sexta-feira, dezembro 06, 2013
O aplicativo Lulu e a religião da autoabdicação humana
sexta-feira, dezembro 06, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Processos judiciais, febre entre as mulheres e pânico entre os homens.
Por trás desse frisson midiático autopromocional do aplicativo Lulu onde
mulheres avaliam homens através de um conjunto de quesitos, estão questões que
colocam em xeque a própria cultura dos gadgets tecnológicos que está organizando o nosso lazer e trabalho. O Lulu seria o sintoma de uma verdadeira religião cibertotalitária
que estaria motivando a maioria de engenheiros, cientistas e designers digitais
do Vale do Silício: a autoabdicação humana – o computador estaria evoluindo
para se transformar em uma forma de vida capaz de entender melhor as pessoas do
que as próprias pessoas. E quem fala isso não é nenhum tecnofóbico, mas um dos
principais nomes do Vale do Silício: o designer de software Jaron Lanier.
Duas cenas em duas épocas
distantes entre si no tempo. O que veremos a seguir é que essas duas cenas estão interligadas não só em uma análise sobre o fenômeno do aplicativo Lulu, mas de toda a cultura criada em torno do consumo diário de aplicativos.
Primeira cena: Em meio à euforia
da revolução sexual dos anos 1960 desencadeada pela pílula anticoncepcional, a
descoberta da sexualidade desatrelada da reprodução e dos papéis familiares e a
erotização generalizada da mídia, publicidade e sociedade de consumo, o
pensador alemão Herbert Marcuse observava a tudo com desconfiança. Um dos
principais nomes da chamada Escola de Frankfurt, Marcuse estava naquele momento
no olho do furacão dos movimentos de rebeldia estudantil: professor de
filosofia no campus San Diego da Universidade da Califórnia. Para ele, o princípio de realidade contra o qual a
revolução se dirigia estava se transformando em algo mais insidioso: o princípio do desempenho, princípio que
transformaria toda a revolução sexual e dos costumes muito mais em sucesso de
vendas do que em real emancipação.
quarta-feira, dezembro 04, 2013
O cinema alquímico de "Beleza Americana"
quarta-feira, dezembro 04, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme “Beleza Americana” (American Beauty, 1999), premiado com o Oscar
de melhor filme, é uma narrativa sobre a transformação íntima de um
protagonista que causa um turbilhão em todos ao redor. Associado ao princípio
revelado logo no início de que acompanhamos a trajetória de um ano de vida de um
protagonista que diz que já está morto, o filme propicia uma difícil questão: um filme que segue as convenções de gênero hollywoodiano pode criar no espectador um
acontecimento de transformação semelhante ao que vemos no protagonista? Apesar das convenções de gênero, “Beleza
Americana” do diretor Sam Mendes é um tipo especial de filme, pois explora
mitologias e arquétipos da transmutação alquímica da matéria, onde rosas, a cor
vermelha, o sangue e a morte criam uma complexa simbologia, bem diferente da
Jornada do Herói clássica – trevas, caos e morte não é destruição, mas momentos
de regeneração e redenção.
Um espectador vai
assistir ao filme Beleza Americana no
cinema. Quebra a sua rotina e vai ao cinema para ficar sentado por duas horas
em uma sala escura vendo a narrativa fílmica que começa com uma locução em of do protagonista chamado Lester
dizendo que contaria a história da sua vida e que, em um ano, estaria morto.
Após uma narrativa
convencional pelos parâmetros hollywoodianos do gênero, o filme termina de
forma abrupta em mais uma locução em of
de Lester, dessa vez após tomar um tiro mortal e descrever a sua própria
experiência desse momento. Lester faz um balanço sobre “os pequenos momentos”
de sua “estúpida vida”, e fala que apesar disso “é difícil ficar bravo quando
há tanta beleza no mundo”. E profeticamente fala ao espectador: “um dia você
saberá do que estou falando”.
sábado, novembro 30, 2013
Black Friday expõe a lógica do Papai Noel e o minimalismo do consumo
sábado, novembro 30, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao lado do Halloween, o Black Friday é mais um desses mega eventos
importados que, repentinamente, se transformaram em pauta da agenda midiática
nacional. Imagens na TV de corredores de lojas congestionadas com gente se
acotovelando e consumidores denunciando descontos maquiados. Mas estamos
importando mais do que um evento de promoções e descontos: no interior do
conceito de Black Friday importamos também o DNA da cultura norte-americana: a
mentalidade “minimalista” de um delírio de vitória no vazio e a “lógica do
Papai Noel” do consumo onde a estratégia supostamente racional custo/benefício
das promoções serve de álibi para o consumidor conviver mais facilmente com a
sua má consciência. O que significa para nós importarmos esse DNA desesperançado da cultura norte-americana?
Talvez o grande mérito de Freud
e da Psicanálise não tenha sido a descoberta do inconsciente – inacreditavelmente
ainda sem credibilidade científica para muitos setores da psicologia por supostamente
não ter comprovação “empírica”, ao contrário das noções de comportamento e cognição. Talvez o principal mérito do psiquiatra vienense tenha sido a
descoberta de que o homem não é um ser racional, mas acima de tudo
racionalizante. Isto é, o que verdadeiramente nos distinguiria dos animais não seria
tanto a razão, mas a capacidade de encontrar álibis e justificativas
(racionalizações) para cada ato impulsivo ou irracional que nos pegamos
cometendo.
Ao lado do Halloween, o Black Friday
é mais uma dessas efemérides importadas e pautadas de um momento para o outro
na agenda midiática anual. Termo criado pelo varejo nos EUA para o dia das
grandes ações de vendas com descontos e promoções após o feriado de Ação de
Graças, vem desde 2010 sendo adotado pelas grandes lojas tanto on line como físicas no Brasil. E todo
ano, sob as denúncias de consumidores, o Procon notifica grandes empresas que
teriam maquiado os descontos: pouco antes teriam aumentado os preços em dobro
para depois cobrar a metade.
Cristo retorna como super-herói gnóstico e trash no filme "Ultrachrist!"
sábado, novembro 30, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por trás do “trash” e “non sense” da produção independente atual esconde-se um submundo místico-esotérico-religioso da subliteratura da cultura de massas contemporânea. Uma espécie de “sub-zeitgeist” formado por toda uma literatura de HQs, magazines, filmes B sci fi, horror e fantasia com elementos heréticos e gnósticos. O filme “Ultrachrist!” (2003) é um flagrante exemplo: Cristo como um super-herói que oferece a autodivinização para o homem superar o medo e a sedução.
A professora de crítica literária da University of California at Berkeley Victoria Nelson em seu livro “The Secret Life of Puppets” (Cambridge: Havard UP, 2001) descreve “a estranha história do Fantástico norte-americano”: de um lado a formação da “religião americana” (a espécie de uma “auto-divinização através de um encontro pessoal com o Sagrado) e, do outro, o desenvolvimento de um “sub-zeitgeist” místico, religioso e sobrenatural formado por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp fictions e filmes B sci-fi, horror e fantasia.
Enquanto na Europa o desenvolvimento do fenômeno religioso e do Fantástico sempre esteve associado a filósofos, teólogos e às grandes manifestações artísticas literárias de vanguarda (Romantismo, Gótico, Expressionismo etc.), nos EUA, ao contrário, desde o início se associou a formas culturais populares: das narrativas puritanas do século XVIII, passando pelas notíciais bizarras e sensacionais em magazines e livros de bolso do séc. XIX até a subliteratura de massas da indústria do entretenimento do séc. XX.
quinta-feira, novembro 28, 2013
Portal Inovação aponta editor do blog como referência nacional em Cinema e Gnosticismo
quinta-feira, novembro 28, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Aos poucos as discussões sobre Gnosticismo e Cinema vão ocupando seu
espaço e relevância no campo acadêmico, revistas científicas e de divulgação cultural. Uma evidência disso é a
notícia de que esse humilde blogueiro foi apontado como a primeira referência nacional
no tema Cinema e Gnosticismo na lista por competências elaborada pelo Portal Inovação do Ministério
de Ciência e Tecnologia do Brasil. Está de parabéns o blog e a contribuição dos
leitores com sugestões e críticas.
Às vésperas da comemoração do
quarto ano de existência do Cinema Secreto: Cinegnose, esse blog acabou de
receber uma ótima notícia: o Portal
Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia aponta o editor desse blog
como a primeira referência nacional na competência Gnosticismo e Cinema. A
lista é estabelecida por ordem de relevância por palavras-chave e registros
referentes a trabalhos relativos a área de competência.
Somado à publicação no mês
passado do artigo intitulado “Dos Simulacros às Simulações: o ceticismo
gnóstico no pensamento de Jean Baudrillard” (artigo resultante de postagens
desse blog) na revista Dispositiva do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG,
percebemos que o tema Gnosticismo e Cinema vai aos poucos ocupando o seu espaço
na área acadêmica e nos periódicos de publicações científicas.
quarta-feira, novembro 27, 2013
Fotos colorizadas digitalmente fazem revisão hiper-real da História
quarta-feira, novembro 27, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Cresce o número de artistas digitais que tem se dedicado a colorizar
através de computação gráfica fotografias de personagens e eventos históricos do
século XIX e começo do século XX. É como se quisessem transformar sombras de um
passado distante em eventos e pessoas mais próximas e familiares ao nosso
presente. Ao mesmo tempo temos o revisionismo do politicamente correto que
retira digitalmente cigarros de fotografias de antigos personagens da política
e do cinema. Essa obsessão revisionista da História seria o sintoma do fim do
chamado “tempo histórico” pela expansão do presente. Uma forma alterada de
tempo que substituiu o tempo histórico onde o presente foi tão inflacionado
pelas tecnologias virtuais e hiper-reais que começou a absorver todo o passado
segundo a sua imagem e semelhança.
No final do filme Obrigado por Fumar (2005), o senador
ambientalista líder de uma feroz cruzada antitabagista defende em uma
entrevista na TV a utilização de tecnologia digital para “atualizar filmes
antigos, tirando de cena os cigarros”, que seriam substituídos, por exemplo,
por pirulitos inseridos digitalmente. “Mas isso não é mudar a História?”,
pergunta uma assombrada repórter. “Não, eu acho que estamos melhorando a
História”, responde convicto o senador.
Pois essa tendência revisionista
em relação ao passado parece ser uma obsessão na atualidade. Artistas como
Jordan Lloyd, Dana Keller e Sanna Dullaway são alguns exemplos dessa tendência
de colorizar digitalmente fotografias históricas do final do século XIX e
início do século XX. A cuidadosa adição de cor produz o efeito de alterar dramaticamente
nossa percepção da História: de uma relíquia do passado, as fotos passam a
adquirir um estranho brilho de ser uma extensão do presente.
sábado, novembro 23, 2013
Hollywood brinca de Big Brother no filme "Jogos Vorazes"
sábado, novembro 23, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois de uma safra de filmes de ficção científica que vai de “Cidade
das Sombras”, passando por “Matrix” até chegar a “Distrito 9”, assistir ao
filme “Jogos Vorazes” (The Hunger Games, 2012) é um retrocesso. Seu mundo distópico
inspirado no imaginário orwelliano do Big Brother do livro clássico “1984” daria uma aparência supostamente “contestadora” e "crítica" a um produto que tenta reproduzir o
sucesso de franquias como “Crepúsculo” e “Harry Potter” com um produto "diferenciado". Porém, a crítica cinematográfica parece desatualizada: o sistema que banca o discurso “contestador”
de filmes como esse há muito superou o Big Brother de Orwell e é capaz de
ironicamente brincar com seus mundos distópicos e fazer o reality show rir de
si mesmo.
Adaptado do livro voltado ao
público juvenil The Hunger Games de
Suzanne Collins, o filme Jogos Vorazes
foi saudado pela crítica como um produto diferenciado dentro da estratégia
hollywoodiana de produção de franquias como Crepúsculo
ou Harry Potter. Ao lado dos
indefectíveis amores impossíveis e adolescentes incompreendidos e melancólicos
com os tradicionais problemas de relacionamentos familiares, Jogos Vorazes teria um conteúdo “mais
contestador”, por ser inspirado em obras distópicas como 1984 e Admirável Mundo Novo
com discussões sobre o autoritarismo, exploração de classes, culto a
celebridades, poder, obediência e controle.
Como explicar que um blockbuster hollywoodiano tenha um “conteúdo
contestador”, ainda mais em se tratando de obras para um público juvenil cujos
filmes se caracterizam pela aplicação rígida das regras do gênero? Parece que a
crítica cinematográfica anda desatualizada em relação à indústria de
entretenimento contemporânea: há algum tempo o modelo distópico de Orwell e
Huxley se tornou tema dileto de Hollywood, pelo fato de que se tornou um clichê em filmes do gênero ficção-científica pretensamente contestadores.
Principalmente, porque com a nova configuração do Estado e do Poder criada pela
Globalização, esse modelo orwelliano de controle social e dominação ficou
ultrapassado.
quarta-feira, novembro 20, 2013
O espectro da Patafísica no show midiático do mensalão
quarta-feira, novembro 20, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para que serviu o show midiático da prisão dos "mensaleiros" cuidadosamente roteirizado pelo STF e
a mídia se todos os lados do espectro político interpretam o episódio a seu
favor? Talvez a verdadeira função do show tenha sido imaginária, como um
verdadeiro “potlatch” político: um espetáculo irônico de destruição e
desperdício de recursos públicos, cujo processo de julgamento do mensalão supostamente
queria combater através de uma exemplar demonstração moralizante. Tal qual a
instituição primitiva do “potlatch”, um show oferecido como dádiva em pleno
feriado como demonstração de poder inútil e fetichista. Espetáculo de
desperdício de riqueza como forma mítica de sedução e fascínio. Se isso for verdade, testemunhamos um evento político brasileiro que se inscreve no campo da Patafísica: a ciência
das soluções imaginárias, tal como foi proposta pelo dramaturgo Alfred Jarry, o precursor do
teatro do absurdo.
“Em um mundo cada vez
mais delirante, convém analisá-lo de forma delirante.”
(Jean Baudrillard)
Com pompa e circunstância, as
emissoras de TV acompanharam ao vivo os condenados do processo do mensalão se
entregarem na Polícia Federal. Avidamente, as teleobjetivas procurando o melhor
ângulo na subida da escadaria do avião da Polícia Federal que os levaria a Brasília até serem confinados no presídio da Papuda. Os mais aguardados, José
Dirceu e Genoíno, não se fizeram de rogados: cada qual levantou o punho
cerrado, em gesto de desafio para caracterizarem diante das câmeras que eram,
na verdade, presos políticos.
O impacto simbólico pretendido
pelo presidente do STF (ordens de prisão expedidas em pleno feriado da
Proclamação da República) atingiu em cheio a opinião pública, tal qual ondas de
impacto da explosão de uma bomba: discussões acirradas e polarizadas dominaram todas
as redes sociais durante o dia. Toda a ritualística explicada didaticamente
pela TV (detalhes das poltronas ocupadas por cada um no avião, as algemas, o
trajeto pacientemente traçado com locais e horários de partida e chegada,
detalhes da cela da prisão dando destaque à latrina e o banho de água fria
etc.) desde a apresentação dos condenados à suas prisões.
sábado, novembro 16, 2013
Revisitando a paranoia gnóstica do filme "O Segundo Rosto"
sábado, novembro 16, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Terceiro filme da trilogia da paranoia do diretor John Frankenheimer, “O
Segundo Rosto” (Seconds, 1966) é uma obra que merece ser revisitada com cuidado,
47 anos depois. Isso porque a sua estranha fotografia granulada em preto e
branco com bizarros e claustrofóbicos planos de câmera acabaram criando um
verdadeiro clássico da paranoia e da esquizofrenia. Marca de uma década que
vivia o auge da Guerra Fria e um filme dotado de uma misteriosa sensibilidade
gnóstica que, mais tarde, produções como “Show de Truman”, “Matrix” e “Cidade das
Sombras” explorariam: uma sinistra “Companhia” promete fazer pessoas “renascerem”
em novas identidades, sob uma suposta promessa de liberdade e autorrealização.
Porém, o jogo é desigual e seus “clientes” descobrirão isso de uma terrível
maneira.
Um filme para ser revisitado com
todo cuidado. “O Segundo Rosto” (Seconds, 1966) de John Frankenheimer é o
terceiro filme da sua trilogia da paranoia, depois de “O Candidato da
Manchúria”, (The Manchurian Candidate, 1962) e “Sete Dias em Maio” (Seven Days
in May, 1964). Sua estranha e fascinante fotografia em preto e branco
granulada, os bizarros ângulos de câmera conseguidos através de lentes grande
angular (“olho de peixe”) e a utilização de câmera manual dão um aspecto
doentio e paranoico que muitos críticos chamaram de estilo sci fi noir. O visual é expressionista: é como se tivessem pego o
quadro “O Grito” de Edward Munch e dado vida cinematograficamente.
O filme
deve ser revisitado com cuidado porque, voltando a assisti-lo 47 anos depois,
percebemos que sua narrativa possui diversas camadas de interpretação. Se nos
filmes anteriores da trilogia a paranoia era imediatamente política, aqui o
diretor mergulha no psiquismo de um indivíduo com a suspeita de que o mundo ao
redor pode ser falso e conspirador. Essa é a primeira camada narrativa de o
“Segundo Rosto”, que faz lembrar a paranoia de personagens como os de Jim Carey
em “Show de Truman” ou de Keanu Reeves em “Matrix”.
quinta-feira, novembro 14, 2013
A bomba semiótica da "black bloc good-bad girl"
quinta-feira, novembro 14, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dos elogios de Caetano
Veloso nas páginas do jornal O Globo
aos “lindos olhos amendoados” do anarquismo à capa da revista Época com “Dani
Pantera”, temos a evidência de que mais uma bomba semiótica explode na opinião
pública nacional: a bomba da “good-bad girl black bloc”. Uma bomba linguística
de fragmentação semelhante às cluster bombs reais que explodem em pedaços com a finalidade de aumentar o número de
vítimas em um campo de batalhas: no caso da bomba da good-bad girl, explode em fragmentos semióticos da “mitologização”
e do “diversionismo”, vitimizando tanto à opinião pública quando os próprios black blocs
que se julgam alvos de uma suposta conspiração midiática.
Parece haver um erro metodológico
nas críticas sobre a forma como a mídia aborda os chamados black blocs. Segundo
as críticas, as grandes emissoras de TV e revistas de circulação impressa como Veja, Época e jornais como O Globo
tratariam os integrantes desse movimento como vândalos, baderneiros,
criminosos, bandidos etc. O último lance dessa crítica seria a matéria da
revista Época dessa semana que teria
entrevistado a suposta liderança dos black blocs, Leonardo Morelli, que falou
sobre o recebimento de verbas de ONGs nacionais e estrangeiras. A rápida reação
dos integrantes do movimento nas redes sociais foi de perplexidade, críticas e
opinião unânime: mais uma “globisse” para denegrir os black blocs.
Porém, saindo do campo textual e
analisando o conjunto texto/imagem não só dessa matéria, mas de diversos
veículos, temos uma mensagem exatamente contrária: glamourização, mitologização
e até erotização da ação e dos personagens desse movimento – Caetano Veloso
escrevendo loas sobre a foto de uma black bloc com “lindos olhos amendoados”
(“o anarquismo é lindo”, concluiu), imagens de ativistas em ação nas ruas em fotos
cuidadosamente escolhidas em composições míticas e heroicas etc. As críticas a
forma como a grande mídia vê a ação desse movimento fica apenas na análise
textual ou manifesta, esquecendo-se de perceber a embalagem dentro da qual
essas matérias são vendidas, o aspecto latente ou subliminar.
quarta-feira, novembro 13, 2013
Em Observação: "Viva Enquanto Puder" (Bliss, 1985)
quarta-feira, novembro 13, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um publicitário bem
sucedido sofre um ataque cardíaco no dia do seu aniversário. É reanimado, mas
não sabe se de fato está vivo ou passa por alguma experiência pós-morte. É o
início de uma jornada surrealista que irá colocar em xeque os seus valores
familiares e da própria sociedade. Essa é a sinopse do filme australiano cult “Viva Enquanto
Puder (Bliss, 1985), temática muito comum na década de 1980 que acabou formando
um subgênero de filmes que esse blog chama de “desconstruindo o yuppie”: no
meio de um período de capitalismo vitorioso com a expansão da publicidade e do
mundo das altas finanças, surgem filmes que criam um contraponto crítico ao
mostrar protagonistas bem sucedidos que têm a vida virada pelo avesso.
terça-feira, novembro 12, 2013
A semiótica do pensamento neoconservador
terça-feira, novembro 12, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O episódio da ironia incompreendida do texto da coluna de Antonio Prata no jornal Folha de São Paulo que arrancou
uma entusiasmada solidariedade de neoconservadores, revelou um mecanismo mais profundo no qual se baseia a
eficiência da ferramenta da simulação como arma para combater bombas
semióticas: tanto a pegadinha do falso estudante atrasado do Enem quanto a de Antonio Prata que simulou ter se convertido ao machismo, racismo e homofobia, têm como elemento comum aquilo que pesquisadores como Frederic Jameson apontam na cultura pós-moderna - a sensibilidade pastiche, paródia lacunar porque perdeu o
senso de humor, demonstrado em situações como essas quando leitores e repórteres se reconhecem refletidos na sua
própria caricatura.
Está comprovado. A estratégia da
simulação é a principal ferramenta para desarmar e neutralizar (desmoralizar)
as bombas semióticas que semanalmente estão explodindo no contínuo midiático
nacional. Na semana retrasada acompanhamos a simulação do estudante atrasado do
Enem que sem querer acabou desarmando e expondo à opinião pública o modus operandi de montagem das bombas
semióticas (pautas pré-estabelecidas e “hipóteses” definidas à espera de
fragmentos de eventos que se transformem em evidências por si mesmas).
Pois nessa última semana
acompanhamos a “pegadinha” do colunista do jornal Folha de São Paulo Antonio Prata: simulando ter se convertido
definitivamente aos argumentos neocons
(abreviação de “neoconservador”), escreveu uma coluna raivosa intitulada “Guinada
à Direita” onde denuncia uma suposta conspiração para “levar o País ao
abismo”, perpetrada por “gays, negros, índios, vândalos, maconheiros, comunistas,
aborteiros, feministas rançosas e velhos intelectuais da USP”. Prata fez um
texto que é praticamente um inventário dos principais clichês direitistas e neocons, com o mesmo estilo grosseiro e
raivoso.
domingo, novembro 10, 2013
O lado sombrio do mundo Disney no filme "Escape From Tomorrow"
domingo, novembro 10, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sensação no Festival de Sundance desse ano, o filme independente “Escape
From Tomorrow” (2013), rodado sem autorização no parque da Disney World e Epcot
Center, foi lançado mesmo com a ameaça de possíveis ações judiciais. Em um
cruzamento do messianismo do grotesco de David Lynch com o surrealismo de Buñuel e filmado em preto e branco,
vemos um protagonista que tenta viver o último dia de férias na Disneylândia como
um dia memorável, mesmo depois de saber que perdeu o emprego e esconder a
notícia da família. Mesmo estando dentro do mundo de sonhos criado pelo imaginário do parque, aos poucos ele cria um pesadelo paranoico: cabeças decapitadas, princesas da
Disney que se transformam em prostitutas para empresários japoneses e uma
gigantesca conspiração por trás da marca Disney sob o apoio tecnológico da
corporação Siemens.
A estreia de “Escape from
Tomorrow” no Festival de Sundance de cinema independente esse ano foi
impactante. “É o melhor filme que talvez você jamais tenha a chance de ver”,
diziam os críticos no festival. Isso porque o filme foi rodado sem autorização
na Disney World e Epcot Center e que, certamente, a pata corporativa de Mickey
iria cair pesada com ações judiciais e a produção jamais seria lançada. O filme
agora ocupa uma posição análoga no cinema independente ao lançamento do filme
“A Bruxa de Blair” realizado há mais de uma década.
Pois o filme foi lançado comercialmente nesse
semestre e surpreendentemente verificou-se muito pouca reação da Walt Disney, o
que criou uma espécie de decepção nos críticos que esperavam muito sangue e
batalhas jurídicas, levando a supor que talvez a crítica do filme em relação ao
“maravilhoso mundo de Disney” não tenha sido dura o suficiente. Claro, isso em
um país como os EUA onde o termômetro do sucesso corresponde ao sensacionalismo
da quantidade de processos contra um produto cultural, o que determinaria o
sucesso de bilheteria pelo escândalo.
sexta-feira, novembro 08, 2013
Rei do Camarote e Huck "Gigante": bombas semióticas no front da guerrilha dos memes
sexta-feira, novembro 08, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma semana depois do contra-ataque involuntário às bombas semióticas do
Enem feito por um estudante que simulou ser um candidato atrasado, veio a
reação: uma nova bomba semiótica, dessa vez em um novo front, ainda mais letal
por atingir dessa vez a percepção e a memória, instâncias pré-linguísticas. O
vídeo do “Rei do Camarote” transformou-se em novo meme que explode em uma
guerrilha memética cujo ponto de partida foi o filme publicitário “Gigante”
protagonizado pelo apresentador Luciano Huck: memes intencionalmente elaborados
para tornar o contínuo midiático ainda mais tenso e pesado.
A proximidade do final do ano e
a lembrança que também nos aproximamos da Copa do Mundo e eleições
presidenciais, está tornando cada vez mais pesada a atmosfera midiática
nacional. Toda semana novos petardos de bombas semióticas cada vez mais
sofisticadas são disparados no imaginário social, politicamente cada vez mais
turvo e tenso. Se na semana anterior acompanhamos um contra-ataque do que
chamamos de “bomba pós-moderna” (a simulação de um estudante que se passou por
candidato atrasado na prova do Enem e que colocou a nu o mecanismo de montagem
das bombas semióticas – clique
aqui para ler), nessa semana tivemos a resposta imediata que abre um novo
front de batalha ao lado das guerrilhas semiológicas: as guerrilhas meméticas.
Muito se fala de uma guerra
memética desde o cenário aberto nas manifestações de junho. Mas, assim como no
Marketing, nesse novo campo de guerrilha procuram-se agora criar memes
artificiais. É o caso da matéria apoiada por um vídeo sobre o chamado “Rei do
Camarote” publicado pela “Vejinha” ou Veja
São Paulo.
quinta-feira, novembro 07, 2013
Um guia prático de engenharia de opinião pública em "Obrigado Por Fumar"
quinta-feira, novembro 07, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
De maneira cínica e irônica, o filme “Obrigado Por Fumar” (Thank You For
Smoking”, 2005) nos apresenta como se faz uma engenharia de opinião pública: a
forma mais insidiosa e profunda de manipulação baseada numa suposta liberdade
de opinião e escolhas na qual se funda a democracia ocidental baseada na
mediação da opinião pública através dos meios de comunicação. Tal engenharia
chamada de “agenda setting”, e didaticamente mostrada pelo filme, se basearia
no seguinte princípio: se todos os argumentos são válidos e se anulam (“a
beleza da argumentação é que você nunca está errado”), segue-se que o mais
importante é dar às pessoas a impressão de liberdade de opinião quando, na
verdade, uma pauta ou agenda já foi secretamente imposta para a sociedade.
segunda-feira, novembro 04, 2013
O espectro do gnosticismo ronda a cultura na animação "The Painting"
segunda-feira, novembro 04, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um espectro ronda a produção cultural contemporânea: o Gnosticismo.
Não, não se trata de uma conspiração ou de alguma seita secreta que
silenciosamente se espreitaria subliminarmente em filmes e animações. Trata-se
de uma mudança de sensibilidade em relação à realidade e aos próprios produtos
culturais que procuram representá-la, um senso mais metalinguístico e auto-referencial
que questiona a representação e a própria natureza da realidade. A animação francesa “The
Painting” (Le Tableau, 2011), dirigida por Jean-
François Laguionie é um flagrante exemplo onde personagens fauvistas no
interior de quadros em um empoeirado estúdio estão em busca do Pintor, numa
evidente analogia com questões teológicas e filosóficas: ele existe? Retornará
um dia para completar suas obras? Quem desenhou o Pintor?
De programas infantis como
“Mister Maker”, passando por animações como “Hora de Aventura” e “Apenas um
Show” ou quadrinhos como “Capitão Cueca”, até os filmes mais elaborados para
adultos como “Matrix”, “Show de Truman” e “A Origem”, a sensibilidade é a
mesma: ironia, auto-referência, discurso indireto, metalinguagem, uma espécie
de autoconsciência dos personagens de que a narrativa em que estão imersos é
ficcional, um constructo de algum autor, demiurgo ou entidade arbitrária, que
algumas vezes quer lhes controlar e confinar.
A animação francesa de Jean-François
Laguionie, “The Paiting” (Le Tableau, 2011) é um bom exemplo dessa
sensibilidade contemporânea, além de ser uma ótima alternativa às animações
computadorizadas das produções norte-americanas. A narrativa é centrada em um
mundo no interior de um quadro em ambientes fauvistas ao estilo de Matisse e
cacos de Chagall. É apenas mais um quadro entre vários que estão no atelier de
um pintor, mas para os habitantes daquela tela é um cosmos fechado em si mesmo.
Apesar da beleza das cores,
texturas e traços, percebemos que aquele mundo não é tão poético: possui uma
rígida ordem social dividida em três castas: a elite formada pelos Toupins que
habitam um castelo. São pinturas finalizadas e de estilo definido. Em seguida
vêm os Pafinis, os “não terminados”: figuras não acabadas nas quais o pintor da
obra não deu um acabamento final ou deixou de pintar um detalhe qualquer. E
abaixo de todos, os Reufs, verdadeiros esboços vivos, personagens cujo pintor
nem iniciou e dotados apenas de linhas e contornos de lápis.
sábado, novembro 02, 2013
Estudante implode bomba semiótica do Enem
sábado, novembro 02, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sem querer o estudante da USP que simulou ser um candidato atrasado do
Enem, cujas fotos ocuparam primeiras páginas de jornais e portais de Internet,
acabou abrindo uma perspectiva de contra-ataque na verdadeira guerrilha semiológica que
toma conta da opinião pública brasileira: contra a manipulação midiática, a
simulação; contra a mentira, o seu paroxismo: o simulacro! É a “bomba
pós-moderna”, que ajudou não só a implodir como colocou a nu o processo de
construção de bombas semióticas, como as que a mídia detona contra o Enem. A estratégia irônica do
contra-ataque através da simulação como forma de desmoralizar a mídia segue a tática como a do agitador cultural Joey Skaggs (famoso nos EUA por "pegadinhas" contra a
TV e jornais) e de manifestantes em Portugal contra as políticas de austeridade.
Nessa semana, uma pessoa fez
mais estragos que dezenas de black blocks depredando fachadas de bancos e de lanchonetes multinacionais. Trata-se de um aluno do curso de Ciências
Contábeis da USP, Flávio de Queiroz, que simulou diante de fotógrafos e
jornalistas ser um candidato atrasado na prova do Enem realizado no último domingo. A
foto dele dramaticamente tentando escalar as grades da Uninove, na Barra Funda,
São Paulo, saiu em portais da Internet e primeira página do jornal Folha de São
Paulo ao lado de uma sombria manchete: “Quase um terço dos candidatos não faz
Enem”.
Ao lado
da barrigada da rádio CBN em que uma ansiosa repórter confundiu um aviso de um
curso de alemão na USP como um aviso cifrado da bandidagem sobre a chegada da
polícia para apressadamente confirmar uma pauta estipulada pela reportagem (veja links abaixo), o
episódio da simulação do aluno atrasado do Enem pôs a nu o processo de montagem
da notícia com a finalidade de torná-la uma bomba semiótica.
quinta-feira, outubro 31, 2013
Cinema de ficção científica do Sul mostra o novo Big Brother
quinta-feira, outubro 31, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A fala do
cientista chefe da NASA, Dennis M. Bushnell, de que a solução para todos os
problemas globais seria despachar a humanidade para o mundo virtual das redes
eletrônicas, livrando o planeta da ação daninha do homem, é o sintoma de uma
crise da nossa percepção de futuro. Filmes de ficção científica da América
Latina e de países periféricos à Zona do Euro refletiriam esse sintoma cultural
onde o futuro não é nem utópico nem distópico, mas agora hipo-utópico: um estranho futuro cada vez mais parecido com o presente. A alta tecnologia convivendo com favelas, deterioração urbana,
precarização do trabalho e muito lixo que, muitas vezes, se confunde com seres
humanos ou alienígenas que necessitam ser controlados, confinados, descartados ou eliminados. O novo Big
Brother não integra a todos obrigatoriamente como nas distopias 1984 ou Admirável Mundo
Novo, mas agora exclui a maioria compulsoriamente como mostrado nos filmes da chamada “Ficção
Científica do Sul”.
Um mundo ameaçado pelo aquecimento global e guerras. Causa: política,
religião, megalomania, crescimento populacional e disputas territoriais.
Solução: inteligência artificial, nanoteconolgia e biotecnologia, substituindo
progressivamente a ação humana pela automação e robótica. Afastado
de profissões enfadonhas como “caixas de banco, frentistas de postos de
gasolina, ensino, pilotos, soldados”, o ser humano ocuparia seu tempo livre
habitando mundos virtuais tri-dimensionais simulando, por exemplo, “a experiência
de se sentar numa praia tropical”. Mais do que isso, o planeta se livraria da
ação econômica e política humanas historicamente danosas ao meio ambiente
simplesmente transferindo a humanidade para o mundo virtual das redes
eletrônicas conectadas com o sistema neuronal humano.
Sobre o quê
estamos falando? A sinopse de algum filme de ficção científica ? Longe disso.
Essa é a síntese de uma palestra proferida por Denis Bushnell, cientista chefe
da NASA no Langley Research Center, na Conferência da World Futurist Society em
Boston, EUA em Julho de 2010. Se essas projeções do cientista chefe da NASA vão
ocorrer isso pouco importa. O mais importante é a estranha ironia que guarda
essa notícia: no espaço de uma organização civil que pretende reunir cientistas
e intelectuais para propor visões para o futuro, Bushnell propõe uma estranha
utopia, onde a humanidade, de tão inútil e maléfica para o planeta, seria
despachada para uma espécie de nowhere
virtual. Contrariando a visão de um futuro como lugar que alcançaríamos (seja
utópico ou distópico), Bushnell propõe uma migração da espécie humana
desnecessária para um “não lugar”.
sexta-feira, outubro 25, 2013
A bicicleta como extensão do homem em dez cenas no cinema
sexta-feira, outubro 25, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Qual a relação entre rodas, bicicleta e aviões? O pesquisador canadense
Marshall McLuhan (1911-1980) em seu livro clássico “Os Meios de Comunicação
como extensões do Homem” faz interessantes interconexões históricas entre esses
três meios técnicos e seus desdobramentos culturais como o cinema e a invenção
de um veículo com rodas in line como o meio que conduzirá à aviação.
Dos insights do pesquisador canadense podemos descobrir secretas conexões entre
a invenção da roda, o cinema e as bicicletas na história da cultura. Mais do
que isso, descobrimos a base tecnológica de todo o imaginário de iluminação
espiritual e transcendência que a bicicleta passa a construir na cultura pop a
partir do pós-guerra.
No
capítulo “Roda, Bicicleta e Avião”, McLuhan narra a trajetória dos veículos de
tração por arrasto (trenó, esqui etc.) até a tecnologia da roda. Foi necessário
muito esforço mental e abstração para separar os movimentos recíprocos com as
mãos, do movimento livre das rodas. Os efeitos das carroças de quatro rodas
sobre a vida urbana foram extraordinários: desenvolvimento das cidades,
separação entre a vida urbana e rural etc. Com as ferrovias e estradas a força
configuradora das rodas ganha ainda mais força, até a atual era da informação diminuir
o seu poder de moldar as relações humanas.
Mas as
rodas deixaram dois importantes legados para a atualidade: o cinema e a
bicicleta. A câmera e o projetor do cinema são significativos por serem
constituídos por um conjunto sutil de rodas: enrolar o mundo em um carretel
para depois desenrolá-lo na tela. Com a convergência tecnológica, testemunhamos
mais um subproduto da era das rodas desaparecendo com a obsolescência do
dispositivo cinematográfico: o fim dos rolos de filmes e o início da projeção
de filmes digitais diretamente em streaming.
quarta-feira, outubro 23, 2013
A bomba semiótica do resgate dos cães de laboratório
quarta-feira, outubro 23, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em tempos de atmosfera politicamente mais leve, certamente o resgate
por ativistas de 178 cães de um instituto de pesquisas farmacêuticas em São
Roque (SP) seria relegado pelas redações da grande mídia aos blocos noticiosos
de notícias diversas. Mas o suposto descontrole das lideranças que viram
ativistas quebrando portões, depredando e levando os cães para, depois,
receberem a “ajuda” de black blocks elevou o evento à pauta nacional, para ser
submetido ao script da engenharia das bombas semióticas: “era uma vez uma
manifestação pacífica e...” Mas aqui temos uma novidade: a exploração da
relação mágica e mítica que nós temos com os animais, relação didaticamente mostrada no
filme “As Aventuras de Pi”.
Primeiramente quero me desculpar
com os leitores desse humilde blogueiro pela insistência sobre o tema bombas
semióticas. Para quem se dedica à pesquisa em meios e processos audiovisuais é
impossível ficar indiferente à atmosfera cada vez mais saturada e pesada
semioticamente – e por consequência politicamente. No futuro, pesquisadores
certamente irão transformar os acontecimentos pelos quais passamos em objetos
de dissertações e teses. Essa parece ser a miséria das ciências da comunicação:
só conseguimos entender os acontecimentos a
posteriori, isto é, interpretamos depois os acontecimentos como fenômenos filosóficos,
psicológicos ou sociológicos. Nada conseguimos compreende-los no momento, no “aqui
e agora” dos eventos, quando eles são acontecimentos
comunicacionais.
Nesse momento, representado pela
metáfora do “gigante que despertou”, uma histeria das manifestações toma conta
da agenda midiática: incêndio no Itamaraty, agressão a jornalistas, pedidos de
intervenção militar, protestos dos médicos contra a “escravidão de médicos
cubanos”, planos detalhe de carros virados e incendiados, Batmans Black Block
do bem e uma infindável série de eventos iconicamente anabolizados pela mídia.
sábado, outubro 19, 2013
Tem alemão no Campus? Repórter sofre acidente com bomba semiótica na USP
sábado, outubro 19, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A ansiedade em corresponder a uma pauta pré-estabelecida fez uma
repórter da rádio CBN detonar precipitadamente uma bomba semiótica que estava
sendo montada na cobertura de uma greve dos estudantes no Departamento de
Letras da USP. Graças a uma “barrigada jornalística” (a repórter confundiu a
mensagem “Alemão no Campus” de uma professora do Departamento com uma mensagem
cifrada da malandragem ao enfrentar inimigos), a repórter expôs sem querer o
mecanismo de funcionamento e a técnica de montagem de mais uma das bombas
semióticas usadas na guerrilha semiológica midiática atual onde se pretende
criar uma atmosfera de caos e pré-insurgência que supostamente estaria
dominando o País. Além disso, foi criado um surpreendente evento sincrônico: um
acidente com uma bomba linguística em um espaço justamente dedicado ao estudo,
ensino e pesquisa da linguagem.
Uma repórter da rádio CBN foi vítima
de um acidente durante a montagem de uma bomba semiótica na gravação de uma
matéria, na USP, sobre a greve dos estudantes na manhã do dia 11 de outubro.
Ansiosa por corresponder à pauta já pré-estabelecida pelos seus editores-chefes
(criminalizar e desmoralizar as ações e discursos dos grevistas para
transformá-los em exemplares do caos e desordem que estaria dominando o País),
a repórter acabou dando uma “barrigada” (no jargão do Jornalismo, uma matéria
falsa ou errada publicada com o estardalhaço de uma grande novidade). O arquivo
foi prontamente retirado do ar pela emissora, reeditado e agora disponível sem
a “barrigada” que detonou precipitadamente a bomba semiótica. Esse é a íntegra
do áudio da matéria:
“Na Faculdade de Letras, grevistas montaram piquetes com cadeiras empilhadas para impedir o acesso às salas de aula. No interior do prédio, onde a gente conseguiu entrar, havia também um recado de uma das professoras, que dizia “Alemão no Campus”, uma referência ao termo dado nas favelas ao falar dos inimigos. Ela dizia também que os alunos deviam ficar atentos aos e-mails, para saber das próximas atividades.(...)”
Não é necessário muito esforço
dedutivo para interpretar que “Alemão no Campus” dentro do departamento de
Letras da FFLCH refere-se aos cursos extra-curriculares de língua alemã
oferecidos a públicos internos e externos, assim como outros cursos oferecidos
à comunidade acadêmica - “Italiano no Campus” ou “Francês no Campus”. E que os
e-mails aos quais a professora se referia nada tinham a ver com informações de
táticas de combate contra os “inimigos” ou “alemães”, mas sobre próximas datas
do curso.
sexta-feira, outubro 18, 2013
Ao sul do futuro no curta "Why Cybraceros?" e no filme "Distrito 9"
sexta-feira, outubro 18, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Matéria-prima do cinema de ficção científica, as especulações sobre o
futuro estão desaparecendo. Em filmes como “Distrito 9” ou no curta “Why
Cybraceros?” de Alex Rivera o futuro transformou-se em uma projeção hiperbólica
do presente. Mundos utópicos ou distópicos que estariam esperando por nós no
futuro são substituídos por hipo-utopias: a precarização do trabalho e dos
direitos humanos e a sociedade transformada em um sistema estruturado em rede
com uma interface digital contínua semelhante a um jogo que apagaria as tensões
étnicas e raciais. É a chamada “ficção científica do Sul”, conjunto crescente
de filmes produzidos nas margens de Hollywood e que vêm projetando no futuro
próximo ou distante as mazelas do presente criadas pelas economias
globalizadas. E que guarda muitos paralelos com a ideia de Zygmunt Bauman sobre "modernidade líquida".
O filme “Distrito 9” (2009) talvez seja
a parte mais visível de uma tendência de filmes que alguns pesquisadores em
cinema têm definido como “ficção científica do Sul”. O curta digital on-line
“Why Cybraceros?” (1997) e “Sleep Dealer” (2008) do diretor Alex Rivera, por
exemplo, seguem essa tendência de filmes em estilo mockmentary (filmes feitos em estilo documentário com tom paródico)
e com características globais, seja pelos atores e empresas de produção de
países considerados periféricos, ou pela temática ligada às mazelas da
globalização sócio-econômica – imigrantes ilegais, xenofobia, racismo e
intolerência.
São filmes de ficção científica
onde a alta tecnologia (ícone característico do gênero) convive com favelas,
deterioração urbana, precarização do trabalho e muito lixo que, muitas vezes,
se confunde com seres humanos que necessitam ser controlados, confinados,
descartados ou eliminados – imigrantes e estrangeiros humanos ou de outros
planetas.
sexta-feira, outubro 11, 2013
Cultura geek e tecnognosticismo nas animações "Hora de Aventura" e "Apenas um Show"
sexta-feira, outubro 11, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O non sense, surrealismo e o humor muitas vezes sombrio das animações
“Hora de Aventura” e “Apenas um Show” (sugeridas pelo nosso leitor Paulo Massa)
causam estranheza nos adultos, embora as crianças as compreendam muito bem.
Essas animações são produtos culturais criados por representantes de uma
geração que cresceu vendo “Os Simpsons” e jogando "Dungeons and Dragons". Seus
criadores Pedleton Ward e J.G. Quintel são os mais acabados representantes de
uma cultura geek que conseguiu mesclar a tecnociência com o misticismo e magia
– o “tecnognosticismo”. Por isso conseguem dialogar com uma geração de crianças
cuja sensibilidade se altera com o entretenimento em plataformas móveis como
Ipods, tablets e celulares.
Hits do canal Cartoon Network,
as animações “Hora de Aventura” (Adventure Time) e “Apenas um Show” (Regular Show) podem ser considerados
produtos culturais criados por uma geração que cresceu vendo “Os Simpsons”,
jogando o RPG e game de computador Dungeons
and Dragons. E quem afirma isso são os seus próprios idealizadores,
respectivamente Pedleton Ward e J.G. Quintel.
São típicos produtos de uma
cultura geek que cresceu em contato com tecnologias de convergência e
interfaces digitais e muita navegação em ambientes fragmentados por
hipertextos. Acostumados que estamos com narrativas tradicionais em três atos,
com muitas gags visuais, correria e perseguições ao melhor estilo slapstick dos desenhos animados
tradicionais, assistir a esses novos produtos é uma experiência de
estranhamento pelo total surrealismo e non
sense.
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