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sexta-feira, maio 30, 2025

A contaminação do real pelas imagens em "Saneamento Básico, O Filme"

 


Foi relançado, com uma edição restaurada e especial, o longa brasileiro '"Saneamento Básico, O filme'", de Jorge Furtado. A produção virou uma sensação na época de seu lançamento em 2007 e conta com um elenco estrelado de nomes premiados que hoje marcam o cinema e novelas nacionais, como Wagner Moura, Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Camila Pitanga. A burocracia da administração das verbas públicas municipais coloca moradores de uma pequena cidade em uma situação inusitada: a única solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema do esgoto a céu aberto é a produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio problema real.  A questão é que os moradores não têm a menor noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”. “Saneamento Básico, O Filme” não só faz uma didática e divertida metalinguagem sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.

domingo, março 02, 2025

O que tem a ver queda de aprovação do governo Lula com o hype do filme 'Ainda Estou Aqui'?


Nessa noite o filme “Ainda Estou Aqui” disputa três estatuetas do Oscar: Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional. Que este humilde blogueiro consegue lembrar, nenhuma indicação brasileira ao Oscar nos anos 1990 como “O Quatrilho”, (1996) “O Que é Isso Companheiro” (1998) e “Central do Brasil” (1999) mereceu tal comoção típica de uma final de copa do mundo – pelo contrário, eram vistos até com ceticismo. Por quê? Quase como marketing involuntário ao filme, um homem foi preso por tentar invadir STF; polícia achou bomba com suspeito. De repente, o filme criou uma unanimidade: a agenda da urgente necessidade de defender a Democracia. Enquanto a esquerda terceiriza a defesa no Judiciário, a grande mídia bomba a inflação dos alimentos: ninguém come Democracia! E a pesquisa Quaest divulga que a aprovação do Governo Lula desce a ladeira. “Ainda Estou Aqui” se aproveita do zeitgeist pós-8/1, aumentando a paranoia do golpismo. Resultando num governo perdido entre duas agendas: a macro (Democracia, direitos humanos etc.) e micro (carestia, políticas de distribuição etc.). Quaest e “Ainda Estou Aqui” são uma infernal dobradinha psyOp.

terça-feira, janeiro 07, 2025

'Ainda Estou Aqui' e a cordial luta de classes brasileira


Estamos acostumados (eu diria “treinados”) a considerar um filme apenas pelo seu conteúdo, ignorando a linguagem, o contexto e as relações sociais e de classe que envolvem a fabricação do produto cultural. É a necessidade de termos o olhar materialista histórico, coisa fora da moda na atualidade. Mas é essencial para entendermos o filme “Ainda Estou Aqui” (2024), que guarda paradoxos e ironias que revelam como a cordialidade marca a luta de classes brasileira: de um lado, um cineasta herdeiro de um banqueiro fiador e beneficiário do golpe militar de 1964; e do outro, a Globo – golpista de primeira hora em 1964 e num momento em que, através da plataforma Globoplay, co-produtora do filme, tenta ir além da TV aberta, de olho no mercado internacional. O campo progressista celebra o filme. Por supostamente proporcionar a oportunidade de contar a história da ditadura. Mas porque uma Sony Pictures e outras distribuidoras internacionais se interessaram pelo filme e não por outros sobre o mesmo tema? A resposta está no contexto da luta de classes e da linguagem internacional-popular esperada pelas distribuidoras.

quarta-feira, janeiro 03, 2024

Memórias em ruínas no filme 'Retratos Fantasmas'


As ruínas nos fascinam. Desde o início da arqueologia moderna, influenciou a sensibilidade artística criando um imaginário associado a memórias, fantasmas e desaparecimento até chegar, no século XX, ao “princípio das ruínas” como propaganda e estética política nazista: ruínas como inspirações para as gerações futuras. Kleber Mendonça Filho consegue representar esse imaginário em “Retratos Fantasmas” (2023) através de uma jornada pessoal e sociopolítica pelas memórias trazidas pelas ruínas urbanas: da casa vizinha ao edifício em que mora aos cinemas de rua abandonados do Centro do Recife. Como a modernidade cria incessantemente ruínas. E como nos relacionamos com elas através das memórias. Além de as ruínas apontarem para o futuro quando salas de projeção viram templos religiosos.

sábado, dezembro 30, 2023

A morte é a única coisa que nos une na série 'Fim'


A única certeza que nos acompanha por toda vida é que um dia vamos morrer. É aquilo que nos separa (nossos amores e amigos vão morrendo, deixando buracos em nossas vidas), mas ao mesmo tempo nos une: diante da morte somos todos iguais. Nessa trajetória em direção do fim, duas questões emergem: por que uma coisa tão boa como o amor, de repente não funciona mais? E por que, a certa altura, tudo de bom que a vida nos deu começa a ser retirado? Esses são alguns temas que ecoam na série original Globoplay “Fim” (2023). Tudo começa no velório com um grupo de amigos de longa data. Suas vivências, memórias, desilusões e, principalmente, a fugacidade do amor, da felicidade e a incomunicabilidade das relações humanas marcam a série. Fazendo lembrar a interpretação de Albert Camus ao Mito de Sísifo.

quinta-feira, outubro 19, 2023

'Cronos - A Relíquia do Tempo': escravos de Cronos, não percebemos o tempo oportuno



O mito da segunda chance domina o tema da viagem do tempo no cinema. Principalmente por ser um sintoma daquilo que o filósofo Giacomo Marramao chama de “hipertrofia de expectativas”: vivemos angustiados pelas chances perdidas no passado e pela aparente falta de tempo para chegar no futuro. Para os estoicos da Grécia antiga, nos tornamos escravos de Cronos e incapazes de perceber o “tempo oportuno” (kairós), aquilo que no presente nos conecta com o eterno. “Cronos – A Relíquia do Tempo” (2020) é um filme brasileiro que foge do clichê da “segunda chance”. Sobre um protagonista que, da pior maneira, descobre a ilusão de Cronos para encontrar Kairós: um cuidador de idosos recebe um relógio capaz de retroceder o tempo em até 24 horas, mas essa dádiva logo se torna uma maldição quando ele é obrigado a enfrentar as consequências pelo mau uso do dispositivo.

sexta-feira, setembro 15, 2023

No filme 'Era o Hotel Cambridge' somos todos refugiados, do país e de nós mesmos


Sentir-se como estrangeiro (seja em outro ou no próprio país) torna-se condição existencial crescente num capitalismo de exclusão – a produção constante de refugos sociais, aqueles que são excluídos até da própria exploração do mercado. Redundantes e inúteis, se apegam nos últimos destroços de um naufrágio social: sua própria cultura e as formas de comunicações possíveis entre alteridades, organizadas como grupos de resistência. O filme brasileiro “Era o Hotel Cambridge” (2016), da cineasta Eliane Caffé, retrata essa condição num híbrido de documentário e ficção, ao fazer o relato da ocupação do outrora glamouroso Hotel Cambridge, abandonado, entre outros edifícios no Centro de São Paulo. Uma questão aparentemente local, mas que ganha alcance universal através da linguagem ficcional que dramatiza a questão central nesse momento: somos todos refugiados, do país e de nós mesmos.

quinta-feira, dezembro 01, 2022

'Eike, Tudo ou Nada' recicla pela segunda vez refugo midiático


O brasileiro que chegou ao oitavo lugar na lista Forbes dos mais ricos do planeta. Saudado pela grande mídia brasileira como o “empreendedor genuíno” que “compete honestamente” e que “não tem vergonha da riqueza”. Em pouco tempo, estava exposto ao vivo na TV, cabeça raspada, sendo conduzido ao presídio após mais uma operação da Lava Jato. A produção brasileira Netflix “Eike, Tudo ou Nada” (2022) pretende descrever a vida do mito decaído Eike Batista. Mas tudo o que entrega é uma confortável fábula empresarial: Eike como uma espécie de “Prometeu acorrentado” que ousou desafiar o destino de um país condenado ao fracasso. Seu erro: como nos informa o pôster promocional, repetir o mesmo gesto icônico de Getúlio Vargas e Lula. “Eike, Tudo ou Nada” recicla pela segunda vez o refugo midiático em que se tornou: a primeira vez, um condenado para ser jogado no colo de Lula e Dilma; e agora, como um suposto empresário idealista num país que teima em não dar certo.

quinta-feira, julho 14, 2022

'Medida Provisória': racismo como guerra cultural com as digitais do padrão Globo Filmes


Assim como foi em “Que Hora Ela Volta?” (2015), “Medida Provisória” (2020), dirigido por Lázaro Ramos, é mais um filme cujo padrão Globo Filmes é o suficiente para diluir um conteúdo potencialmente crítico e corrosivo. Um filme cuja repercussão se deve mais a fatores extra-fílmicos (um país com governo militarizado e de extrema-direita) do que por suas qualidades estético-cinematográficas. Fazendo a crítica confundir uma suposta crítica social com análise fílmica. Com narrativa maniqueísta e estereotipada, “Medida Provisória” reduz a questão racial ao confortável campo dos valores e da guerra cultural, desviando do texto teatral original “Namíbia, Não!”. Confortável para quem? Daí entra os fatores extra-fílmicos: a repercussão de um filme em ano eleitoral cujo viés involuntariamente (pelos menos para diretor e roteiristas) se alinha ao discurso da guerra cultural que agrada a própria extrema-direita. 

quarta-feira, julho 06, 2022

O ovo da serpente tecnológica que eclodiu o fascismo no filme 'Carro Rei'


Nascido dentro de um carro, uma criança cresce com o poder de se comunicar telepaticamente com um automóvel da frota de taxi do pai. Já adulto, retorna e se reconecta com o velho amigo motorizado para, junto com seu tio, criar uma seita que pretende fazer uma conspiração automobilística de carros sencientes que dominarão os humanos. Esse é o filme brasileiro “Carro Rei” (2021), de Renata Pinheiro, que, para a crítica estrangeira, faz uma reflexão filosófica sobre as relação homem-máquina-natureza, lembrando filmes sobre o pós-humano como “Titane”, de Julia Decournau e “Crash”, de Cronenberg. Porém, essa é apenas a superfície de “Carro Rei”. O filme faz uma metáfora da maneira como foi chocado o ovo da serpente que eclodiu o imaginário que corroeu a democracia brasileira: o ovo da serpente tecnológica e do consumo.

sexta-feira, junho 17, 2022

'O Cemitério das Almas Perdidas': matriz do terror está no fetichismo católico pela morte



O terror brasileiro “O Cemitério das Almas Perdidas” (Rodrigo Aragão, 2020) é um filme que Zé do Caixão faria com um orçamento maior. Mas também é um exemplo didático de como o gênero literário e cinematográfico é tributário da matriz imaginária católica: a obsessão fetichista pela morte, da missa (a ritualização diária do assassinato de Cristo) ao sangue e esquartejamentos do terror slasher – a obsessão pela punição da carne. Mas também, um filme com forte crítica social: do genocídio indígena colonial ao fanatismo religioso atual que motiva ódio e intolerância, o terror está na própria história brasileira. Um grupo de jesuítas faz um pacto com as trevas através do Livro de São Cipriano. Mas o pacto volta-se contra eles, vivendo para sempre em túmulos de um cemitério, à espera de vítimas do ódio no Brasil atual.

quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Filme 'A Nuvem Rosa' anteviu o presente capturando o espírito do tempo


De repente nuvens rosas tóxicas ocupam os céus e baixam à terra, envolvendo as grandes cidades do planeta – capazes de matar humanos após dez segundos de exposição. Todos ficam aprisionados onde quer que estejam: em casa, supermercados etc. Um jovem casal acorda em seu apartamento e toma pé da situação através da TV. O que deveria ser apenas um caso de uma noite, vira a única conexão humana por anos, numa espécie de prisão domiciliar. Escrito em 2017 e filmado em 2019, a produção brasileira “A Nuvem Rosa” (2021) é assustadoramente profética ao descrever com detalhes aquilo que hoje chamamos de “novo normal”. Após a estreia do Festival de Sundance em 2020, tornou-se um sucesso de crítica nos EUA pela forma como “A Nuvem Rosa” capturou o espírito do tempo: a coincidência da pandemia (ou a nuvem tóxica) acontecer quando a mediação tecnológica era possível; os processos psíquicos de negação e normalização; a apatia diante do desastre; e o quanto a nossa percepção do que chamamos por realidade pode ser moldável.

terça-feira, dezembro 14, 2021

'Histórias que Nosso Cinema (não) Contava' e 'Os Motéis e o Poder': militares, sexo, poder ontem e hoje


Dois eventos sincronicamente ligados marcaram a ditadura militar brasileira: a criação da Embratur e o seu projeto de investimentos em motéis e a Embrafilme impulsionando os filmes da pornochanchada. Essa aparente contradição entre o discurso moralizante da defesa dos valores da família e de Deus e o estímulo ao erotismo e pornografia na verdade revela o “sadismo de potência” clássico dos governos totalitários. O documentário “Histórias Que o Nosso Cinema (Não) Contava” (2017) e o lançamento do livro “Motéis e o Poder”, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo revelam essa peculiar relação entre sexo, poder e sociedade. Mas também nos fazem pensar numa comparação com a atualidade: diferente do golpe militar “old school” de 1964, hoje vivemos o golpe militar híbrido. Qual seria a atual relação entre sexo e poder? Acompanhando o psicanalista Erich Fromm, poderíamos responder: o “sadismo necrófilo de destruição”, forma de sadismo “frio” no qual a destruição se sobrepõe ao prazer da excitação pelo controle do outro. 

quarta-feira, setembro 22, 2021

Será que o Departamento de Estado dos EUA assistiu ao filme 'Cronicamente Inviável'?


Ao revisitarmos o filme do cineasta Sérgio Bianchi, “Cronicamente Inviável” (2000), a primeira sensação que temos é de que, mais de vinte anos depois, nada mudou ou regrediu no País: estão lá as mazelas sociais e econômicas atuais – um abismo social marcado pela humilhação, intimidação, violência policial, preconceito etc. Mas há algo mais, assustador! O filme é tão metódico e didático em mapear as feridas psíquicas nacionais derivadas do militarismo e escravidão (não é um filme sobre luta de classes, mas sobre ressentimento e desespero) que se tornou objeto de inúmeros textos acadêmicos especializados nos EUA. Será que “Cronicamente Inviável” fez parte dos documentos primários dos “brasilianistas” do Departamento de Estado norte-americano que operou a “revolução colorida” da guerra híbrida brasileira? O filme monta um quadro tão perfeito do mal-estar do povo e da má-consciência das elites que poderia ser a fonte de dados perfeita para a estratégia que acionou o gatilho da cismogênese que envenenou o psiquismo brasileiro, sustentando o golpe militar híbrido. 

quinta-feira, setembro 02, 2021

'Não Vamos Pagar Nada' infantiliza crise brasileira com medo, culpa e ressentimento



Nos tempos que a Globo atuou como partido de oposição até o golpe de 2016, a teledramaturgia foi uma das principais armas: novelas e séries para ativar os principais gatilhos imaginários: judicialização e justiçamento. Agora, a teledramaturgia está a serviço da blindagem da política econômica neoliberal apoiada pelos patrocinadores da emissora: banca financeira, agronegócio e exportadores de commodities. A produção Globo Filmes “Não Vamos Pagar Nada” (2020) é exibida na TV aberta no momento quando a política neoliberal cobra seu preço: inflação, desemprego e crise energética. Desempregadas e sem ter como comprar o básico, um grupo de donas de casa saqueia um mercado local. Para depois se confrontarem com seus maridos e a polícia. Uma perfeita peça ideológica em forma de comédia: com uma narrativa infantilizada, explora o medo e sentimento de culpa. Que no adulto se transformam em ressentimento.

terça-feira, agosto 24, 2021

O vazio existencial do nosso conformismo bovino no filme 'Animal Político'


Uma vaca vive entre os humanos. Teve uma infância feliz e uma família humana amorosa. Vai a restaurantes, shopping, baladas, faz compras e se relaciona com todos. Mas mesmo com todo o seu conformismo bovino, sente que falta algo. Há uma angustiante sensação de vazio em toda essa felicidade. E a vaca sai em busca de uma resposta, seja racional ou espiritual. “Animal Político” (2016) é uma anomalia no cenário cinematográfico brasileiro, um filme estranho no melhor sentido: uma narrativa onírica e surreal sobre nossos problemas existenciais produzidos por fatores bem concretos: a sociedade de consumo numa sociedade marcada pelo abismo da desigualdade. O filme nos faz compreender a célebre afirmação de Aristóteles (o homem é um animal político) interpretando-a ao pé da letra, através da alegoria e de um humor sutil. 

sexta-feira, agosto 06, 2021

Globo detona bomba semiótica de canastrice política com série 'Ilha de Ferro'


Uma das principais armas na guerra semiótica que levou aos bem-sucedidos impeachment e o golpe militar híbrido (que ninguém viu) foi a “canastrice semiótica”: legitimar a agenda política através da ficção (novelas, minisséries e filmes) por meio da hiper-realidade: quanto mais os fatos políticos se pareçam com a ficção, paradoxalmente ficam mais verossímeis e aceitos pela opinião pública. Com produções como “O Brado Retumbante” e “Questão de Família”, a Globo cumpriu esse papel. E agora, com timing e sincronia com o cenário da agenda de privatização fatiada da Petrobrás, a Globo lança a série “Ilha de Ferro” na TV aberta como exemplar bomba semiótica. O mesmo “modus operandi”: ambientada numa plataforma de petróleo da “Companhia Nacional de Petróleo” reforça todos os estereótipos que justificariam a lendária ineficiência das estatais. Momento crucial em que a grande mídia tenta levantar o baixo astral da patuleia desalentada com medalhas nos Jogos Olímpicos e a campanha da Fundação Roberto Marinho: “Não Desista do Seu Futuro”.

quinta-feira, junho 10, 2021

O amor dentro de cenários em ruínas no filme "Insolação"



O filme brasileiro “Insolação” (2009), de Felipe Hirsch e Daniela Thomas, é um trabalho autoral e experimental sobre um tema aparentemente clichê de tão explorado que já foi pelos diversos gêneros cinematográficos: frustrações e desencontros nas relações amorosas. Porém aqui a sensação da paixão confunde-se com a sensação fisiológica da insolação. É o elemento de ligação entre o amor e a condição humana de exílio e prisão em um cenário quase extraterrestre de ruínas e enormes formas geométricas de concreto. Dessa maneira, “Insolação” liberta-se do tradicional foco do “humano, demasiado humano” para o problema da frustração amorosa para se voltar para atmosfera gnóstica que parece sufocar e aprisionar os personagens. Em outras palavras, o Mal não estaria no ser humano, mas na própria realidade que o aprisionaria.

quinta-feira, dezembro 03, 2020

Deus está morto no país do Estado Mínimo na série 'Ninguém Tá Olhando'


As representações no cinema e audiovisual sobre o Céu, anjos e vida após a morte são um verdadeiro sismógrafo do que ocorre aqui embaixo, na vida dos vivos. A série brasileira de humor da Netflix “Ninguém Tá Olhando” (2019) não poderia ser diferente: retrata uma organização burocrática de anjos da guarda que protegem os seres humanos, sempre seguindo as regras de um chefe ausente. Um anjo recém-chegado passa a questionar as regras estabelecidas, fazendo todo o sistema lentamente afundar em crise. É sintomática a representação do Céu como uma repartição pública e os anjos como burocratas entediados de alguma estatal: num país no qual o discurso neoliberal do Estado Mínimo em que as estatais são a fonte de todos os males políticos e econômicos, essa série faz todo o sentido. Se Deus/Estado estiver morto, então ninguém tá olhando! A tese nietzschiana da morte de Deus se encontra com o Estado Mínimo neoliberal.

segunda-feira, novembro 23, 2020

Não existe ficção científica no país do futuro em 'Branco Sai, Preto Fica'

O ano é 1986. Cidade-satélite de Ceilândia. Uma violenta repressão policial em um baile funk resulta em dois jovens negros com sérias sequelas: um, na cadeira de rodas; e o outro, andando com ajuda de uma prótese. Baseado nesse fato real, o filme “Branco Sai, Preto Fica” (2014), do documentarista Adirley Queirós, constrói uma curiosa ficção científica (gênero rarefeito no cinema brasileiro) “hipo-utópica”: o futuro não existe nem mesmo como distopia, sendo uma mera projeção hiperbólica do presente dos protagonistas – um apartheid racial e social em volta de uma Brasília sitiada. De um futuro que parece o Brasil atual, vem um “agente terceirizado do Estado brasileiro” investigar os responsáveis pela tragédia de 1986. A mistura de gêneros documentário e sci-fi é proposital: mostrar como no “País do Futuro”, passado, presente e futuro se estendem num estranho eterno presente. Sem existir o amanhã.

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