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quinta-feira, fevereiro 29, 2024

'9 - A Salvação': de onde viemos? O que tornou o mundo do jeito que é?


Baseado no curta indicado ao Oscar em 2005, “9 – A Salvação” (9, 2009) foi lançado no dia 09/09/2009 para evocar a simbologia esotérica explorada pela animação. Dirigido Shane Arcker (talento descoberto por Tim Burton que produziu a animação), a crítica não entendeu muito bem o universo simbólico da história, reduzindo-o a um Wall-E sombrio. Nove pequenos bonecos de pano despertam em um mundo pós-apocalíptico no qual máquinas autorreplicantes dominam o planeta Terra arrasado, auxiliados por bestas metálicas que perseguem os pequenos heróis de pano que tomam consciência de serem prisioneiros naqueles cosmos hostil. Lutam para encontrar seu lugar no novo mundo enquanto tentam aprender sobre de onde vieram e o que aconteceu para tornar o mundo do jeito que ele é. Mais ou menos as mesmas perguntas básicas que todos nós fazemos a nós mesmos. A animação é repleta de alegorias ao misticismo dos bonecos e autômatos e à cosmogonia gnóstica.

segunda-feira, fevereiro 26, 2024

'O Mal que Nos Habita': quando o Mal gnóstico vira uma metáfora política da Argentina atual


Como um título em português pode estragar a exata compreensão de um filme! É o caso da produção argentina “Cuando Acecha la Maldad” (2023), de Demián Rugna (“Aterrorizados”), que mereceu em português o título “O Mal que Nos Habita”. Rugna impacta com sua brutalidade anárquica. Principalmente porque rompe com tabus e o cânone do gênero da representação do Mal e da monstruosidade. No filme, o Mal não é mais moral, punindo pecadores de forma exemplar. Mas ontológico, gnóstico. Uma combinação visceral de possessão demoníaca como fenômeno viral e epidemiológico num lugar remoto no interior da Argentina. Ele não nos habita, mas nos cerca e nos espreita. O Mal está na Criação, não em nós. O filme leva essa ideia a uma poderosa metáfora política da Argentina atual.

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Arte, capitalismo e crime em um microcosmo gnóstico no filme 'Dentro'


Willem Dafoe é um ladrão especializado em roubo de obras de arte milionárias que fica acidentalmente preso em uma cobertura high tech em Manhattan. Trancafiado e incomunicável com o mundo exterior, ironicamente está preso com os milhões de dólares de um colecionador de artes. Arte que se tornou supérflua na sua luta por água e comida numa situação ironicamente cruel. “Dentro” (Inside, 2023, disponível na Amazon Prime Video) é uma cínica e irônica reflexão sobre arte, capitalismo e crime, mas principalmente sobre como a dimensão estética pode ser inspiradora na fuga de uma cobertura que vira um microcosmo da condição humana. Principalmente depois de o ladrão encontrar uma edição do “Casamento do Céu e do Inferno” de William Blake, o filme ganha tons gnósticos.  

sábado, janeiro 13, 2024

Canibalismo e horror cósmico em 'A Sociedade da Neve'


A história dos sobreviventes dos Andes (o acidente aéreo de 1972 com dezesseis sobreviventes entre 45 pessoas a bordo) já foi contada e recontada na literatura e cinema – sempre com o toque sensacionalista do canibalismo. Mas em “A Sociedade da Neve” (2023), do diretor espanhol J.A. Bayona, a questão do canibalismo é colocada num cenário mais amplo: o do horror metafísico ou cósmico, com forte traço gnóstico. Os planos grandiosos dos Andes os infinitos campos de neve contrastando com fragilidade dos sobreviventes diante da escala do cenário acentuam a absoluta indiferença da Natureza diante da presença humana. Ali não há Deus, propósitos divinos, sentido ou sequer destino. Apenas a fúria dos elementos. Diante da “morte de Deus” resta o pós-humano: o homem tornar-se uma máquina de sobrevivência tão furiosa quanto a Natureza – e o canibalismo é apenas um elemento nesse quadro mais geral.

sexta-feira, novembro 24, 2023

Determinismo quântico e existencialismo gnóstico na série 'Corpos'


Liberdade versus Determinismo foi um tema que sempre assombrou a Filosofia. Com a morte de Deus e da causalidade newtoniana por meio da Relatividade e da mecânica quântica, parecia que o livre-arbítrio tinha ganhado a discussão. Até surgir o paradoxo quântico do “Closed Timelike Curve” (CTC), linha do tempo fechada na qual se inspirou o clássico “Em Algum Lugar no Passado” (1980) - situações paradoxais nas quais partículas parecem ter surgidas do nada, revivendo o determinismo em um outro nível. A série Netflix “Corpos” (Bodies, 2023- ) eleva o paradoxo da CTC ao nível do existencialismo gnóstico da “Teodiceia”: é possível existir livre-arbítrio num mundo criado por um ser que tudo sabe? Quatro detetives em quatro períodos diferentes no tempo investigam um mesmo crime – um corpo que aparece numa mesma viela em Londres. Todos unidos em um loop tempo/espaço envolvido em uma conspiração em um ciclo fechado de 150 anos. 

sexta-feira, novembro 10, 2023

'O Exorcista' faz 50 anos: CIA, desconfiança gnóstica e possessão midiática


Considerado o filme mais assustador já feito, “O Exorcista” (1973) completou 50 anos. E está envelhecendo muito bem, principalmente pela sua atemporalidade. Embora baseado em um caso real estudado pelo laboratório de parapsicologia da Universidade Duke financiado pela CIA e Fundação Rockefeller (o oculto e a parapsicologia como ferramentas de espionagem na Guerra Fria), sua atemporalidade vem do horror metafísico que ele desperta: como Deus pode permitir uma legião de demônios soltos entre os homens e possuir o corpo de uma jovem inocente? Apesar de ter inspirado todos os clichês dos filmes de terror repetidos ad nauseam ao longo das décadas, suas cenas são assustadoras porque inspiram uma desconfiança gnóstica: será que Deus não nos ama? Além do filme ter um subtexto secreto: será que a mídia estaria criando a forma contemporânea de possessão demoníaca?

quinta-feira, outubro 26, 2023

Palhaços, jornalistas e niilismo gnóstico em 'Apocalypse Clown'


Uma explosão solar desencadeia um apocalipse geomagnético na Terra, inutilizando dispositivos móveis e a Internet. Quem se beneficiaria com o caos? Palhaços e jornalistas: sem a concorrência do Tik Tok, a “comedia dell’arte” voltaria à ribalta e num mundo analógico os jornalistas retomariam o faro investigativo perdido. Esse é a comédia irlandesa “Apocalypse Clown” (2023) que traz mais uma vez o niilismo gnóstico ao estilo Terry Gilliam da trupe de humor Monty Python: o riso é a única resposta sensata a uma existência sem sentido. Lembrando a célebre “punch line” do Coringa de Heath Ledger: “Porque está tão sério?”. Um trio de palhaços fracassados se torna anti-heróis em um mundo desconcertante onde nada é o que parece.

sábado, setembro 16, 2023

O mistério CosmoGnóstico da série 'Origem' faz microcosmo da condição humana


As narrativas CosmoGnósticas (protagonistas que se encontram prisioneiros em realidades artificialmente construídas ou acidentalmente criadas) estão deixando as telonas para ocupar as séries de TV. Um exemplo dessa tendência é “Origem” (From, 2022-), um candidato a pelo menos se equiparar a “Lost”, a série Cosmognóstica mais bem-sucedida – aplicando algumas fórmulas de “Lost”, “Origem” dá continuidade ao drama gnóstico de protagonistas presos em mundos que funcionam como microcosmos da condição humana. Um xerife caminhando por uma rua e tocando um sino que carrega em uma das mãos, avisando a todos para entrar nas suas casas antes de anoitecer, é a imagem indelével que abre a série – os mistérios de uma cidade em ruínas, aparentemente fora do tempo e espaço.

quinta-feira, agosto 10, 2023

Em 'Paraíso' a agenda tecnognóstica se encontra com a luta de classes


Tempo é dinheiro. Essa frase deixou de ser um mero provérbio motivacional para contos sobre empreendedorismo. Realizou-se na própria literalidade na financeirização: tempo é monetizado através dos juros e especulações no mercado financeiro. Mas e se o próprio tempo de vida de todos nós for monetizado e se transformar em bem para garantia em transações financeiras? Esse é o ponto de partida da produção Netflix alemã “Paraíso” (2023), trazendo a agenda tecnognóstica (a imortalidade através da tecnociência) para o campo da luta de classes. uma gigante farmacêutica descobriu uma maneira de reverter o processo de envelhecimento - alguém precisa sacrificar anos da sua própria vida para doá-la” ao receptor. Em troca de dinheiro, excluídos, refugiados e migrantes ilegais “doam” décadas das suas vidas, enquanto os super ricos têm a eventual imortalidade.

Dois temas interligados atravessam a produção original Netflix alemã Paraíso (2023): a busca da imortalidade pela elite da sociedade e a monetização do tempo.

Escrito por Simon Amberger, Peter Koclya e Boris Kunz (que também dirigiu), Paraíso gira em torno de uma gigante farmacêutica chamada Aeon (a referência gnóstica às entidades divinas não é casual, como veremos) que descobriu uma maneira de reverter o processo de envelhecimento. Porém, como acompanhamos na cinematografia recente, desde Parasita, nada condescendente com os super ricos, no filme a nova descoberta em manipulação genética não vem sem o elemento da luta de classes: alguém precisa sacrificar anos da sua própria vida para doá-la ao receptor – doadores e receptores precisam ter DNA correspondente.

Por exemplo, um indivíduo na casa dos 80 anos pode querer viver mais, e por uma quantia incrivelmente grande de dinheiro, poderia pedir a uma pessoa de 18 anos com um padrão genético semelhante que tivesse de 50 a 60 anos tirados de sua vida, permitindo que a pessoa de 80 anos retornasse aos 30 anos e a de 18 anos envelhecesse dramaticamente até os 70 anos dentro de alguns dias.

Mas quem se disponibilizaria a entregar para alguém os anos da própria vida? Claro, alguém que esteja desesperado, necessitando de uma soma de dinheiro que ajude a vida de seus familiares – refugiados, migrantes ilegais e excluídos da própria sociedade.

O marketing promocional da empresa fala em liberdade de escolha e livre-arbítrio: dispor parcela da própria vida em troca de dinheiro para dispor da liberdade de aproveitar o restante da existência como quiser. 



Em Paraíso, ageísmo e classismo se encontram – os ricos podem essencialmente viver para sempre se continuarem com o processo, mas são as classes subalternas que mais devem pagar o preço, sacrificando décadas das suas vidas por uma soma de dinheiro suficiente para resolver seus problemas financeiros.

Em muitos aspectos, Paradise lembra o filme de 2011, O Preço do Amanhã (In Time), no qual a imortalidade de poucos significava a mortalidade de muitos ao transformar o Tempo em moeda acumulável e estocável – o Tempo como moeda de especulação, reprodução da desigualdade e controle do crescimento populacional. 

Que a elite sempre almejou a imortalidade para perpetuar o poder, isso não é novidade. Veja o exemplo das pirâmides, nas quais faraós eram mumificados junto com seus bens e riquezas almejando a vida eterna. 

A diferença é que se no passado a imortalidade era buscada pelas vias metafísicas ou religiosas, hoje, através da tecnociência (manipulação genética, neociências, nanotecnologias e ciências computacionais), vislumbra-se a possibilidade da imortalidade ainda nesse mundo. Como, por exemplo, a agenda tecnognóstica do Vale do Silício: digitalizar a consciência e fazer um upload final para o céu da informação, superando as limitações da corporalidade – finitude, temporalidade e senso de fragilidade corporal.

Mas tudo isso confirma a máxima do Capitalismo: Tempo é dinheiro. Principalmente nesse momento da financeirização do Capitalismo – o controle do tempo através da velocidade em tempo real da manipulação de títulos, ações, fundos de investimentos, pregões das bolsas de valores conectadas em tempo real através do planeta. A produções de riqueza especulativa através da manipulação do tempo em si mesmo.



Como didaticamente o filme Os Imorais (The Grifters, 1990) nos explica como uma transferência rápida de informações entre o fechamento da Bolsa de Tóquio e a abertura da Bolsa de Nova York pode render fortunas: receber informações de Tóquio antes da Bolsa americana abrir, com uma vantagem de sete segundos, significaria ganhos milionários. 

Portanto o tema da monetização do tempo em filmes como O Preço do Amanhã e Paraíso, combinado com a utópica (ou distópica, dependendo do ponto de vista de classe social) imortalidade da classe dominante é um reflexo do atual espírito do tempo. 

O Tempo como dinheiro deixou de ser um mero provérbio motivacional para contos sobre empreendedorismo. Realizou-se na própria literalidade.

O Filme

Em Paraíso acompanhamos Max Toma, um corretor de vendas da Aeon altamente bem-sucedido, cujo trabalho é conversar com jovens pobres para que aceitem dinheiro em troca dos anos de suas vidas. 

Nas primeiras sequências encontramos Max convencendo um imigrante de 18 anos a “doar” 15 de seus anos por uma quantia fixa de 700.000 euros. Isso é dinheiro suficiente para tirar seus pais da pobreza e contratar um advogado de imigração para ajudar a garantir o visto de seu pai. Tudo isso em um miserável cenário decadente de um bairro repleto de refugiados e migrantes ilegais.

O marketing da farmacêutica Aeon é, como sempre, otimista e repleto de nobres intenções: imagine doar mais anos para gênios ganhadores de prêmios Nobel. A morte não mais interromperá suas pesquisas, revertendo suas descobertas para o benefício de toda sociedade – certamente não para os “doadores” de tempo de vida.



Apesar da aparência publicitária, o sistema criado pela Aeon é controverso e repleto de possibilidades de corrupção e potenciais abusos – há inclusive um crescente mercado negro de doação de tempo, obviamente através de máfias do Leste europeu. 

Há também um grupo terrorista chamado Adam Organisation que denuncia a imoralidade dessa reprodução da desigualdade mediante a limitação do tempo de vida dos pobres – seus militantes invadem clínicas da Aeon para matar os milionários receptores das “doações”.

No centro de tudo está Max, uma estrela em ascensão na empresa e com uma boa vida. Max não só recebeu um reconhecimento de funcionário do ano e um tapinha nas costas da CEO da AEON, Sophie Theissen, mas ele e sua esposa, Elena, acabaram de financiar um apartamento de luxo e estão tentando ter um bebê. Mas tudo desmorona quando o apartamento do casal sofre um não totalmente elucidado incêndio. O seguro deles não pagará um centavo e o banco cobrará deles a única garantia dada ao empréstimo residencial: 40 anos de vida de Elena – lembre-se, o tempo de vida tornou-se não só uma moeda como um bem que pode ser colocado como garantia em qualquer transação financeira.

Elena é levada por coerção policial e judicial à Aeon para entregar à força suas décadas de vida. Max está furioso, exigindo justiça. E a vida de sua esposa de volta. Isso imediatamente o coloca em rota de colisão com a CEO da Aeon, Sophie Theissen. Principalmente quando ele planeja sequestrá-la para reverter o processo de doação, ao descobrir que ela foi a receptora dos 40 anos de vida Elena.  Reverter o processo, obviamente, através da ajuda do mercado negro no Leste europeu.

É quando Paraíso se transforma: vira num thriller genérico de perseguição, abandonando a inteligente premissa inicial – espere tiros, explosões e loucas perseguições motorizadas na terra e asfalto.



Agenda tecnognóstica

A agenda tecnognóstica da imortalidade marcou bastante os filmes das primeiras décadas deste século, desde Vanilla Sky (2003), o pós-humano em The Machine (2013), a fábula de tecnologia e poder em Transcendence (2014) ou o pesadelo tecnognóstico na série Altered Carbon (2018).

Mas agora essa agenda parece transformada com a tendência recente do cinema infernizar a vida daquele 1% da população obscenamente rica: Parasita, O Cardápio, Glass Onion ou Triângulo da Tristeza. Das reflexões metafísicas e gnósticas sobre o pós-humano, passamos para o tema da imortalidade tecnognóstica ser colocada no campo da luta de classes.

O tema do tecnognosticismo está lá, no próprio nome da gigante farmacêutica: “Aeon”. Na tradição gnóstica simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana, emanação divina proveniente do Pleroma para manter a conexão entre a Luz interior e esse plano fora do cosmos no qual vivemos aprisionados.

Foi um Aeon (Sophia) que foi responsável pela transição do imaterial para o material, do numenal ao sensível, causado por uma falha – uma paixão que produziu um filho (o Demiurgo, Yaldabaoth, o “filho do caos”). Sophia decai no mundo material conseguindo infundir alguma fagulha espiritual no cosmos físico produzido pelo Demiurgo. Tanto Sophia quanto a humanidade tornam-se prisioneiros desse cosmos. Embora tenha conseguido retornar ao Pleroma (o plano da plenitude espiritual e cósmica), ela observa a humanidade, tentando ajudá-la a alcançar a gnose e retornar à antiga morada, o Pleroma.

Como farsa, a empresa chama-se “Aeon”. Numa sociedade fraturada em classes, a reinterpretação dessa mitologia gnóstica pelo Capital somente pode ser através da imortalidade da elite, cuja missão é manter em funcionamento esse cosmos que aprisiona a todos.


 

Ficha Técnica

 

Título: Paradise

Diretor: Boris Kunz, Tomas Jonsgården, Indre Juskute

Roteiro:  Simon Amberger Peter Kocyla Boris Kunz

Elenco:  Lisa-Marie Koroll, Kostija Ullman, Marlene Tanzcik

Produção: Neuesuper

Distribuição: Netflix

Ano: 2023

País: Alemanha

   

 

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sábado, julho 15, 2023

Uma epidemia esotérica de espirais no filme 'Uzumaki'


Esta é para os cinéfilos amantes dos filmes estranhos: a produção japonesa “Uzumaki” (“Espiral”, 2000), do diretor Akihiro Higuchi (aka Higuchinsky), baseada em uma série de mangá. No auge do J-Horror de final de século, “Uzumaki” é um exemplar estranho: não há um monstro definido ou qualquer tipo de vilão aterrorizante. Tudo o que temos é uma espécie de epidemia de espirais: como os habitantes vão do fascínio inexplicável pela forma até o ponto em que o próprio corpo começa a se retorcer em espiral ou pessoas desenvolvem conchas de caracol em suas costas, começando a subir paredes e prédios. “Uzumaki” segue uma longa tradição simbólica da espiral no cinema, desde “O Mágico de Oz” – um símbolo de ondulação com intrincado significado esotérico e ocultista.

quinta-feira, março 30, 2023

Sangue, areia e Lovecraft no filme 'The Outwaters'



Quatro jovens vão ao deserto no Oeste americano para gravar um videoclipe. E lá encontrarão o horror cósmico lovecraftiano. A produção independente "The Outwaters" (2022) mergulha no universo simbólico de um dos arquétipos mais recorrentes na produção cultural: O Deserto, ambíguo na tradição religiosa e esotérica, mas unívoco na mitologia contemporânea: a condição humana gnóstica de exílio, alienação e estranhamento. Além do filme fazer uma metalinguagem de um gênero que já é em si metalinguístico: o “found footage”. “The Outwaters” acompanha o terror minimalista ao estilo do filme “Skinamarink” ao oferecer poucas explicações para o espectador. Um filme para cinéfilos amantes dos filmes estranhos: sangue, areia e Lovecraft.

quinta-feira, março 02, 2023

Todas as virtudes públicas e vícios privados do gênio preso em um labirinto no filme 'Tár'


Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Diretor e Atriz, “Tár” (2022) é um filme sobre uma brilhante maestra e compositora chamada Lydia Tár (numa interpretação visceral de Cate Blanchett) cuja vida e carreira desabam após chegar ao topo da cadeia alimentar no circuito promocional altamente predatório da música clássica. O diretor Toddy Field quer discutir algo que vai muito além da cultura de cancelamento: como a criação artística brilhante e original pode se perder num labirinto em que a necessidade de ser personalista e arrogante faz parte essencial do negócio para acumular capital simbólico num mercado tão competitivo.  Por isso a simbologia do labirinto é central (recorrente em diversas cenas): virtudes públicas e vícios privados combinados com o mix da arte, poder e influência criam o inferno para a protagonista, enquanto a genialidade vai se perdendo pelos becos sem saída de um labirinto.

quarta-feira, janeiro 25, 2023

A cultura pop gnóstica japonesa no filme 'Tag'


Animes, mangas, filmes e romances japoneses, repletos de gritantes gráficos coloridos e ações com temas fantásticos e futuristas, são tão desapegados das regras hollywoodianas ocidentais que permitem aos autores mergulhos profundos na psicologia e mitologia. Claro, sempre numa perspectiva pop. Um campo que facilmente absorve o esoterismo gnóstico, que melhor representa mundos distópicos violentos e ciberpunks catárticos.  “Tag” (2015), de Sion Sono, é um bom exemplo: baseado em um romance popular que gira em torno de meninas colegiais que se tornam presas de professores e de um híbrido humano-porco em um mundo sem homens. Tudo isso enquanto são objetificadas para algum olhar masculino onipresente: seria o de um Demiurgo? Do espectador? Ou do próprio diretor? Mitologias clássicas gnósticas do Demiurgo, de almas decaídas, do Salvador e do Divino Feminino narradas em toda glória da cultura pop japonesa. 

sexta-feira, janeiro 20, 2023

Vampiros e gnosticismo vão à ficção científica no subestimado '2019 - O Ano da Extinção'


A Era “Crepúsculo” acabou dominando o mercado dos vampiros que caminham durante o dia na primeira década desse século. O que deixou a produção australiana "2019 - O Ano da Extinção" (Daybreakers”, 2009) em busca de um público. Acabando esquecida com o passar dos anos. É um filme extremamente subestimado no qual os vampiros passam para o campo sci-fi – um futuro em que eles estão no controle do mundo. Na maioria das narrativas vampiros são seres que se escondem nas trevas e têm vidas secretas. Mas nesse filme tudo se inverte: são os humanos que escondem sua humanidade numa sociedade em que foram transformados em rebanho para colheita de sangue, algo parecido com “Matrix”. Vampiros, assim como zumbis, são fascinantes porque lembram para nós a própria condição gnóstica humana: nem a morte é suficiente para escaparmos desse mundo. Mas em “Daybreakers’ eles passam para o outro lado: são entidades inteligentes e demiúrgicas que controlam os humanos.

quinta-feira, janeiro 19, 2023

Morte e Singularidade tecnológica no filme 'Homem Bicentenário'


Um clássico esquecido, mesmo entre os fãs do ator Robin Williams. Na época, “Homem Bicentenário” (Bicentennial Man, 1999) foi um fracasso de bilheteria com uma péssima promoção, inclusive com trailers que sugeriam como mais um veículo para o personagem do pateta com coração, como o ator se notabilizou em filmes anteriores. Mas “Homem Bicentenário” é um drama sério de ficção científica, que se inseriu numa guinada metafísica de Hollywood no final de século, com filmes como Dark City, Show de Truman e Matrix. Mais do que isso, foi na contramão do imaginário místico que começava a motivar o Vale do Silício: a Singularidade tecnológica como a busca da imortalidade através da digitalização da consciência – a agenda pós-humanista. Ao contrário, o filme faz uma reflexão humanística: um robô alcança a Singularidade, mas tenta aprender o que nos torna humanos: a mortalidade como o principal traço da alma humana.

sábado, dezembro 10, 2022

Do demasiado humano ao AstroGnosticismo no filme 'Nr. 10'

O diretor holandês Alex van Warmerdam é conhecido por esse humilde blogueiro principalmente pelo filme “Borgman” (2013) sobre como uma família burguesa é capaz de se autodestruir pelo demasiado humano que nos habita. Mas, dessa vez, seu espírito desconstrutivista foi mais além: do demasiado humano para uma narrativa AstroGnóstica no filme “Nr. 10” (2021). Uma verdadeira montanha-russa, com guinadas secas no tom, como se quisesse brincar com o espectador: de uma simples comédia de erros, passando para um drama sobre pecados até dar uma guinada AstroGnóstica. “Nr. 10” começa no mundo profano do cotidiano (a rotina de trabalho, traições e mentiras numa companhia teatral) para convergir para o Sagrado: a busca de si mesmo pelas mãos de um estranho homem sussurrante que conduz o protagonista a um excêntrico Monsenhor que parece ter negócios muito além desse mundo.

quarta-feira, dezembro 07, 2022

Para entender o terror gnóstico de 'Skinamarink'



Os mais assustadores filmes de terror são aqueles cujas imagens e narrativas deixam lacunas para que nossa imaginação tente preenchê-las. E a nossa imaginação pode ser mais assustadora do que o próprio filme. “Skinamarink” (2022) nos mostra duas crianças que acordam no meio da noite e descobrem que os pais desapareceram, assim como todas as portas e janelas. Filmada em filme analógico, o resultado são imagens escuras e muito granuladas: o que faz o espectador imaginar as coisas mais diabólicas que possam emergir dos grãos da imagem. Há um plot gnóstico por trás do drama daquelas crianças: realidade, fantasia, o onírico e o lúdico se misturam numa casa que repentinamente perdeu portas e janelas. Abuso infantil, morte e monstros da nossa infância são a superfície de um drama gnóstico que tem a ver com a nossa condição existencial da solidão: nascemos sós e morremos sós.

sexta-feira, dezembro 02, 2022

Uma sátira da paranoia pop customizada do século XXI no filme 'Something in the Dirt'


O século XX foi um século paranoico: Guerra Fria, conspirações nucleares, agências de espionagem etc. E quem eram os sujeitos das conspirações? Ou era o Capitalismo ou o Comunismo. “A verdade está lá fora”, pôster icônico da série Arquivo X, foi a preparação para um novo tipo de paranoia que invadiria o século XXI: a paranoia pop, sem um sujeito determinado: podem ser sociedades secretas, grays, globalistas, satanistas ou qualquer coisa oculta – Sequência Fibonacci, Código da Vinci, números pitagóricos etc. Conspirações customizadas, inclusive para fins de extremismo político de direita. O filme indie “Something in the Dirt” (2022) é uma parodia dessa paranoia pop: uma dupla pretende explicar “racionalmente” os estranhos acontecimentos telecinéticos que ocorrem em um pequeno apartamento. E decidem transformar essa busca em vídeos na internet. Ganhar algum dinheiro ou fama, enquanto tentam encontrar conexões entre, por exemplo, um cristal que levita, a Sequência Fibonacci e o mapa da cidade de Los Angeles. Mas será que serão inteligentes o suficiente para criar sua própria toca de coelho?

quarta-feira, novembro 09, 2022

Em 'O Enfermeiro da Noite' o Mal é o efeito colateral de um sistema de saúde privatizado


O filme “O Enfermeiro da Noite” (The Good Nurse, 2022) é mais um filme de uma recorrente abordagem no cinema do Mal como viral e exponencial. Não pela monstruosidade do Mal, mas como efeito colateral de um sistema intrinsecamente corrompido. No caso, o sistema hospitalar dos EUA, visto pelo olhar de um diretor que veio de um país (Dinamarca) com assistência médica púbica e a saúde universalizada: ao contrário, nos EUA a saúde tornou-se um negócio centrado em ter pacientes, não em ajudá-los. Contando com o silêncio de um sistema privado temeroso por ações judiciais, um enfermeiro serial killer deixa um rastro de dezenas de pacientes mortos por envenenamento em diversos hospitais nos quais trabalhou. Baseado no caso real do assassino serial considerado o mais mortal da história do país.

quarta-feira, setembro 21, 2022

Filme 'Land of Dreams': qual foi seu último sonho?


Os EUA irradiaram para todo o planeta uma autoimagem que mistura realidade e ficção, a tal ponto que a ilusão parece sempre preceder a realidade. Só um estrangeiro para entender a dinâmica onírica dessa nação. Ou melhor, dois estrangeiros: a dupla de cineastas iranianos Shirin Neshat e Shoja Azari, que dirigiu e adaptou um roteiro de Jean-Claude Carrière, colaborador de longa data de Luis Buñuel. É o filme “Land of Dreams” (2021) que acompanha uma recenseadora do US Census Bureau que faz uma pergunta inusitada aos entrevistados: qual foi seu último sonho? Além de querer entender o porquê de o Estado Profundo estar tão interessado em colecionar os sonhos dos cidadãos, o filme faz um mergulho no imaginário dos EUA. "Land of Dreams" não esconde suas intenções políticas: mostrar um país construído por imigrantes que se tornaram invisíveis

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