big Brother que a tudo vigia – há telas de TV com mensagens de
propaganda que parecem prescrever hábitos e comportamentos ideais para aquele
mundo. Cada dia se assemelha ao anterior: sua rota nunca muda, edifícios que
parecem ruínas pós-guerra, a estação ferroviária de concreto com mais telas espalhadas
com filmes de propaganda, o trem velho e surrado e o trabalho em um complexo
fabril em ruínas.
Um ciclo vicioso que poderá ser cancelado pelo amor ao conhecer uma
colega de trabalho.
O curta Bright Future My Love
(2014) do sérvio Marko Zunic é claramente inspirado no filme seminal de David
Lynch de 1977 Ereaserhead, o modelo
todos os romances excêntricos no cinema
independente.
No curta do diretor sérvio o casal tentará quebrar uma espécie de
barreira que os separa, já que naquele mundo alternativo todos os trabalhadores
são condenados a viverem isolados uns dos outros – dividir para reinar, uma
filosofia muito mais maquiavélica do que orwelliana. Nas cenas em preto e
branco que se sucedem o casal tenta tocar-se, sentir cada poro das suas peles,
fios de cabelo, formato do rosto.
Mas quando finalmente tentam se beijar, a tela de TV imediatamente
mostra casais se beijando, interrompendo o namoro do casal. Naquele mundo,
todos os desejos ou fantasias somente são realizados através do voyeurismo das
imagens de propaganda. A realização é sempre virtual, nunca no mundo real
dominado pelo isolamento e solidão.
Em Bright Future My Love há um
claro simbolismos gnósticos da Queda e de Sophia – o homem que decaiu em um
cosmos físico imperfeito que o mantém prisioneiro e Sophia, o aeon que também
decaiu no caos e exílio mas que tenta despertar no homem a fagulha de luz
espiritual que o reconecte de volta à Plenitude.
O mito gnóstico de Sophia é uma história de amor de um aeon que veio,
assim como Cristo, da Plenitude para esse mundo não para nos “salvar” mas para
nos fazer relembrar daquilo que esquecemos. E o que nos faz esquecer da
Plenitude? No curta, Zunic descreve o isolamento, a solidão e as telas de TV
como aquilo que nos impede de amar – ou de reconectarmos com o arquétipo de
Sophia.
Isso nos mantém sempre “na linha”, em um círculo vicioso de trabalho e
alienação. Por isso, no curta a atmosfera é de ausência de consciência e
espírito com zumbidos desagradáveis e rugidos de máquinas onde até mesmo o farfalhar
da água assume um tom sinistro.
Como um diretor sérvio, Zunic imprime no curta um tom político sobre a
situação da Sérvia atual. Mas a sombria beleza da fotografia em preto e branco
e a ausência de diálogos dá um apelo universal e mítico à narrativa. Sem falar
que o “futuro brilhante” ao qual o título do curta se refere é bem irônico:
naquele mundo, o futuro do amor só pode ser igualmente sombrio.
Detalhe curioso: o diretor Marko Zunic é formado em Engenharia da
Informação na capital Belgrado e desde 2012 trabalha como desenvolvedor de
banco de dados. Recentemente começou a fazer filmes curta-metragem como um hobby
e se inscreveu como diretor no Academic Film Center Belgrade (DKSG).
Talvez o curta Bright Future My
Love seja sua expressão artística da convivência profissional de Zunic com
a atmosfera corporativa cotidiana de vigilância e controle.
Ficha Técnica |
Título: Bright
Future My Love
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Diretor: Marko Zunic
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Roteiro: Marko Zunic
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Elenco: Andrija Kispatic, Sunsica
Zivkovic
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Produção: Akademisk Filmski Centar Dom Kulture Studentski Grad (AFC)
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Distribuição:
Akademisk Filmski Centar Dom Kulture Studentski
Grad (AFC)
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Ano: 2014
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País: Sérvia
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