sexta-feira, junho 13, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine o filme “O Clube da Luta” filmado não em uma paisagem
urbana decadente, mas em uma idílica e ensolarada praia na costa australiana.
Esse é o filme “O Surfista” (The Surfer, 2024), mais uma produção em que
Nicolas Cage faz um personagem que abandona a sua vida pequeno-burguesa para
mergulhar no poço da loucura, surrealismo e estranheza. Um homem de meia-idade
que busca se reconectar com suas raízes na esperança de comprar a antiga casa
da família e mostrar ao filho adolescente as alegrias do surfe. Mas Cage é impedido
e hostilizado por surfistas valentões guiados por um líder de uma espécie de
seita exclusivista masculina cujo mote é “Surfar, Sofrer!” – através da dor e
violência recuperar a essência masculinidade perdida numa sociedade que se
tornou decadente, consumista e feminizou-se. A identidade masculina está em
crise desde o Pós-Guerra. Mas no século XXI transformou-se em outra coisa: no
machismo renitente.
sexta-feira, junho 06, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A princípio, “Mountainhead” (2025), que estreia na HBO Max, é mais
uma produção na onda atual de mostrar como os super-ricos podem ser tristemente
ridículos. Em um mundo onde a inteligência artificial causa turbulência
política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de
distinguir a realidade, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, discutem
sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a
instabilidade para encher os bolsos. Produções como “White Lotus”, “O Menu” e “Triângulo
da Tristeza” parecem nos oferecer o prazer da catarse ao vermos extremamente
ricos se darem mal de formas ridículas. Ao contrário, “Mountainhead” não há
catarse: como fossem adolescentes amorais, são perigosamente motivados pelas distopias
atuais que motivam o Vale do Silício: Tecnognosticismo e Aceleracionismo.
“Pensamentos
de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo,
mas agora o mundo é o ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço –
ideologia transformada em fantasia de garotos pré-adolescentes:
uma regressão do sexo para uma forma autística de poder”
(Arthur
Kroker & Michael Weinstein, “Data Trash”)
Em meados dos anos 1990, os cientistas políticos Arthur Kroker e
Michael Winstein descreveram de forma crítica o nascimento da chamada classe
virtual, formada pela tecno-inteligência de cientistas da cognição,
engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todo um
conjunto de especialistas em comunicação.
Para eles, essa variação histórica da elite burguesa era
impulsionada não mais pela ética protestante (como na velha burguesia
industrial) mas por um imaginário que denominavam como de “masculinidade
pré-adolescente”. É a primeira geração dessa ciber-elite, a geração de Bill
Gates e Steve Jobs, que ainda mascaravam esse imaginário com um discurso de
relações públicas messiânico, como o discurso da “estrada do futuro” de Gates.
Essa fachada mercadológica cai por terra com a segunda geração,
iniciada pela figura emblemática de Mark Zuckenberg e a sua rede social
Facebook - um jovem nerd de Havard que desconta sua ansiedade sociopática difamando
pessoas em um blog enquanto tem uma ideia divertida, pelo seu ponto de vista:
um jogo com as fotos de todas as moças da universidade para que as pessoas
possam escolher qual a mais bonita. Assim nasceu o Facebook.
Enquanto seus pares geracionais, Elon Musk e Jeff Bezos fazem
questão de não esconderem sua impulsividade adolescente um brinca de apoiar
golpes de Estado e apoiar o fascismo politicamente incorreto na sua rede social
“X”; e o outro se diverte como astronauta com o foguete Blue Origin ou manda
para órbita uma tripulação feminina em sensuais trajes espaciais que fariam
inveja ao Capitão Kirk da série Star Trek- clique aqui.
Agora essa elite virtual chegou a sua terceira geração. Uma elite
geek dona de startups unicórnios (aquelas cujo valor especulativo chegou a um
bilhão de dólares) inspirados em piratas cibernéticos como Julian Assange,
Edward Snowden ou o coletivo hacker Anonymous. Ciber-segurança, back-doors,
malwares e instruções algorítmicas executadas diretamente no processador,
hackers, crackers e black hats, ciber ataques etc. passam a ocupar o vocábulo
dessa nova geração.
Com a Inteligência artificial e toda a geopolítica da ocupação das
“terras raras” e construção de datacenters para acabar com a soberania digital
dos Estados-Nação, eles alcançam o hackeamento final: a da própria realidade,
impulsionados pelo imaginário do transhumanismo (a imortalidade de uma
consciência digitalizada que habitaria a rede informacional) e aceleracionismo
(a “destruição criativa” gerada pela aceleração caótica de processos sociais e
tecnológicos). Chegando ao estado da arte dquilo que Kroker e Wistein anteviram
no final do século passado: fantasias masculinas adolescentes que regrediriam a
formas autísticas de poder.
É sobre essa geração que trata a comédia dramática Mountainhead
(2025), o mais recente projeto de sátira política de Jesse Armstrong,
criador da aclamada série Succession , da HBO. Assim
como Succession , Mountainhead aborda temas
como política, poder e capitalismo de frente, com cada um dos personagens sendo
uma paródia dos bilionários da tecnologia do mundo real que influenciam.
Mountainhead se
passa em um mundo onde recentes avanços em inteligência
artificial causaram turbulência política e instabilidade internacional,
com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade. Em meio ao
caos, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis pelo desastre se
refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, eles discutem sobre seus
próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para
encher os bolsos. Pela TV veem imagens do caos político e humanitário global,
enquanto tudo o querem é um final de semana de “zoação”: pôquer e fast-food em
uma espécie de clube do Bolinha. Enquanto decidem o destino do planeta.
O filme é uma crítica certeira à megalomania de se autopromover
que agora aflige os membros dessa oligarquia tecnológica. O problema, que
também eles controlam as alavancas do mundo.
Uma pitada de tudo: megalomania autopromocional, amoralidade
adolescente, o sonho da imortalidade, hackeamento da realidade pela IA
transformando o caos em “zoação” e a ideologia do aceleracionismo para
racionalizar a catástrofe que assistem nas telas dos seus smartphones.
“Uma cabeça explode desse jeito? Isso só pode ser IA”, comenta em
tom de piada um vídeo da CNN mostrando mais um sangrento conflito nas ruas de
algum lugar no Oriente Médio. Essa é uma pequena amostra das cínicas linha de
diálogo de Montainhead.
O Filme
Os quatro homens em Mountainhead se apelidaram de
Brewsters e se reúnem há tempo suficiente para que suas noites de pôquer tenham
construído uma tradição séria. As regras são: sem falar em negócios (embora
tudo o que eles parecem falar seja sobre negócios), sem refeições (a equipe de
cozinheiros foi mandada embora e eles se viram apenas com junk food) e sem
saltos altos (presumivelmente referindo-se à ausência de mulheres, embora a
vida pessoal de cada um desses caras também esteja em ruínas).
Há apelidos - Jason Schwartzman, cujo personagem bajulador Hugo
vale apenas US$ 521 milhões, é "Soup Kitchen", ou
"Soupes" para abreviar, enquanto Randall (Steve Carell), o membro
sênior e eminência parda, é "Papa Bear".
Nesse Clube do Bolinha há uma tradição de homens escreverem com
batom o valor de seus patrimônios líquidos no peito e depois serem coroados com
um diadema, um chapéu de capitão e um quepe de marinheiro com base em suas
classificações. Venis (Cory Michael Smith) é o atual campeão, com US$ 220
bilhões — um sociopata sorridente cuja empresa de mídia social, Traam, acaba de
lançar um conjunto de ferramentas de conteúdo que permitem deepfakes, cujos
efeitos desestabilizadores sobre governos mundiais são transmitidos por meio de
alertas nos celulares cada vez mais alarmantes.
Em terceiro lugar, mas subindo rapidamente, está Jeff (Ramy
Youssef), cuja empresa de IA está recebendo um grande impulso com os desastres
causados pela última atualização da Traam.
Sua IA BILTER tem a capacidade de filtrar a inteligência
artificial de Venis e torná-la muito mais segura. Por isso, Venis está ansioso
para fechar um acordo comercial com ele. No entanto, Jeff age pelas costas de
Venis e diz a Randall (o segundo colocado) que eles deveriam ir ao Conselho da
Diretoria da Traam para tirar Venis da presidência. Jeff também planeja levar
sua IA ao governo dos Estados Unidos, permitindo que eles regulem a IA de
Venis, parem com a campanha de desinformação e corrijam a instabilidade no
mercado.
Esse é o foco de tensão criada dentro do grupo, diante do cenário
distante do mundo em caos nas telas de TV e smartphones no chalé remoto em que
estão. Randall tem câncer e não leva a sério os prognósticos dos médicos: “Como
pode? Fazemos tantas coisas e não conseguimos consertar uma cartilagenzinha!”.
Ele se recusa a aceitar que seu câncer é terminal.
Portanto, vê no impulsivo Venis a realização da esperança
transhumanista e aceleracionista para daqui a cinco anos – a possibilidade de
um upload final que salve sua consciência digitalizada na rede, tornando
imortal. A concretização do sonho tecnognóstico e transhumanista à base de uma
IA treinada com dados que estão provocando o caos político – este é um dos
princípios aceleracionistas: as mudanças rápidas podem até custar muitas vidas
hoje. Mas amanhã, muito mais vidas humanas serão salvas. Principalmente, as
vidas das mentes valiosas da elite tecnológica.
Randall não é fã do plano de Jeff – chocado, ele acha que Jeff é um “traidor
desacelaracionista”. Imediatamente vai até Hugo e Venis e conta a eles o
plano de Jeff, afirmando que precisam impedi-lo de fazer isso.
Eventualmente, o trio conclui que matar Jeff é a única opção. Eles racionalizam
isso para si mesmos, dizendo que, de uma perspectiva utilitária, matar Jeff
hipoteticamente salvaria vidas no futuro, cuja IA de Venis melhoraria. Assim,
a segunda metade do filme acompanha Randall, Hugo e Venis enquanto eles tentam
matar Jeff de diversas maneiras cômicas.
Nas densas linhas de diálogo (com acenos a insípidas tentativas de
filosofia moral baseada em Marco Aurélio, Kant e Nietzsche) há poucos vislumbres
de humanidade, revelando um tipo de distópico isolamento do Vale do Silício – a
ideia de que qualquer coisa que façam a curto prazo é permitida porque tudo
levará à salvação da humanidade.
Uma espécie de irresponsabilidade feliz: autopromoção
mercadológica, aumentar o patrimônio líquido sem qualquer regulamentação
pública e salvar a humanidade são ideias que convivem entre si tranquilamente
nas cabeças bilionárias deles. Afinal, só os muito ricos teriam os meios para
perpetuar a raça humana.
Moutainhead é uma comédia
dramática que difere da onda atual de produções como Succession, Triangle of
Sadness , The White Lotus e The Menu. Todas são
comédias que nos asseguram que a elite é miserável, quer recebam o que merecem
ou não; elas também nos permitem desfrutar de experiências de segunda mão dos
luxos em que se deleitam e das maneiras horríveis com tratam subalternos. De
certa forma, essas comédias criam em nós um efeito catártico, como se nós
devorássemos os muito ricos – aqueles 1% de privilegiados do planeta.
Ao contrário, Mountainhead nos convida para esse chalé
exclusivo num retiro gelado das montanhas apenas para que acompanhemos a face
externa emocional desses personagens que, caso destruam a sociedade,
simplesmente se refugiam em seus respectivos bunkers, garantindo a si mesmos
que tudo vai dar certo no final.
"Nada é tão sério assim — nada significa nada, e tudo é
engraçado e legal", dispara Venis em certo momento, a filosofia norteadora
de alguém rico o suficiente para acreditar nisso.
Em Mountainhead são os ricos que nos devoram, e
não há catarse nisso.
Ficha Técnica
Título: Mountainhead
Diretor: Jesse
Armstrong
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Steve Carell,Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef
sexta-feira, maio 30, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O cantor pop americano conhecido como “The Weeknd” há anos tenta
se aniquilar: músicas com letras detalhando angústia, desespero, autodestruição
e hedonismo como uma forma de punição divina. Ele está sempre tentando se
destruir e se refazer em algo novo. Então ele lançou um projeto multimídia, com
um álbum e um filme: “Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes” (2025) em que ele interpreta
a si mesmo numa narrativa autoindulgente com o velho clichê do artista tendo
problemas para lidar com a fama: depois de um colapso emocional que faz perder
a voz em pleno show, ele foge. Mas com a fã errada: a persona problemática
feita por Jenna Ortega (“Wandinha”) que torna o filme interessante por
inseri-lo na questão filosófica discutida de Heidegger a Adorno: a “vida
inautêntica” – como a Modernidade e a mercantilização da cultura criam a cisão
entre aquilo que acreditamos e o que efetivamente fazemos na vida. E The Weeknd
vai aprender da pior maneira possível o custo da vida inautêntica. Nem sempre "quem canta seus males espanta".
sexta-feira, maio 23, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A gameficação chegou a Hollywood com o sucesso estrondoso de “Minecraft
Movie”. Porém, uma coisa é a adaptação fílmica de jogos eletrônicos. Outra
coisa é a cultura mashup que resulta em filmes como “Until Dawn: Noite de
Terror” (Until Dawn, 2025): baseado no popular videogame para PlayStation 4,
lançado em 2015, com dinâmica slasher que tinha como fontes "Evil Dead
II" e "Poltergeist", e de jogos como Resident Evil e Silent Hill,
que já haviam sido adaptados para o cinema. Total mashup: um filme baseado em
um jogo baseado em filmes, alguns dos quais baseados em jogos. O efeito é uma
espécie de amnésia social: em um suporte de alta tecnologia, conteúdos mashups
a partir de tudo que a velha mídia produziu são exibidos com aparência de
novidade para uma geração cada vez mais nativa digital. Mas cumpre uma função social
antiquíssima do ritual de passagem: jovens oferecidos em sacrifício para sofrerem mortes cada vez piores com uma moral
da história: o destino pune exemplarmente aqueles que ousarem a desafiar a
ordem moral.
terça-feira, maio 13, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Desde “Corra!”, de Jordan Peele, o terror racial tornou-se um
subgênero que vem chamando a atenção: série "Them", "Barbarian", "Us", "Clonaram
Tyrone!" etc. Mas essa junção entre o racismo, o sobrenatural e o fantástico vai
além dos limites, de quebra renovando a mitologia dos vampiros. Estamos falando
do filme “Pecadores” (‘Sinners”, 2025), de Ryan Coogler (Creed, Pantera Negra).
Dois irmãos gêmeos voltam financeiramente bem-sucedidos do submundo de Chicago,
para sua cidade natal no Delta do Mississipi no início dos anos 1930. Dispostos
a inaugurar uma casa noturna de Blues. Mas enfrentarão um mal ainda maior do
que deixaram para trás: vampiros ancestrais brancos sedentos por uma música que
apaga as fronteiras entre a vida e a morte. Enquanto Coogler renova a
mitologia vampiresca, empilha clichês brancos sobre o Blues, como, por ex.,
supostos pactos diabólicos por trás dos bluesmen. Para reduzir a questão do
racismo uma questão de viés cultural: a ignorância e teimosia de pessoas que
ainda não perceberam que os tempos mudaram.
quinta-feira, maio 08, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Esse filme é para cinéfilos aventureiros. “Mother, Couch” (2023) é
uma co-produção Suécia, Dinamarca e EUA, cuja estreia no cinema do diretor e
roteirista Niclas Larsson segue a trilha de Charlie Kaufman de filmes como “Sínedoque,
Nova York” (2011) e “Estou Pensando em Acabar com Tudo” (2020). Três
meio-irmãos são forçados a ficar juntos quando sua mãe que se recusa a sair de
um sofá em uma grande loja de móveis à beira da falência. Ela decide
largar a sua casa e a própria família para viver num show room vintage dos anos
1980. O filme constrói uma ambiguidade entre o surrealismo e o realismo - Com
muitos simbolismos, alegorias e o desenvolvimento dos personagens e de tramas abertas a diversas interpretações, percebemos que sofá não é apenas um sofá. A
loja não é apenas uma loja. Pessoas não são apenas pessoas. Incomunicabilidade
das relações humanas é o tema geral: quando uma instituição como a família
deixa de funcionar, podemos trocá-la como fosse um móvel velho?
terça-feira, abril 15, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Saem
tiranossauros e velociraptors. Entram os míticos unicórnios... mas com garras
de velociraptos em seus cascos. Muitos críticos apontam que o filme “Death of a
Unicorn” (2025, chega aos cinemas daqui em maio) é o clássico “Jurassic Park” (1993) do século XXI – enquanto os
dinossauros invadiram a cultura pop dos anos 1990, agora é a vez dos unicórnios:
de símbolos alegres do movimento LGBTQI+ à figura que designa startups
tecnológicas que supostamente valeriam mais de um bilhão de dólares. Um pai e
uma filha acidentalmente atropelam e matam um unicórnio enquanto estavam a
caminho de um retiro de fim de semana numa mansão isolada, onde seu chefe
bilionário de uma Big Pharma tenta explorar as propriedades curativas
milagrosas do sangue e chifre da criatura. Para tudo virar em um massacre
vingativo da Natureza contra bilionários: “rich explotation”. Em cada época, dos seres pré-históricos
do passado e agora as lendárias criaturas, cada qual representou o zeitgeist do
seu tempo: em 1993, a Globalização triunfante. E o unicórnio atual, o triunfo das Big
Techs e Big Pharmas na financeirização.
sábado, abril 12, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A nova versão
de “Branca de Neve” (Snow White, 2025) se tornou um dos maiores fracassos
da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos
animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não
conseguiram sequer cobrir os custos de produção! Muitos críticos
norte-americanos denunciam que a culpa é o tom excessivamente “esquerdista” da
nova produção. Outros temem uma “fadiga das princesas da Disney”. Nem um, nem o
outro. A crítica norte-americana confunde a esquerda com o wokeísmo, principal motivação do rebot
de “Branca de Neve”: entrar na recorrência atual no cinema do tema da
desigualdade, transformar o Reino de fadas num paraíso socialista cujo
narcisismo e egoísmo da Rainha Má acabou com tudo. Solução? Substituir a Economia
Política pela Política de Identidades. Mas o problema principal foi o timing: mexer
em um arquétipo moderno tranquilizador em plena era Trump de incertezas. Pelo
menos o modelo das princesinhas da Disney parecia ser eterno. Era uma tranquilização
para jovens pais ansiosos em tempos difíceis.
sexta-feira, março 21, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um fantasma ronda Hollywood. O espectro da Karl Marx. Desde a pandemia Covid-19 (a concentração de riqueza mais brutal da era moderna) e o Oscar dado ao filme “Parasita”, a desigualdade e luta de classes passaram a ser temas recorrentes na filmografia dos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, nunca foram mobilizados tantos recursos semióticos para tentar exorcizar esse espectro. A produção Netflix “The Eletric State” (2025) é o exemplo mais recente desse processo de exorcismo: a luta de classes é traduzida por um levante de máquinas exploradas que se revoltam contra humanos exploradores. E a Internet que virou uma engenharia social das Big Techs comandada por algoritmos e a economia da atenção, virou um mero delírio de um gênio maligno da tecnologia. Hollywood tenta exorcizar o fantasma do marxismo com narrativas maniqueístas.
quinta-feira, março 13, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Costumamos reclamar que “o trabalho está me matando”. Mas no caso do pobre Mickey Barnes é literal. Ele é um “dispendível”, um cara cujo trabalho é morrer, de novo e de novo; ter seu corpo reimpresso em 3D para se colocar de novo em risco. Como um ratinho de laboratório reciclado, a quintessência da precarização no capitalismo – depois do trabalho, é a vez do próprio corpo proletário ser precarizado. Depois dos cenários de desigualdade e luta de classes em “Snowpiercer” e “Parasita”, o cineasta Bong Joon-ho volta à carga com sátira de ficção científica “Mickey 17”. Adiado o lançamento em um ano, parece até que o cineasta sul-coreano só estava esperando a vitória de Trump para “Mickey 17” se tornar sombriamente oportuno: virou uma paródia de Donald Trump com ecos da sua dobradinha com Elon Musk rumo a Marte com a SpaceX.
quinta-feira, março 06, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Os EUA sofrem um inesperado ciber ataque: um minuto a nação fica sem energia e comunicações. O suficiente para gerar o caos com pesadas perdas materiais e humanas. Com uma mensagem ameaçadora em cada celular: “Isso acontecerá novamente!”. Uma comissão especial, com poderes marciais, é criada para investigar. Um ex-presidente aposentado é chamado para chefiar a Comissão. Terá que se defrontar com uma escolha: ou protege a Nação com uma versão curativa do inimigo externo (a culpa é dos hackers russos) ou encara uma conspiração na própria casa. “Dia Zero” (Zero Day, 2025) parece uma minissérie pastiche de seis episódios costurados pelos algoritmos da Netflix. Mas com elenco tão estelar (primeiro filme para a TV de Robert De Niro) que parece outra coisa: um projeto abortado com a inesperada vitória de Trump e entregue editada apenas como minissérie – originalmente seria uma produção com várias temporadas que hipernormalizaria um hipotético governo Kamala Harris.
sexta-feira, fevereiro 28, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Começa como um épico sobre arquitetura sobre um arquiteto que chega na América fugido da guerra e do holocausto. Uma terra de oportunidades e sedenta por arte. Para depois descobrir a ética americana do “não existe almoço grátis”: tanto o capitalismo quanto a arte são capazes de gerar experiências lindas e significativas. Mas combinados resultam em formas vazias e sem paixão. Indicado ao Oscar em dez categorias (entre eles, Melhor Filme, Ator e Direção), “O Brutalista” (The Brutalist, 2024) é sobre a história de um milionário novo rico contrata um gênio vanguardista fugido da guerra e do holocausto, e como ambos serão consumidos pela obsessão. Para, particularmente o arquiteto húngaro Lászlo, descobrir que a América vive um outro tipo de guerra: a conquista de corações e mentes através das vendas, religião e propaganda.
quarta-feira, janeiro 29, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma época em que Hollywood deu uma “guinada metafísica” (Boris Groys), cujo filme “Matrix” foi o ápice dessa guinada, tendo a mitologia gnóstica como impulsionadora. Mas o filme “A Cela” (The Cell, 2000), do então estreante Tarsem Singh (de videoclipes como “Losing May Religion” do R.E.M.), foi ao mesmo tempo síntese e ponto de inflexão. Como síntese, juntou a onda do Mal viral dos anos 1990 (desde “O Silêncio dos Inocentes”) à virada PsioGnóstica no cinema. Uma mistura bizarra de ficção científica, assassinatos em série, psicologia policial pop e efeitos especiais assombrosos que marcaram o início do novo milênio no gênero cinematográfico. Para encontrar a última vítima de um serial killer, o FBI se utiliza de uma tecnologia experimental de compartilhamento de mentes: entrar nos labirintos psíquicos e oníricos do criminoso em coma. Um filme que antecipou as topografias da mente de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “A Origem”.
sexta-feira, janeiro 24, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O terror racial e o terror de gênero se encontram numa zona de combate brutal e sangrenta. É o filme “Pisque Duas Vezes” (Blink Twice, 2024, disponível na Prime Video) em que a assustadora mensagem de Jordan Peele em “Corra!” se combina com o terror da masculinidade tóxica de “Men”, de Alex Garland e atual tendência dos thrillers de vingança e luta de classes (“Parasita”, “O Menu”, “Triângulo da Tristeza” etc.). Uma desajeitada garçonete de coquetéis cai aos pés do bilionário tecnológico. Ele a convida, junto com sua melhor amiga, para um retiro na sua ilha privada tropical paradisíaca. Uma história que lembra Cinderela que aos poucos vai se tornando um conto de terror: há algo errado neste paraíso tropical. “Não existe perdão, só existe esquecimento” é o mote do filme que surpreende ao fazer alusões à interpretação gnóstica do Paraíso bíblico: os prazeres de um Jardim do Éden, serpentes, conhecimento e esquecimento.
terça-feira, janeiro 21, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O surrealismo foi deixado para trás, lá no século XX, e hoje suas imagens viraram de pôsteres que decoram das casas de amantes da arte cult às psyOps publicitárias que fisgam o inconsciente do consumidores. Mas, em plena cena do chamado “cinema da meia-noite” dos anos 1970, David Lynch (que deixou esse mundo aos 78 anos no último dia 15) resgatou a essência incômoda do surrealismo: o cinema como instrumento para revelar como no cotidiano o psiquismo preenche aquele “gap” existente entre a alma e a realidade. Lynch foi o mestre em pegar histórias banais e transformá-las em labirintos obscuros de pistas falsas num mix de filme noir, gótico americano e humor negro. Em uma filmografia que surge o seu principal protagonista: o Detetive – no cotidiano banal que oculta o mundo dos sonhos (e pesadelos), somente o Detetive pode, através das imagens, resolver enigmas através da experiência de estranheza e alienação. Porém, no final, David Lynch descobre que nem o cinema é capaz disso, porque feito pela mesma lógica onírica – montagem, edição etc. Depois de desconstruir tudo, restou a ele o seu entusiasmo pela meditação transcendental: silenciar toda linguagem e a mente. E, quem sabe, encontrar a gnose.
terça-feira, janeiro 14, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vídeos e fotos dos incêndios de Los Angeles que circulam nas redes sociais e na grande mídia são impressionantes: parecem que foram escolhidas pela “fotogenia”, isto é, pela similaridade com as dezenas de filmes-catástrofe já feitos por Hollywood. E o destaque dos incêndios das próprias mansões de atores parecem querer nos mostrar que eles estão estrelando algum tipo de superprodução real. Qual o ardil dessas imagens que viraram bombas semióticas? A resposta está no teórico urbanista e historiador Mike Davis, agora reconhecido pela antevisão do seu livro “Ecologia do Medo: Los Angeles e a Fabricação de um Desastre”, de 1998. Como a urbanização caótica, especulação imobiliária e privatização dos recursos hídricos tornou uma sociedade altamente vulnerável aos desastres ambientais – e, atualmente, às mudanças climáticas. Mas Hollywood, com seus “disasters movies”, naturalizam um problema político e econômico, porque é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do Capitalismo - L.A. como vítima de uma "crise climática global" e não de um desastre ambiental provocado pelo saco de maldades neoliberais .
sábado, janeiro 11, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Há mais de 200 anos Mary Shelley publicava a primeira edição de “Frankenstein ou O Prometeu Moderno”. Sua fantasia prometeica estava assentada na tecnociência vitoriana (eletromecânica). Ao lado de “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos, “(Re) Nascer” (Birth/Rebirth, 2023), de Laura Moss, é uma recriação feminista do conto atemporal de Shelley: só as mulheres conhecem a dor e o estresse de ter um corpo sujeito aos caprichos da natureza. Portanto, as mulheres estão mais próximas dos mistérios da concepção da vida – a eletricidade e as máquinas cedem ao paradigma orgânico. A recriação feminista de “(Re) Nascer” vai muito além do mito do cientista louco – quando uma patologista de um necrotério e uma enfermeira obstétrica se unem para ressuscitar a pequena filha e mantê-la viva a partir de privilégios nada éticos do sistema hospitalar, cairão naquilo que se chamava de “instituição total” – tecnologia disciplinar para manter os corpos sob o controle de uma finalidade totalitária.
sábado, janeiro 04, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que você faz se o Mal beijar a esposa melhor que o marido? Certamente serão colocados em xeque toda racionalidade científica, a moralidade e a religião. Pode parecer grosseiro e simplista, mas este parece ser o argumento central de “Nosferatu” (2024), refilmagem do cineasta Robert Eggers (“A Bruxa”, “O Farol”) do clássico mudo “Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror”, de 1922. Ao contrário do original, Eggers vai além de um conto sobre um vampiro: mais do que entidade das trevas, Nosferatu é o Mal puro capaz de distorcer a própria realidade. “Nosferatu” concentra-se no erotismo macabro e numa sexualidade melancólica e crepuscular que vai “além dos oceanos do tempo”. A representação ontológica do Mal e sua perturbadora conexão com o Erótico, o Orgasmo e a Morte - o erotismo como a afirmação da vida que se estende até a morte.
segunda-feira, dezembro 30, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O telefone toca
e uma estressada gerente de uma lanchonete fast food ouve a voz de um policial
avisando que uma atendente da loja roubou dinheiro de uma cliente que veio
prestar queixa. Nas próximas horas ela cegamente obedecerá as ordens de um
suposto policial ao telefone para além dos limites dos seus valores e
consciência. Baseado num caso real absurdo e bizarro em uma lanchonete
McDonald’s nos EUA, o filme “Obediência” (“Compliance”, 2012, disponível na Amazon Prime Video) narra como a
tendência humana de ceder à autoridade leva a atitudes tão irracionais como os
maiores crimes da História: nós apenas sempre “obedecemos ordens”. Se para
Nietzsche a consciência é a principal fonte de enganos como o medo e o espírito
gregário, “Obediência” politiza esse insight do pensador alemão: as organizações
sociais e corporativas verticalizadas nos tornam ainda mais vulneráveis. Mais
uma sugestão do nosso indefectível leitor Felipe Resende.
quinta-feira, dezembro 26, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Robert Zemeckis, o artífice de filmes emblemáticos como “De Volta Para o Futuro” e “Forrest Gump: O Contador de Histórias”, parecia ter nesse século perdido o talento, restrito a remakes como “Convenção das Bruxas” e “Pinóquio”. Em “Aqui” (Here, 2024), Zemeckis quer retornar à relevância perdida. Dessa vez, criando uma espécie de Forrest Gump na “nova” Era Trump com o espírito do futuro do pretérito da Era Reagan em “De Volta Para o Futuro”: o futuro baseado na nostalgia do resgate dos valores que fizeram uma América idílica que jamais existiu. E a presença obrigatória do “all american boy” Tom Hanks, sempre requisitado para esse papel. A presunção do filme é colocar a câmera em um lugar fixo para ilustrar todos os eventos que ocorreram numa sala de estar ao longo da história, usando quadros dentro do quadro para fazer a transição de um ponto no tempo para o outro. Hanks resgata os valores supostamente mais caros para a América, refletindo o novo/velho projeto de fazer a América grande, voltando para o passado. Hanks agora é o Forrest Gump da Era Trump.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>