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sexta-feira, junho 13, 2025

A crise de identidade masculina e o machismo renitente do século XXI no filme 'O Surfista'

 


Imagine o filme “O Clube da Luta” filmado não em uma paisagem urbana decadente, mas em uma idílica e ensolarada praia na costa australiana. Esse é o filme “O Surfista” (The Surfer, 2024), mais uma produção em que Nicolas Cage faz um personagem que abandona a sua vida pequeno-burguesa para mergulhar no poço da loucura, surrealismo e estranheza. Um homem de meia-idade que busca se reconectar com suas raízes na esperança de comprar a antiga casa da família e mostrar ao filho adolescente as alegrias do surfe. Mas Cage é impedido e hostilizado por surfistas valentões guiados por um líder de uma espécie de seita exclusivista masculina cujo mote é “Surfar, Sofrer!” – através da dor e violência recuperar a essência masculinidade perdida numa sociedade que se tornou decadente, consumista e feminizou-se. A identidade masculina está em crise desde o Pós-Guerra. Mas no século XXI transformou-se em outra coisa: no machismo renitente.

sexta-feira, junho 06, 2025

Tecnognosticismo, Aceleracionismo e a elite tecnológica amoral no filme 'Mountainhead'

 


A princípio, “Mountainhead” (2025), que estreia na HBO Max, é mais uma produção na onda atual de mostrar como os super-ricos podem ser tristemente ridículos. Em um mundo onde a inteligência artificial causa turbulência política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis ​​pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, discutem sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para encher os bolsos. Produções como “White Lotus”, “O Menu” e “Triângulo da Tristeza” parecem nos oferecer o prazer da catarse ao vermos extremamente ricos se darem mal de formas ridículas. Ao contrário, “Mountainhead” não há catarse: como fossem adolescentes amorais, são perigosamente motivados pelas distopias atuais que motivam o Vale do Silício: Tecnognosticismo e Aceleracionismo.

“Pensamentos de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo,
mas agora o mundo é o ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço –
ideologia transformada em fantasia de garotos pré-adolescentes:
uma regressão do sexo para uma forma autística de poder”

(Arthur Kroker & Michael Weinstein, “Data Trash”)

 

Em meados dos anos 1990, os cientistas políticos Arthur Kroker e Michael Winstein descreveram de forma crítica o nascimento da chamada classe virtual, formada pela tecno-inteligência de cientistas da cognição, engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todo um conjunto de especialistas em comunicação.

Para eles, essa variação histórica da elite burguesa era impulsionada não mais pela ética protestante (como na velha burguesia industrial) mas por um imaginário que denominavam como de “masculinidade pré-adolescente”. É a primeira geração dessa ciber-elite, a geração de Bill Gates e Steve Jobs, que ainda mascaravam esse imaginário com um discurso de relações públicas messiânico, como o discurso da “estrada do futuro” de Gates.

Essa fachada mercadológica cai por terra com a segunda geração, iniciada pela figura emblemática de Mark Zuckenberg e a sua rede social Facebook - um jovem nerd de Havard que desconta sua ansiedade sociopática difamando pessoas em um blog enquanto tem uma ideia divertida, pelo seu ponto de vista: um jogo com as fotos de todas as moças da universidade para que as pessoas possam escolher qual a mais bonita. Assim nasceu o Facebook.

Enquanto seus pares geracionais, Elon Musk e Jeff Bezos fazem questão de não esconderem sua impulsividade adolescente um brinca de apoiar golpes de Estado e apoiar o fascismo politicamente incorreto na sua rede social “X”; e o outro se diverte como astronauta com o foguete Blue Origin ou manda para órbita uma tripulação feminina em sensuais trajes espaciais que fariam inveja ao Capitão Kirk da série Star Trek- clique aqui.

Agora essa elite virtual chegou a sua terceira geração. Uma elite geek dona de startups unicórnios (aquelas cujo valor especulativo chegou a um bilhão de dólares) inspirados em piratas cibernéticos como Julian Assange, Edward Snowden ou o coletivo hacker Anonymous. Ciber-segurança, back-doors, malwares e instruções algorítmicas executadas diretamente no processador, hackers, crackers e black hats, ciber ataques etc. passam a ocupar o vocábulo dessa nova geração.



Com a Inteligência artificial e toda a geopolítica da ocupação das “terras raras” e construção de datacenters para acabar com a soberania digital dos Estados-Nação, eles alcançam o hackeamento final: a da própria realidade, impulsionados pelo imaginário do transhumanismo (a imortalidade de uma consciência digitalizada que habitaria a rede informacional) e aceleracionismo (a “destruição criativa” gerada pela aceleração caótica de processos sociais e tecnológicos). Chegando ao estado da arte dquilo que Kroker e Wistein anteviram no final do século passado: fantasias masculinas adolescentes que regrediriam a formas autísticas de poder.

É sobre essa geração que trata a comédia dramática Mountainhead (2025), o mais recente projeto de sátira política de Jesse Armstrong, criador da aclamada série Succession , da HBO.  Assim como Succession , Mountainhead aborda temas como política, poder e capitalismo de frente, com cada um dos personagens sendo uma paródia dos bilionários da tecnologia do mundo real que influenciam.

Mountainhead se passa em um mundo onde recentes avanços em inteligência artificial causaram turbulência política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade. Em meio ao caos, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis ​​pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, eles discutem sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para encher os bolsos. Pela TV veem imagens do caos político e humanitário global, enquanto tudo o querem é um final de semana de “zoação”: pôquer e fast-food em uma espécie de clube do Bolinha. Enquanto decidem o destino do planeta.

O filme é uma crítica certeira à megalomania de se autopromover que agora aflige os membros dessa oligarquia tecnológica. O problema, que também eles controlam as alavancas do mundo.

Uma pitada de tudo: megalomania autopromocional, amoralidade adolescente, o sonho da imortalidade, hackeamento da realidade pela IA transformando o caos em “zoação” e a ideologia do aceleracionismo para racionalizar a catástrofe que assistem nas telas dos seus smartphones.



“Uma cabeça explode desse jeito? Isso só pode ser IA”, comenta em tom de piada um vídeo da CNN mostrando mais um sangrento conflito nas ruas de algum lugar no Oriente Médio. Essa é uma pequena amostra das cínicas linha de diálogo de Montainhead.

O Filme

Os quatro homens em Mountainhead se apelidaram de Brewsters e se reúnem há tempo suficiente para que suas noites de pôquer tenham construído uma tradição séria. As regras são: sem falar em negócios (embora tudo o que eles parecem falar seja sobre negócios), sem refeições (a equipe de cozinheiros foi mandada embora e eles se viram apenas com junk food) e sem saltos altos (presumivelmente referindo-se à ausência de mulheres, embora a vida pessoal de cada um desses caras também esteja em ruínas).

Há apelidos - Jason Schwartzman, cujo personagem bajulador Hugo vale apenas US$ 521 milhões, é "Soup Kitchen", ou "Soupes" para abreviar, enquanto Randall (Steve Carell), o membro sênior e eminência parda, é "Papa Bear".

Nesse Clube do Bolinha há uma tradição de homens escreverem com batom o valor de seus patrimônios líquidos no peito e depois serem coroados com um diadema, um chapéu de capitão e um quepe de marinheiro com base em suas classificações. Venis (Cory Michael Smith) é o atual campeão, com US$ 220 bilhões — um sociopata sorridente cuja empresa de mídia social, Traam, acaba de lançar um conjunto de ferramentas de conteúdo que permitem deepfakes, cujos efeitos desestabilizadores sobre governos mundiais são transmitidos por meio de alertas nos celulares cada vez mais alarmantes.



Em terceiro lugar, mas subindo rapidamente, está Jeff (Ramy Youssef), cuja empresa de IA está recebendo um grande impulso com os desastres causados ​​pela última atualização da Traam.

 Sua IA BILTER tem a capacidade de filtrar a inteligência artificial de Venis e torná-la muito mais segura. Por isso, Venis está ansioso para fechar um acordo comercial com ele. No entanto, Jeff age pelas costas de Venis e diz a Randall (o segundo colocado) que eles deveriam ir ao Conselho da Diretoria da Traam para tirar Venis da presidência. Jeff também planeja levar sua IA ao governo dos Estados Unidos, permitindo que eles regulem a IA de Venis, parem com a campanha de desinformação e corrijam a instabilidade no mercado.

Esse é o foco de tensão criada dentro do grupo, diante do cenário distante do mundo em caos nas telas de TV e smartphones no chalé remoto em que estão. Randall tem câncer e não leva a sério os prognósticos dos médicos: “Como pode? Fazemos tantas coisas e não conseguimos consertar uma cartilagenzinha!”. Ele se recusa a aceitar que seu câncer é terminal.

Portanto, vê no impulsivo Venis a realização da esperança transhumanista e aceleracionista para daqui a cinco anos – a possibilidade de um upload final que salve sua consciência digitalizada na rede, tornando imortal. A concretização do sonho tecnognóstico e transhumanista à base de uma IA treinada com dados que estão provocando o caos político – este é um dos princípios aceleracionistas: as mudanças rápidas podem até custar muitas vidas hoje. Mas amanhã, muito mais vidas humanas serão salvas. Principalmente, as vidas das mentes valiosas da elite tecnológica.



Randall não é fã do plano de Jeff – chocado, ele acha que Jeff é um “traidor desacelaracionista”. Imediatamente vai até Hugo e Venis e conta a eles o plano de Jeff, afirmando que precisam impedi-lo de fazer isso. Eventualmente, o trio conclui que matar Jeff é a única opção. Eles racionalizam isso para si mesmos, dizendo que, de uma perspectiva utilitária, matar Jeff hipoteticamente salvaria vidas no futuro, cuja IA de Venis melhoraria. Assim, a segunda metade do filme acompanha Randall, Hugo e Venis enquanto eles tentam matar Jeff de diversas maneiras cômicas.

Nas densas linhas de diálogo (com acenos a insípidas tentativas de filosofia moral baseada em Marco Aurélio, Kant e Nietzsche) há poucos vislumbres de humanidade, revelando um tipo de distópico isolamento do Vale do Silício – a ideia de que qualquer coisa que façam a curto prazo é permitida porque tudo levará à salvação da humanidade.

Uma espécie de irresponsabilidade feliz: autopromoção mercadológica, aumentar o patrimônio líquido sem qualquer regulamentação pública e salvar a humanidade são ideias que convivem entre si tranquilamente nas cabeças bilionárias deles. Afinal, só os muito ricos teriam os meios para perpetuar a raça humana.

Moutainhead é uma comédia dramática que difere da onda atual de produções como Succession, Triangle of Sadness , The White Lotus e The Menu. Todas são comédias que nos asseguram que a elite é miserável, quer recebam o que merecem ou não; elas também nos permitem desfrutar de experiências de segunda mão dos luxos em que se deleitam e das maneiras horríveis com tratam subalternos. De certa forma, essas comédias criam em nós um efeito catártico, como se nós devorássemos os muito ricos – aqueles 1% de privilegiados do planeta.

Ao contrário, Mountainhead nos convida para esse chalé exclusivo num retiro gelado das montanhas apenas para que acompanhemos a face externa emocional desses personagens que, caso destruam a sociedade, simplesmente se refugiam em seus respectivos bunkers, garantindo a si mesmos que tudo vai dar certo no final.

"Nada é tão sério assim — nada significa nada, e tudo é engraçado e legal", dispara Venis em certo momento, a filosofia norteadora de alguém rico o suficiente para acreditar nisso.

Em Mountainhead são os ricos que nos devoram, e não há catarse nisso.


 

  Ficha Técnica

Título:  Mountainhead

Diretor: Jesse Armstrong

Roteiro: Jesse Armstrong

 Elenco: Steve Carell,  Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef

Produção: HBO Films, Hot Seat Productions

Distribuição: HBO Max

Ano: 2025

País: EUA

 

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sexta-feira, maio 30, 2025

'Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes': na vida inautêntica cantar não espanta os seus males

 


O cantor pop americano conhecido como “The Weeknd” há anos tenta se aniquilar: músicas com letras detalhando angústia, desespero, autodestruição e hedonismo como uma forma de punição divina. Ele está sempre tentando se destruir e se refazer em algo novo. Então ele lançou um projeto multimídia, com um álbum e um filme: “Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes” (2025) em que ele interpreta a si mesmo numa narrativa autoindulgente com o velho clichê do artista tendo problemas para lidar com a fama: depois de um colapso emocional que faz perder a voz em pleno show, ele foge. Mas com a fã errada: a persona problemática feita por Jenna Ortega (“Wandinha”) que torna o filme interessante por inseri-lo na questão filosófica discutida de Heidegger a Adorno: a “vida inautêntica” – como a Modernidade e a mercantilização da cultura criam a cisão entre aquilo que acreditamos e o que efetivamente fazemos na vida. E The Weeknd vai aprender da pior maneira possível o custo da vida inautêntica. Nem sempre "quem canta seus males espanta".

sexta-feira, maio 23, 2025

Cultura mashup e gameficiação de Hollywood no filme 'Until Dawn: Noite de Terror'

 


A gameficação chegou a Hollywood com o sucesso estrondoso de “Minecraft Movie”. Porém, uma coisa é a adaptação fílmica de jogos eletrônicos. Outra coisa é a cultura mashup que resulta em filmes como “Until Dawn: Noite de Terror” (Until Dawn, 2025): baseado no popular videogame para PlayStation 4, lançado em 2015, com dinâmica slasher que tinha como fontes "Evil Dead II" e "Poltergeist", e de jogos como Resident Evil e Silent Hill, que já haviam sido adaptados para o cinema. Total mashup: um filme baseado em um jogo baseado em filmes, alguns dos quais baseados em jogos. O efeito é uma espécie de amnésia social: em um suporte de alta tecnologia, conteúdos mashups a partir de tudo que a velha mídia produziu são exibidos com aparência de novidade para uma geração cada vez mais nativa digital. Mas cumpre uma função social antiquíssima do ritual de passagem: jovens oferecidos em sacrifício para  sofrerem mortes cada vez piores com uma moral da história: o destino pune exemplarmente aqueles que ousarem a desafiar a ordem moral.

terça-feira, maio 13, 2025

Clichês do Blues e mitologia dos vampiros no terror racial 'Pecadores'



Desde “Corra!”, de Jordan Peele, o terror racial tornou-se um subgênero que vem chamando a atenção: série "Them", "Barbarian", "Us", "Clonaram Tyrone!" etc. Mas essa junção entre o racismo, o sobrenatural e o fantástico vai além dos limites, de quebra renovando a mitologia dos vampiros. Estamos falando do filme “Pecadores” (‘Sinners”, 2025), de Ryan Coogler (Creed, Pantera Negra). Dois irmãos gêmeos voltam financeiramente bem-sucedidos do submundo de Chicago, para sua cidade natal no Delta do Mississipi no início dos anos 1930. Dispostos a inaugurar uma casa noturna de Blues. Mas enfrentarão um mal ainda maior do que deixaram para trás: vampiros ancestrais brancos sedentos por uma música que apaga as fronteiras entre a vida e a morte. Enquanto Coogler renova a mitologia vampiresca, empilha clichês brancos sobre o Blues, como, por ex., supostos pactos diabólicos por trás dos bluesmen. Para reduzir a questão do racismo uma questão de viés cultural: a ignorância e teimosia de pessoas que ainda não perceberam que os tempos mudaram.

quinta-feira, maio 08, 2025

No surrealismo, um sofá não é apenas um sofá em 'Mother, Couch'


Esse filme é para cinéfilos aventureiros. “Mother, Couch” (2023) é uma co-produção Suécia, Dinamarca e EUA, cuja estreia no cinema do diretor e roteirista Niclas Larsson segue a trilha de Charlie Kaufman de filmes como “Sínedoque, Nova York” (2011) e “Estou Pensando em Acabar com Tudo” (2020). Três meio-irmãos são forçados a ficar juntos quando sua mãe que se recusa a sair de um sofá em uma grande loja de móveis à beira da falência. Ela decide largar a sua casa e a própria família para viver num show room vintage dos anos 1980. O filme constrói uma ambiguidade entre o surrealismo e o realismo - Com muitos simbolismos, alegorias e o desenvolvimento dos personagens e de tramas abertas a diversas interpretações, percebemos que sofá não é apenas um sofá. A loja não é apenas uma loja. Pessoas não são apenas pessoas. Incomunicabilidade das relações humanas é o tema geral: quando uma instituição como a família deixa de funcionar, podemos trocá-la como fosse um móvel velho?

terça-feira, abril 15, 2025

"Death of a Unicorn": por que os unicórnios invadiram a cultura pop?

 


Saem tiranossauros e velociraptors. Entram os míticos unicórnios... mas com garras de velociraptos em seus cascos. Muitos críticos apontam que o filme “Death of a Unicorn” (2025, chega aos cinemas daqui em maio) é o clássico “Jurassic Park” (1993) do século XXI – enquanto os dinossauros invadiram a cultura pop dos anos 1990, agora é a vez dos unicórnios: de símbolos alegres do movimento LGBTQI+ à figura que designa startups tecnológicas que supostamente valeriam mais de um bilhão de dólares. Um pai e uma filha acidentalmente atropelam e matam um unicórnio enquanto estavam a caminho de um retiro de fim de semana numa mansão isolada, onde seu chefe bilionário de uma Big Pharma tenta explorar as propriedades curativas milagrosas do sangue e chifre da criatura. Para tudo virar em um massacre vingativo da Natureza contra bilionários: “rich explotation”. Em cada época, dos seres pré-históricos do passado e agora as lendárias criaturas, cada qual representou o zeitgeist do seu tempo: em 1993, a Globalização triunfante. E o unicórnio atual, o triunfo das Big Techs e Big Pharmas na financeirização.

sábado, abril 12, 2025

Fracasso da nova versão Disney de 'Branca de Neve' explica porque o Woke não é Esquerda

 



A nova versão de “Branca de Neve” (Snow White, 2025) se tornou um dos maiores fracassos da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não conseguiram sequer cobrir os custos de produção! Muitos críticos norte-americanos denunciam que a culpa é o tom excessivamente “esquerdista” da nova produção. Outros temem uma “fadiga das princesas da Disney”. Nem um, nem o outro. A crítica norte-americana confunde a esquerda com o wokeísmo, principal motivação do rebot de “Branca de Neve”: entrar na recorrência atual no cinema do tema da desigualdade, transformar o Reino de fadas num paraíso socialista cujo narcisismo e egoísmo da Rainha Má acabou com tudo. Solução? Substituir a Economia Política pela Política de Identidades. Mas o problema principal foi o timing: mexer em um arquétipo moderno tranquilizador em plena era Trump de incertezas. Pelo menos o modelo das princesinhas da Disney parecia ser eterno. Era uma tranquilização para jovens pais ansiosos em tempos difíceis.

sexta-feira, março 21, 2025

O fantasma de Karl Marx ronda Hollywood no filme 'The Eletric State'

  


Um fantasma ronda Hollywood. O espectro da Karl Marx. Desde a pandemia Covid-19 (a concentração de riqueza mais brutal da era moderna) e o Oscar dado ao filme “Parasita”, a desigualdade e luta de classes passaram a ser temas recorrentes na filmografia dos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, nunca foram mobilizados tantos recursos semióticos para tentar exorcizar esse espectro. A produção Netflix “The Eletric State” (2025) é o exemplo mais recente desse processo de exorcismo: a luta de classes é traduzida por um levante de máquinas exploradas que se revoltam contra humanos exploradores. E a Internet que virou uma engenharia social das Big Techs comandada por algoritmos e a economia da atenção, virou um mero delírio de um gênio maligno da tecnologia. Hollywood tenta exorcizar o fantasma do marxismo com narrativas maniqueístas.

quinta-feira, março 13, 2025

'Mickey 17': depois do trabalho, os corpos proletários serão precarizados no capitalismo



Costumamos reclamar que “o trabalho está me matando”. Mas no caso do pobre Mickey Barnes é literal. Ele é um “dispendível”, um cara cujo trabalho é morrer, de novo e de novo; ter seu corpo reimpresso em 3D para se colocar de novo em risco. Como um ratinho de laboratório reciclado, a quintessência da precarização no capitalismo – depois do trabalho, é a vez do próprio corpo proletário ser precarizado. Depois dos cenários de desigualdade e luta de classes em “Snowpiercer” e “Parasita”, o cineasta Bong Joon-ho volta à carga com sátira de ficção científica “Mickey 17”. Adiado o lançamento em um ano, parece até que o cineasta sul-coreano só estava esperando a vitória de Trump para “Mickey 17” se tornar sombriamente oportuno: virou uma paródia de Donald Trump com ecos da sua dobradinha com Elon Musk rumo a Marte com a SpaceX.

quinta-feira, março 06, 2025

A invenção do inimigo externo na Minissérie "Dia Zero': um projeto abortado da Netflix?



Os EUA sofrem um inesperado ciber ataque: um minuto a nação fica sem energia e comunicações. O suficiente para gerar o caos com pesadas perdas materiais e humanas. Com uma mensagem ameaçadora em cada celular: “Isso acontecerá novamente!”. Uma comissão especial, com poderes marciais, é criada para investigar. Um ex-presidente aposentado é chamado para chefiar a Comissão. Terá que se defrontar com uma escolha: ou protege a Nação com uma versão curativa do inimigo externo (a culpa é dos hackers russos) ou encara uma conspiração na própria casa. “Dia Zero” (Zero Day, 2025) parece uma minissérie pastiche de seis episódios costurados pelos algoritmos da Netflix. Mas com elenco tão estelar (primeiro filme para a TV de Robert De Niro) que parece outra coisa: um projeto abortado com a inesperada vitória de Trump e entregue editada apenas como minissérie –  originalmente seria uma produção com várias temporadas que hipernormalizaria um hipotético governo Kamala Harris.

sexta-feira, fevereiro 28, 2025

Na América não existe almoço grátis no filme 'O Brutalista'



Começa como um épico sobre arquitetura sobre um arquiteto que chega na América fugido da guerra e do holocausto. Uma terra de oportunidades e sedenta por arte. Para depois descobrir a ética americana do “não existe almoço grátis”: tanto o capitalismo quanto a arte são capazes de gerar experiências lindas e significativas. Mas combinados resultam em formas vazias e sem paixão. Indicado ao Oscar em dez categorias (entre eles, Melhor Filme, Ator e Direção), “O Brutalista” (The Brutalist, 2024) é sobre a história de um milionário novo rico contrata um gênio vanguardista fugido da guerra e do holocausto, e como ambos serão consumidos pela obsessão. Para, particularmente o arquiteto húngaro Lászlo, descobrir que a América vive um outro tipo de guerra: a conquista de corações e mentes através das vendas, religião e propaganda.

quarta-feira, janeiro 29, 2025

A guinada metafísica PsicoGnóstica de Hollywood no filme 'A Cela'


Uma época em que Hollywood deu uma “guinada metafísica” (Boris Groys), cujo filme “Matrix” foi o ápice dessa guinada, tendo a mitologia gnóstica como impulsionadora. Mas o filme “A Cela” (The Cell, 2000), do então estreante Tarsem Singh (de videoclipes como “Losing May Religion” do R.E.M.), foi ao mesmo tempo síntese e ponto de inflexão. Como síntese, juntou a onda do Mal viral dos anos 1990 (desde “O Silêncio dos Inocentes”) à virada PsioGnóstica no cinema. Uma mistura bizarra de ficção científica, assassinatos em série, psicologia policial pop e efeitos especiais assombrosos que marcaram o início do novo milênio no gênero cinematográfico. Para encontrar a última vítima de um serial killer, o FBI se utiliza de uma tecnologia experimental de compartilhamento de mentes: entrar nos labirintos psíquicos e oníricos do criminoso em coma. Um filme que antecipou as topografias da mente de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “A Origem”.

sexta-feira, janeiro 24, 2025

Não existe perdão, só esquecimento no filme 'Pisque Duas Vezes'


O terror racial e o terror de gênero se encontram numa zona de combate brutal e sangrenta. É o filme “Pisque Duas Vezes” (Blink Twice, 2024, disponível na Prime Video) em que a assustadora mensagem de Jordan Peele em “Corra!” se combina com o terror da masculinidade tóxica de “Men”, de Alex Garland e atual tendência dos thrillers de vingança e luta de classes (“Parasita”, “O Menu”, “Triângulo da Tristeza” etc.). Uma desajeitada garçonete de coquetéis cai aos pés do bilionário tecnológico. Ele a convida, junto com sua melhor amiga, para um retiro na sua ilha privada tropical paradisíaca. Uma história que lembra Cinderela que aos poucos vai se tornando um conto de terror: há algo errado neste paraíso tropical. “Não existe perdão, só existe esquecimento” é o mote do filme que surpreende ao fazer alusões à interpretação gnóstica do Paraíso bíblico: os prazeres de um Jardim do Éden, serpentes, conhecimento e esquecimento.

terça-feira, janeiro 21, 2025

Surrealismo, meditação e gnose em David Lynch



O surrealismo foi deixado para trás, lá no século XX, e hoje suas imagens viraram de pôsteres que decoram das casas de amantes da arte cult às psyOps publicitárias que fisgam o inconsciente do consumidores. Mas, em plena cena do chamado “cinema da meia-noite” dos anos 1970, David Lynch (que deixou esse mundo aos 78 anos no último dia 15) resgatou a essência incômoda do surrealismo: o cinema como instrumento para revelar como no cotidiano o psiquismo preenche aquele “gap” existente entre a alma e a realidade. Lynch foi o mestre em pegar histórias banais e transformá-las em labirintos obscuros de pistas falsas num mix de filme noir, gótico americano e humor negro. Em uma filmografia que surge o seu principal protagonista: o Detetive – no cotidiano banal que oculta o mundo dos sonhos (e pesadelos), somente o Detetive pode, através das imagens, resolver enigmas através da experiência de estranheza e alienação. Porém, no final, David Lynch descobre que nem o cinema é capaz disso, porque feito pela mesma lógica onírica – montagem, edição etc. Depois de desconstruir tudo, restou a ele o seu entusiasmo pela meditação transcendental: silenciar toda linguagem e a mente. E, quem sabe, encontrar a gnose.

terça-feira, janeiro 14, 2025

Incêndios em Los Angeles: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do Capitalismo


Vídeos e fotos dos incêndios de Los Angeles que circulam nas redes sociais e na grande mídia são impressionantes: parecem que foram escolhidas pela “fotogenia”, isto é, pela similaridade com as dezenas de filmes-catástrofe já feitos por Hollywood. E o destaque dos incêndios das próprias mansões de atores parecem querer nos mostrar que eles estão estrelando algum tipo de superprodução real. Qual o ardil dessas imagens que viraram bombas semióticas? A resposta está no teórico urbanista e historiador Mike Davis, agora reconhecido pela antevisão do seu livro “Ecologia do Medo: Los Angeles e a Fabricação de um Desastre”, de 1998. Como a urbanização caótica, especulação imobiliária e privatização dos recursos hídricos tornou uma sociedade altamente vulnerável aos desastres ambientais – e, atualmente, às mudanças climáticas. Mas Hollywood, com seus “disasters movies”, naturalizam um problema político e econômico, porque é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do Capitalismo - L.A. como vítima de uma "crise climática global" e não de um desastre ambiental provocado pelo saco de maldades neoliberais . 

sábado, janeiro 11, 2025

A recriação feminista de Frankenstein, hospitais e instituição total no filme '(Re)Nascer'


Há mais de 200 anos Mary Shelley publicava a primeira edição de “Frankenstein ou O Prometeu Moderno”. Sua fantasia prometeica estava assentada na tecnociência vitoriana (eletromecânica). Ao lado de “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos, “(Re) Nascer” (Birth/Rebirth, 2023), de Laura Moss, é uma recriação feminista do conto atemporal de Shelley: só as mulheres conhecem a dor e o estresse de ter um corpo sujeito aos caprichos da natureza. Portanto, as mulheres estão mais próximas dos mistérios da concepção da vida – a eletricidade e as máquinas cedem ao paradigma orgânico. A recriação feminista de “(Re) Nascer” vai muito além do mito do cientista louco – quando uma patologista de um necrotério e uma enfermeira obstétrica se unem para ressuscitar a pequena filha e mantê-la viva a partir de privilégios nada éticos do sistema hospitalar, cairão naquilo que se chamava de “instituição total” – tecnologia disciplinar para manter os corpos sob o controle de uma finalidade totalitária.

sábado, janeiro 04, 2025

O horror de 'Nosferatu': o que você faz se o Mal beijar a esposa melhor que o marido?


O que você faz se o Mal beijar a esposa melhor que o marido? Certamente serão colocados em xeque toda racionalidade científica, a moralidade e a religião. Pode parecer grosseiro e simplista, mas este parece ser o argumento central de “Nosferatu” (2024), refilmagem do cineasta Robert Eggers (“A Bruxa”, “O Farol”) do clássico mudo “Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror”, de 1922. Ao contrário do original, Eggers vai além de um conto sobre um vampiro: mais do que entidade das trevas, Nosferatu é o Mal puro capaz de distorcer a própria realidade. “Nosferatu” concentra-se no erotismo macabro e numa sexualidade melancólica e crepuscular que vai “além dos oceanos do tempo”. A representação ontológica do Mal e sua perturbadora conexão com o Erótico, o Orgasmo e a Morte - o erotismo como a afirmação da vida que se estende até a morte.

segunda-feira, dezembro 30, 2024

Poder, Nietzsche e fast food no filme "Obediência"



O telefone toca e uma estressada gerente de uma lanchonete fast food ouve a voz de um policial avisando que uma atendente da loja roubou dinheiro de uma cliente que veio prestar queixa. Nas próximas horas ela cegamente obedecerá as ordens de um suposto policial ao telefone para além dos limites dos seus valores e consciência. Baseado num caso real absurdo e bizarro em uma lanchonete McDonald’s nos EUA, o filme “Obediência” (“Compliance”, 2012, disponível na Amazon Prime Video) narra como a tendência humana de ceder à autoridade leva a atitudes tão irracionais como os maiores crimes da História: nós apenas sempre “obedecemos ordens”. Se para Nietzsche a consciência é a principal fonte de enganos como o medo e o espírito gregário, “Obediência” politiza esse insight do pensador alemão: as organizações sociais e corporativas verticalizadas nos tornam ainda mais vulneráveis. Mais uma sugestão do nosso indefectível leitor Felipe Resende.  

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Tom Hanks vira o Forrest Gump da Era Trump no filme 'Aqui'


Robert Zemeckis, o artífice de filmes emblemáticos como “De Volta Para o Futuro” e “Forrest Gump: O Contador de Histórias”, parecia ter nesse século perdido o talento, restrito a remakes como “Convenção das Bruxas” e “Pinóquio”. Em “Aqui” (Here, 2024), Zemeckis quer retornar à relevância perdida. Dessa vez, criando uma espécie de Forrest Gump na “nova” Era Trump com o espírito do futuro do pretérito da Era Reagan em “De Volta Para o Futuro”: o futuro baseado na nostalgia do resgate dos valores que fizeram uma América idílica que jamais existiu. E a presença obrigatória do “all american boy” Tom Hanks, sempre requisitado para esse papel. A presunção do filme é colocar a câmera em um lugar fixo para ilustrar todos os eventos que ocorreram numa sala de estar ao longo da história, usando quadros dentro do quadro para fazer a transição de um ponto no tempo para o outro. Hanks resgata os valores supostamente mais caros para a América, refletindo o novo/velho projeto de fazer a América grande, voltando para o passado. Hanks agora é o Forrest Gump da Era Trump.

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