O surrealismo foi deixado para trás, lá no século XX, e hoje suas imagens viraram de pôsteres que decoram das casas de amantes da arte cult às psyOps publicitárias que fisgam o inconsciente do consumidores. Mas, em plena cena do chamado “cinema da meia-noite” dos anos 1970, David Lynch (que deixou esse mundo aos 78 anos no último dia 15) resgatou a essência incômoda do surrealismo: o cinema como instrumento para revelar como no cotidiano o psiquismo preenche aquele “gap” existente entre a alma e a realidade. Lynch foi o mestre em pegar histórias banais e transformá-las em labirintos obscuros de pistas falsas num mix de filme noir, gótico americano e humor negro. Em uma filmografia que surge o seu principal protagonista: o Detetive – no cotidiano banal que oculta o mundo dos sonhos (e pesadelos), somente o Detetive pode, através das imagens, resolver enigmas através da experiência de estranheza e alienação. Porém, no final, David Lynch descobre que nem o cinema é capaz disso, porque feito pela mesma lógica onírica – montagem, edição etc. Depois de desconstruir tudo, restou a ele o seu entusiasmo pela meditação transcendental: silenciar toda linguagem e a mente. E, quem sabe, encontrar a gnose.