Um publicitário bem
sucedido sofre um ataque cardíaco no dia do seu aniversário. É reanimado, mas
não sabe se de fato está vivo ou passa por alguma experiência pós-morte. É o
início de uma jornada surrealista que irá colocar em xeque os seus valores
familiares e da própria sociedade. Essa é a sinopse do filme australiano cult “Viva Enquanto
Puder (Bliss, 1985), temática muito comum na década de 1980 que acabou formando
um subgênero de filmes que esse blog chama de “desconstruindo o yuppie”: no
meio de um período de capitalismo vitorioso com a expansão da publicidade e do
mundo das altas finanças, surgem filmes que criam um contraponto crítico ao
mostrar protagonistas bem sucedidos que têm a vida virada pelo avesso.
Diretor: Ray Lawrence
Plot: Harry
Joy (Barry Otto) vive em uma afluente vida nos subúrbios australianos,
trabalhando como executivo de uma firma de publicidade, casado e com um casal
de filhos adolescentes. Seu principal passatempo é contar histórias, assim como
o seu pai contava para ele. No entanto, no dia do seu aniversário, em uma
pequena festa em sua casa com sua família e um casal de amigos, sofre um ataque
cardíaco caminhando pelos jardins. Após o coração parar por quatro minutos, os
paramédicos conseguem reanimá-lo. Porém, nada será como antes: estranhamente ele
não consegue ter certeza se voltou a sua vida ou vive alguma experiência
pós-morte. Sua vida começa a embarcar em uma inesperada jornada surrealista que
não se encaixa com a rotina de sua vida anterior.
Por que está “Em
Observação”?: A década de 1980 foi marcada pela recorrência de filmes
que tranquilamente poderiam ser encaixados em um subgênero que já nomeamos aqui
nesse blog como “desconstruindo o yuppie”. Como
Fazer Carreira em Publicidade (1989, já analisado pelo blog – clique aqui),
Depois de Horas (1985, também
analisado pelo blog – clique aqui), Totalmente
Selvagem (Something Wild, 1986), Procura-se Susan Desesperadamente (1985)
entre outros foram filmes onde o protagonista era sempre um homem certinho e
bem sucedido que conhece uma garota ou enfrenta situações inusitadas ou
surreais que acabam virando sua vida pelo avesso, alterando radicalmente a
visão de mundo e valores. O filme australiano Bliss, dessa mesma década, parece se enquadrar nesse subgênero que
ascendeu em uma década que foi o refluxo de todos os valores sejam hippies
(espiritualistas) ou punks (anarquistas) da década anterior. Uma época marcada
pela ascensão do neoliberalismo político e econômico e o mundo publicitário e
das altas finanças que ofereciam um imaginário oposto marcado pelo consumismo,
ambição e sucesso.
Esses filmes seriam um contraponto crítico do cinema em uma
época de um capitalismo vitorioso. E por isso, esses filmes acabaram esquecidos
pelos críticos, como o caso do filme Bliss.
A estreia do filme foi no Festival de Cannes e foi muito mal
recebido pelo público do evento (200 pessoas se retiraram durante a exibição)
pelas suas “metáforas grosseiras” e “críticas aos valores familiares”. Depois
de ser classificado para audiências acima dos 18 anos (pela sequência de
incesto entre irmãos) os produtores australianos se recusaram a trabalhar com o
filme. Mas, graças à campanha boca-a-boca, o filme acabou se transformando em
um sucesso Cult. Hoje é considerado um filme chave na história do cinema
australiano, à frente do seu tempo pela ousadia das suas metáforas.
Por isso o filme encontra-se “Em Observação” por este blog:
sua temática aproxima-se à do filme Como Fazer Carreira em Publicidade pela
comédia surreal e de humor negro, apresentando a crítica a sociedade de consumo
e os valores materialistas como uma espécie de epifania religiosa.
E o que torna o filme ainda mais curioso é que tanto o autor
do livro no qual se baseia o filme, Peter Carey, como o diretor Ray Lawrence se
conheceram trabalhando no meio publicitário australiano. Uma visão crítica de insiders do meio midiático. Portanto,
eles parecem saber muito bem sobre o que criticam.
O que esperar?:
A crítica parece ser unânime em dizer que, apesar do tom surrealista e
inverossímel, os personagens profundamente neuróticos e as situações são
críveis e a narrativa oferece profundas analogias. Uma cena parece sintetizar o
tom do filme: Depois de ter um péssimo dia, os amigos de Harry oferecem para
ele um cigarro de maconha. Então começa a chover. No meio da chuva,
inexplicavelmente um elefante para e senta-se no carro de Harry para descansar,
esmagando parte do veículo. Imperturbável e muito chapado, tenta dirigir o
carro para casa, agora sem teto, e fica surpreso quando a polícia o prende... A
loucura da sociedade em contraste com uma vida mais sã, porém difícil: a vida
de uma pessoa que passa a ter ideais anarquistas e comunais... mesmo sem saber
se ainda está vivo ou em alguma existência pós-morte.