sábado, fevereiro 13, 2010

Fonte da Vida surpreende ao utilizar uma simbologia Gnóstica e Alquímica

Fonte da Vida (The Fountain, 2006) surpreende ao apresentar a jornada de elevação espiritual com simbolismos do Gnosticismo Hermético e Alquimia, diferenciando-se dos clichês dos filmes de espiritualismo New Age e de auto-ajuda.

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Não conhecia esse filme. Zapeando a TV de madrugada, minha esposa descobriu o filme “A Fonte da Vida” em um desses “corujões”. Sabendo das minhas pesquisas em torno de cinema e religião, ela falou: “eu acho que esse filme é gnóstico!”. Confesso que assisti ao filme com um pé atrás: achava que um filme com esse título só poderia ser mais um filme New Age sobre espiritualismo, autoconhecimento, auto-ajuda... Mas acabei sendo surpreendido. Darren Aronofsky, diretor e autor da estória, trabalha com profundos simbolismos gnósticos e alquímicos, tornando um filme diferenciado em relação à onda atual de filmes “espiritualistas”.

O filme se inicia com uma citação da bíblia, uma epígrafe relativa à árvore do conhecimento e à árvore da vida.

O enredo se desenvolve em três épocas, sem definição nítida de limites entre realidade e ficção. Na Espanha do século XVI, o conquistador Tomas Creo parte para o Novo Mundo em busca da lendária árvore da vida que salvará a a rainha Isabel da fúria do Inquisidor da Igreja que vê heresia nessa busca.

Nos tempos atuais a mulher do pesquisador Tommy Creo (Izzy) está morrendo de câncer, mas ele procura desesperadamente a cura. Sua esposa, fascinada pela civilização maia, está escrevendo um manuscrito que conta a história de Tomas Creo e da Rainha Isabel.

Uma terceira história une as duas primeiras: no século XXVI, o astronauta Tom finalmente consegue a resposta para as questões fundamentais da existência.
O astronauta realiza durante sua jornada diversas posturas de meditação associadas às práticas de Yoga e pratica Tai Chi Chuan.


Toda a jornada espiritual do protagonista é estimulada é dirigida pela rainha Isabel e pela esposa Izzy de uma forma paradoxal. Se no século XVI a rainha da Espanha comete heresia contra a Igreja ao enviar seu “conquistador” para a América Central para buscar a mítica árvore da fonte da vida para alcançar a imortalidade (para o Inquisidor devemos morrer para nos libertarmos dos grilhões do corpo), nos tempos atuais, ao contrário, Izzy tenta convencer se marido Tommy de que a fonte da vida é a morte, que devemos aceitá-la em paz para conseguirmos a ascensão espiritual. Inconformado, e usando todos os recursos da Ciência, Tommy acredita que a morte é uma doença, precisa ser “curada”.

Esse paradoxo está relacionado com um profundo simbolismo que o filme trabalha: o “casamento alquímico”. Tanto a Rainha Isabel como Izzy revelam a Tomas/Tommy que no final (ao encontrar a árvore da vida ou após a morte) se unirão em um casamento eterno.

Matéria e espírito, indivíduo e totalidade não são colocados no filme como opostos ou em um nível hierárquico. No final, ambos se casam, a matéria é redimida e não simplesmente liquidada. O processo de evolução espiritual não é um simples processo de descarte do corpo em busca da Totalidade, mas de elevação no corpo, a partir de todas as suas experiências sensoriais.



Casamento Alquímico


O que é o simbolismo do “casamento alquímico”? Alquimistas medievais e renascentistas basearam suas idéias na tradição gnóstica, porém com uma diferença: enquanto os antigos gnósticos queriam transcender a matéria os alquimistas queriam redimi-la. O processo alquímico clássico envolve a dissolução de elementos até o caos para, por meio desse estado, separar massas indiferenciadas em espírito e matéria, unindo essas oposições em uma espécie de casamento alquímico – do qual surge a pedra filosofal. Essa atividade alquímica reencenaria a atividade de Deus que separou o caos em elementos distintos para, mais tarde, reunificar essas antinomias na Revelação. Estes aspectos simbolizariam o processo através do qual o adepto consegue refinar a sua alma.

Temos aqui os passos para a transformação psicológica por meio da narrativa mítica da transformação por meio de uma jornada cíclica: Plenitude gnóstica, Queda e Retorno; Matéria Primal, a Divisão e o Casamento. Não há transcendência sem a redenção da matéria.

Magistralmente, “Fonte da Vida” desenvolve esses aspectos. E, mais do que isso, o filme trabalha o profundo significado do personagem gnóstico de Sophia. Contraponde-se ao conhecimento da Religião e da Ciência (que estruturam o cosmos material que aprisiona o protagonista) Sophia/Rainha Isabel/Izzy oferece um outro conhecimento: a gnose. O protagonista aprenderá que a matéria/corpo não deve ser negada ou descartada (como quer a Religião – corpo como grilhão – ou como quer a Ciência – corpo que necessita de uma cura para escapar da morte). A verdadeira elevação espiritual está no aprendizado com o corpo e a matéria, tanto no caos, prazer e morte. A elevação através de experiências que somente a existencial material pode proporcionar.

Dessa forma “Fonte da Vida” demonstra ser um filme surpreendente. Embora trabalhe com muitos elementos iconográficos clichês dos filmes que pretendem ser espiritualistas (nebulosas, pessoas em posição de lótus, elementos flutuando, cabeças raspadas, trajes de monges e posturas de Tai-Chi-Chuan), o fnilme vai muito além da dualidade corpo/matéria, indivíduo/cosmos, parte/todo. Aliás, coerente com o ponto de vista gnóstico, o moneto final do casamento alquímico, as núpcias, é representado no filme como não sendo nesse cosmos ou universo conhecido. Vai além da Totalidade da Religião e da Ciência, para além do nosso cosmos que aprisiona o protagonista.



O Princípio da Correspondência


O filme apresenta um curioso recurso fílmico que, claramente, constitui-se num simbolismo alquímico que, afinal, parece estruturar toda a narrativa. A câmera parte de um close em um detalhe para avançar e, depois, inverter e seguir em frente, mostrando que o primeiro detalhe, aparentemente correto, estava de ponta-cabeça.

A narrativa faz uma simbólica referência a um dos princípios do Gnosticismo Hermético de Hermes Trimegisto: “O que está em cima é como está embaixo, e o que está em baixo é como está em cima”. É o princípio da Correspondência aplicado tanto na Astronomia na antiguidade como na Alquimia. Na verdade, um princípio hermético influenciado pela metafísica platônica (para Platão, o mundo percebido pelos sentidos é uma reprodução distorcida das formas puras existentes no mundo das Idéias).

Hermes Trimesgisto, “sábio três vezes”, foi quem primeiro transmitiu o conhecimento divino e celeste por escrito: Filosofia, Química e Cabala. Alguns afirmam que ele teria sido faraó egípcio. Outros que ele teria escrito seus ensinamentos em hebraico, o que faz com que se suponha que fosse hebreu.

Viveu durante a época de Moisés, e sendo faraó, foi iniciado nos mistérios do sacerdócio, preparado para exercer as funções de rei. Também Hermes é associado à Thot, deus egípcio que era representado por um íbis. Thot simbolizava a escrita, o dom da fala e tinha também o dom de vivificar, pois teria curado o olho do deus Horus.

Ficha Técnica

  • titulo original: (The Fountain)
  • lançamento: 2006 (EUA)
  • direção: Darren Aronofsky
  • Roteiro: Darren Aronofsky e Ari Handel
  • Atores: Hugh Jackman , Rachel Weisz , Marcello Bezina , Alexander Bisping , Ellen Burstyn
  • titulo original: (The Fountain)
  • duração: 96 min
  • Estúdio:Warner Bros. Pictures / Protozoa Pictures / New Regency Pictures / Epsilon Motion Pictures
  • Distribuidora:Warner Bros. / Fox Film do Brasil

    Trailer do filme Fonte da Vida

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