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sexta-feira, dezembro 20, 2024

Cibernética e a religião do controle no filme 'Herege'


Cada religião reivindica ter o verdadeiro caminho para Deus e a Salvação. Então, qual a religião verdadeira? E se nenhuma for verdadeira? Porque ao longo da História apenas replicaram uma narrativa original, cujo sentido verdadeiro foi se diluindo ao longo do tempo. E o Sr. Reed quer provar isso através de um jogo mental e mortal com duas cobaias: uma dupla de jovens missionárias mórmons. Barnes e Paxton parece que escolheram a pessoa errada para catequizar. Uma casa se transforma num experimento comportamental sobre crença, fé e controle. Sr. Reed quer descobrir nesse experimento perverso qual a verdadeira religião. Ecos de Norbert Wiener, o pai da Cibernética: a Teologia será substituída pela Teleologia, a fé pelo controle.

quinta-feira, dezembro 03, 2020

Deus está morto no país do Estado Mínimo na série 'Ninguém Tá Olhando'


As representações no cinema e audiovisual sobre o Céu, anjos e vida após a morte são um verdadeiro sismógrafo do que ocorre aqui embaixo, na vida dos vivos. A série brasileira de humor da Netflix “Ninguém Tá Olhando” (2019) não poderia ser diferente: retrata uma organização burocrática de anjos da guarda que protegem os seres humanos, sempre seguindo as regras de um chefe ausente. Um anjo recém-chegado passa a questionar as regras estabelecidas, fazendo todo o sistema lentamente afundar em crise. É sintomática a representação do Céu como uma repartição pública e os anjos como burocratas entediados de alguma estatal: num país no qual o discurso neoliberal do Estado Mínimo em que as estatais são a fonte de todos os males políticos e econômicos, essa série faz todo o sentido. Se Deus/Estado estiver morto, então ninguém tá olhando! A tese nietzschiana da morte de Deus se encontra com o Estado Mínimo neoliberal.

domingo, abril 19, 2020

"Vida e Legado de Jacob Boehme": entre Deus, o Homem e o Universo


“Vida e Legado de Jacob Boehme” é o primeiro documentário biográfico sobre Jacob Boehme (1575-1624), um dos pensadores europeus mais interessantes e místico influente do esoterismo ocidental. O filme explica os elementos mais importantes dos escritos de Boehme, além de apresentar o amplo impacto que suas ideias causaram em todo o mundo. Não se esquiva de temas importantes como literatura, teologia e história da filosofia.

domingo, julho 28, 2019

Vaza Jato: a religião do dinheiro da banca é a eminência parda brasileira


Um “bate-papo” secreto de um servidor público passando informações privilegiadas, em ano eleitoral, num evento secreto para empresas nacionais e internacionais do setor financeiro. As novas informações vazadas pelo “Intercept” sobre a bem remunerada participação do coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, não apenas revelam as relações promíscuas de procuradores e juízes com o mundo político e empresarial. Também mostra como a banca é uma eminência parda: por todo o espectro político, as críticas ao sistema financeiro são apenas pontuais ou genéricas. Nunca está sob o foco da mídia. No máximo, denuncia-se “bad guys” gananciosos, enquanto a estrutura do sistema nunca é questionada – dinheiro, valor, débito, crédito etc. são conceitos naturalizados, reverenciados quase religiosamente. A banca age secretamente como uma religião, com seus templos (sagrados e pagãos) e com seus padres e alto sacerdotes. Dois livros lançam uma luz sobre o fenômeno: “The Theology of Money” do filósofo Philip Goodchild; e “The Cult of Money”, de Chris Lehmann.

quinta-feira, agosto 31, 2017

O Pequeno e Irônico Dicionário para Aspirantes ao Mérito-empreendedorismo


Ok, vocês venceram! Por isso, o “Cinegnose” vai dar uma ajuda aos aspirantes e adeptos da nova religião do mérito-empreendedorismo (meritocratas + empreendedores) desse admirável mundo novo, no qual maquininhas de crédito e débito substituíram da Carteira de Trabalho por meio da inabalável fé de que, um dia, a força de trabalho se transubstanciará em Capital. Para entender esse Mistério da transubstanciação de uma categoria econômica em outra (que se equivale ao da Santíssima Trindade ou da própria redenção de Cristo) é urgente dominar o jargão hermético dessa seita – “foco”, “nicho”, “aplicativo”, “sustentabilidade”, “agregar”, “gestão”, “inteligência” entre outros termos aparentemente inescrutáveis. Bem vindo à Metafísica da Teologia desses novos tempos, através do “Pequeno e Irônico Dicionário para Aspirantes ao Mérito-Empreendedorismo”.

sábado, fevereiro 18, 2017

Por que o mundo tem que acabar?


Diariamente o mundo acaba diante dos nossos olhos, seja no cinema na atual safra de filmes-catástrofe, em séries de TV sobre Nostradamus, previsões “científicas” de algum tipo de futura catástrofe ambiental ou em algum “hoax” descrevendo cometas, asteroides ou planetas errantes que cairão sobre a Terra. A última, foi sobre um pedaço do Planeta X que supostamente cairia no último dia 16. Por que o mundo tem que ser destruído? No passado, todas religiões possuíam uma Escatologia: alguma narrativa sobre o fim dos tempos onde os maus seriam punidos e os bons salvos. Mas essas religiões se tornaram “líquidas”: sob os escombros das antigas religiões salvacionistas viraram pastiches que se rendem ao utilitarismo das necessidades do presente: “teologia da prosperidade”, “cabala do dinheiro” ou o islamismo dos homens-bomba. Esqueceram-se do futuro. Por isso, essa nova religião “líquida” e ecumênica precisa criar uma nova Escatologia, uma narrativa midiática sobre o “fim dos tempos” que junte convicções eco-ambientais, geofísica e astrofísica. A “Neoapocalíptica” como estratégia de marketing.

domingo, fevereiro 28, 2016

Em "Cavaleiro de Copas" a bebida do esquecimento que enche nossos copos


Livremente inspirado no Tarot e num poema gnóstico cristão do século II chamado “Hino da Pérola”, o filme “Cavaleiro de Copas” (2015) mostra como a crise criativa de um roteirista de Hollywood pode ser o início de uma reflexão sobre o vazio existencial do sucesso material. O protagonista Rick (Christian Bale) vaga por uma Los Angeles e Las Vegas como um estrangeiro em um deserto e percebe como a indústria do entretenimento levanta espelhos e cenografias que não nos deixa ver o que está por trás: horizontes e pontos de fuga. Tal como nos fala os versos do “Hino da Pérola”, é a bebida que enche o nosso copo diário de esquecimento. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

quinta-feira, dezembro 17, 2015

"Star Wars: o Despertar da Força" mas... o que é "A Força"?


Há muito tempo em uma galáxia muito distante não havia Deus... mas “A Força”. “Star Wars” foi o ápice da popularização do Panteísmo no Ocidente, iniciado com os Beatles nos anos 1960. Conceito tomado do livro “Relatos de Poder” de Castaneda, George Lucas nunca deixou clara as conexões teológicas do termo “A Força” com alguma religião em particular, mas há evidentes ligações com cosmovisões budistas, taoístas e nas atuais religiões New Ages. Mas o panteísmo de “Star Wars” é bem diferente: na saga, a “Força” ora é uma energia cósmica impessoal, ora uma entidade inteligente que manipula deliberadamente os eventos em busca do “equilíbrio” como fosse Deus, ora um instrumento de poder dos Jedi. Estamos no panteísmo hollywoodiano onde o confronto entre Bem e o Mal busca um equilíbrio sem redenção final para que a franquia torne-se uma narrativa transmídia e se expanda infinitamente em múltiplas mídias e plataformas.

Assistir à saga Star Wars chega a ser uma experiência quase religiosa.

A série salvou os estúdios da 20th Century Fox da falência em 1977, criou o padrão blockbuster de comercialização em Hollywood (onde um filme cria franquias de jogos, brinquedos etc.), e foi tão influente que fez o presidente dos EUA Ronald Reagan a chamar seu novo dispositivo de defesa militar durante a Guerra Fria nos anos 1980 de “Guerra nas Estrelas”.

Além de ser o primeiro “filme recuperativo”, série de retro-fantasias que se contrapôs à chamada Nova Hollywood – conjunto de filmes críticos e realistas dos anos 1970 como Taxi Driver, com Robert De Niro, e Um Estranho no Ninho, com Jack Nicholson. Depois de Star Wars vieram Indiana Jones, E.T., De Volta Para o Futuro, Ghost Busters, etc.

sábado, novembro 28, 2015

"The Zohar Secret" revela o misticismo no cinema russo atual


O auge do Império Romano coincidiu com o surgimento dos textos mais enigmáticos da humanidade, como o “Zohar” que é a própria mística da Cabala. Se os seu conteúdo fosse revelado poderia provocar a queda do próprio Império. Mas o roubo dos pergaminhos por um legionário romano marcará o destino da História do Ocidente e da vida desse soldado que ficará prisioneiro em uma cilada Tempo-Espaço por sucessivas reencarnações até os tempos atuais. Esse é o filme “The Zohar Secret” (2015), mais uma recente produção russa onde está presente o tema do misticismo gnóstico. Seria o misticismo russo uma forma de reação à invasão do Marketing e da Publicidade na Rússia pós-comunismo? Uma reação contra mais um império, assim como os textos místicos judaicos e gnósticos enfrentaram o Império Romano no passado? Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Cinco anos de arrecadação de recursos por crowndfounding através da plataforma Kickstarter (site de financiamento coletivo que busca apoiar projetos inovadores), envolvendo 1.300 pessoas de 54 países conseguiram levantar algo em torno de 10 milhões de dólares entre dinheiro e equipamentos.

quinta-feira, outubro 15, 2015

Cinco evidências de que vivemos em uma simulação


Desde que o filósofo e matemático Nick Bostron sugeriu em 2003 que o universo poderia ser uma simulação produzida algum supercomputador quântico alienígena, físicos, matemáticos e astrofísicos vem procurando evidências  dessa hipótese. O “Cinegnose” vai resumir as atuais cinco principais evidências: O Princípio Antrópico e o Paradoxo de Fermi, Mecânica Quântica e Modelagem da Simulação, Universo Pixelado, Falhas na Matrix, Raios Cósmicos e a Grade da Simulação. Uma discussão à primeira vista delirante, mas que envolve lógica e números. E, claro, a inspiração do imaginário cinematográfico dos filmes gnósticos. Uma discussão que pode resultar em profundas consequências espirituais e religiosas nas nossas vidas.

terça-feira, setembro 22, 2015

A ingenuidade semiótica das suásticas brasileiras

Era o que faltava! Em meio a atual atmosfera politicamente pesada de polarização e intolerância, eis que suásticas começam a se espalhar não só em cartazes de grupelhos neofascistas, mas agora também em instituições que deveriam trazer a esperança civilizatória em meio à barbárie: escolas públicas e universidades. Cheios de boas intenções (conscientizar, debater e denunciar), estudantes desfilam com suásticas e um estande de uma feira universitária transforma-se num bizarro parque temático nazista com prisioneiros judeus com camisas listradas com a estrela de Davi e alunas felizes e elegantes em seus uniformes da SS e braçadeiras com a indefectível suástica, posando para selfies. Nas suas ingenuidades semióticas, falam que as suásticas são apenas “expositivas”, com as melhores intenções pedagógicas,  como se as imagens pudessem ser neutras e apenas ilustrativas. Sem saberem, estão manipulando cepas de ícones-índices de alto poder viral com efeitos imprevisíveis em redes sociais e opinião pública.

Como se já não bastasse a pesada atmosfera atual de polarização que domina a opinião pública no País, de forma surpreendente o setor educacional (que deveria ser uma referência civilizatória em meio à barbárie) dá também sua contribuição à turbulência política, de forma ingênua e desajeitada.

domingo, agosto 03, 2014

O Templo de Salomão da Igreja Universal e a arquitetura da destruição

O que há em comum entre Las Vegas e Disneylândia com a recém-inaugurada réplica do Templo de Salomão construída pela Igreja Universal? Las Vegas é a cidade que irradia hiper-realismo kitsch para todo o planeta com suas réplicas da Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da Antiguidade. Ao lado da Disneylândia, foi o primeiro parque temático da História, complexas cenografias de neons, gesso, concreto e metal que, assim como o Templo da Igreja Universal, exploram a fé nas entidades “espirituais” – Deus, jogo, sorte e animações digitais. E assim como shoppings e prédios corporativos espelhados, o Templo é mais um “bunker” em uma cidade que não se integra. Mais um exemplo de arquitetura da destruição, dessa vez a serviço da teologia da prosperidade cuja igreja esconde a mesma natureza dos cassinos: a banca sempre ganha.

Nessa semana foi inaugurado em São Paulo o suntuoso novo prédio da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma réplica do que teria sido o Templo de Salomão como descrito na Bíblia. Os detalhes que envolveram a construção do complexo de 74 mil m2 de área construída são faraônicos: todo o piso do templo e o altar são revestidos com pedras trazidas de Israel. O altar traz a Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o local em que Salomão construiu para guardar os Dez Mandamentos no primeiro Templo, em torno do século 11 a.C, em Jerusalém. Foram ainda trazidos do Uruguai doze oliveiras para reproduzir o Monte das Oliveiras, local sagrado onde Jesus teria transmitido alguns dos seus ensinamentos.

O templo supera em quatro vezes o tamanho do espaço construído do Santuário Nacional de Aparecida (SP), além da grandiosidade dos altos custos de R$ 685 milhões.

Como era de se esperar, a mídia partiu para cima lembrando a célebre frase de Balzac: atrás de uma grande fortuna há um crime. Desde 2010 sob investigação pelo Ministério Público, fala-se em alvarás irregulares, desrespeito à lei de zoneamento, falta de contrapartidas de trânsito exigidas pela CET, irregularidades na importação de matérias usados na construção etc.

sexta-feira, junho 20, 2014

Por que Nova York precisa ser destruída?

Quantas vezes Nova York já foi destruída no cinema, literatura, rádio e TV? Monstros, alienígenas, catástrofes geológicas, climáticas, destruições provocadas por lutas de super-heróis com vilões.  Por que essa insistência das imagens de destruição da “Big Apple” na cultura norte-americana? Pode parecer uma questão supérflua de um cinéfilo diletante, mas se considerarmos que essas imagens são irradiadas para todo o planeta pela indústria do entretenimento norte-americana, passa a ser uma questão ideológica: o que na verdade Hollywood exporta para o mundo: paranoia? Motivação subliminar para a obsolescência de produtos? Ou a elaboração de um neoapocalipse necessário para a criação de uma nova religião global? Vamos explorar algumas hipóteses sobre os porquês dessa obsessão norte-americana.  

Meridth Blake, 28, vive no Brooklyn, Nova York. Ele relata uma insólita cena quando estava em uma estação do metrô: “Saí do trem e dei de cara com um pôster do filme Cloverfield com a Estátua da Liberdade decepada. Subi as escadas para, em seguida, ver o pôster do filme Eu Sou a Lenda com a ponte do Brooklin em ruínas. Pensei, ora! Outro filme que destrói Nova York!”.

Com uma diferença de um mês de lançamentos, ambos os filmes contavam as desventuras de protagonistas em uma Nova York destruída por monstros ou por epidemias. Isso foi em 2008, quando os nova-iorquinos ainda sentiam os ecos da queda das torres do WTC em 2001: “lembro-me da cena do filme Cloverfield com pessoas correndo para se esconder em uma delicatessen com poeira e escombros por toda parte. É tão obviamente uma alusão ao 11/09...”, destacou Blake - leia "Filmakers View New York as a Disaster Waiting to Happen".

sábado, abril 27, 2013

E o Verbo se fez carne de celebridade no filme "Antiviral"


Em um futuro próximo, a relação com as celebridades será tão obsessiva que todos desejarão entrar em "comunhão biológica" comprando vírus e enfermidades exclusivas dos famosos e comendo carne processada com células de seus ídolos. Assistindo ao filme canadense “Antiviral” (2012) percebemos que o diretor Branon Cronenberg sugere o elemento religioso por trás da nossa civilização das imagens e das celebridades. Mais precisamente, o mistério do “dogma revelado” (a misteriosa união entre o Verbo e a carne representada por Jesus Cristo) estaria motivando todo o culto fetichista pelas imagens na atual indústria do entretenimento, mas dessa vez não mais por meio de uma comunhão simbólica através da hóstia e vinho, mas agora por meios tecnológicos e mortais.

Na Bíblia o Evangelho Segundo João nos oferece dois versículos que são fundamentais para entendermos os mecanismos arquetípicos presentes na atual cultura das celebridades repercutida pela civilização das imagens: “E o Verbo se fez carne”, diz o versículo 14 do capítulo primeiro; “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos”, versículos 51-71 do capítulo 6.

Se o pesquisador em Midiologia, o francês Regis Debray, estiver certo de que há uma linha de continuidade entre a civilização das imagens atual e os Concílio de Nicéia no ano 787 que estabeleceu o mistério da Encarnação de Cristo (o Eterno que se tornou carne, o Infinito que se tornou finito) e a representação do Invisível por meio de imagens, então Hollywood deveria erguer uma estátua em homenagem a São João.

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

A religião da América profunda no filme "O Mestre"


Indicado a três Oscar (melhor ator, atriz e ator coadjuvante) “O Mestre” (The Master, 2012), inspirado claramente na trajetória do fundador da Cientologia L. Ron Hubbard, trata sobre a relação entre o carismático líder de uma seita (“A Causa”) e um seguidor decadente, violento e alcoólatra. Mas sentimos o tempo inteiro que alguma coisa de mais interessante foi deixada de fora, algo que o diretor Paul Thomas Anderson apenas sugere sem aprofundar: o ressentimento de uma América profunda que produz seitas na mesma velocidade que surgem atiradores matando pessoas nas universidades americanas.

Conta-se que Freud, ao avistar o porto de Nova York e a Estátua da Liberdade em 1908 na sua única visita aos EUA, teria supostamente comentado a Carl Jung ao seu lado: “Eles não sabem que trazemos a peste”. Freud acreditava que retiraria os norte-americanos do conforto das tradições ao fazê-los reconhecer nelas a origem das doenças do psiquismo.

segunda-feira, dezembro 24, 2012

O conhecimento secreto do Cristo de Nag Hammadi

A descoberta e as posteriores traduções da chamada “biblioteca de Nag Hammadi” no Egito trouxeram uma nova luz sobre os ensinamentos de Cristo. O foco comum dado pelas religiões na morte-ressurreição de Cristo e no plano ético e devocional da sua passagem pela Terra esconderia a sua principal missão: a de trazer o conhecimento secreto que nos faça ter a consciência de que estamos perdidos e longe de casa, e o caminho de volta já está dentro de nós. Cabe a nós relembrarmos.

"O pensamento aguarda que, um dia, a lembrança do que foi perdido venha despertá-lo e o transforme em ensinamento" (Theodor Adorno)

O Gnosticismo em geral, e os evangelhos apócrifos descobertos em Nag Hammadi no Egito em 1945 (conjunto de antigos pergaminhos composto pelos evangelhos que revelariam a natureza do antigo cristianismo e as interpretações místicas de Cristo feitas pelos gnósticos) em particular, apresentam um espectro de crenças cujo núcleo central filosófico é bem discernível, aquilo que Kurt Rudolph chama de "mito central": o Gnosticismo nos ensina que algo está desesperadamente errado com o universo. Dessa forma os escritos gnósticos tentaram delinear os meios de explicar essa falha cósmica e corrigir a situação.

O universo, tal como atualmente constituído, não é bom, nem foi criado por um Deus todo poderoso. Em vez disso, um deus menor, ou “demiurgo” (como é chamado às vezes), moldou o mundo na ignorância. O Evangelho de Filipe de Nag Hammadi, diz que "o mundo surgiu através de um erro. Para aquele que o criou queria criá-lo imperecível e imortal. Ele ficou aquém de alcançar o seu desejo.” A origem do demiurgo é diversas vezes explicada como resultante de alguma perturbação pré-cósmica na cadeia de seres que emanam do incognoscível Deus-Pai. Isso originou a “queda” de uma divindade inferior, com credenciais bem menores. Tentando recriar nos planos inferiores a Plenitude da qual “decaiu”, acabou por criar um cosmos material encharcado de dor, ignorância, decadência e morte - um trabalho malfeito, com certeza.

sábado, dezembro 22, 2012

O fim do mundo não foi televisionado

Conclusão do post 
"A necrospectiva do fim do mundo"
Peter Cornelius, The Riders of Apocalypse (1845)
Abrigos nucleares são vendidos nos EUA para aqueles que acreditam que o fim do mundo se aproxima. No interior da França uma comunidade religiosa acredita que apenas a pequena localidade onde vivem será uma das poucas que sobreviverá ao cataclismo global. E se invertermos a linha de tempo? Em outras palavras, e se o apocalipse já tiver ocorrido? E se, sem sabermos, já estivermos em um mundo pós-apocalíptico vivendo as consequências de um cosmos que se legitima por meio da crença religiosa de que tudo, um dia, terá um fim? Essa é a heresia gnóstica, esquecida pela hegemonia de um mercado de profecias sobre o fim do mundo que desempenha um duplo papel: como manipulação ideológica e, também, como sintoma da condição humana alienada nesse mundo.

O Titanic já afundou. Os cavaleiros do Apocalipse já cavalgaram há muito tempo pela Terra. O Apocalipse não foi televisionado e nem foi roteirizado por uma produção hollywoodiana. Já ocorreu há muito tempo atrás com o “Big Bang” da Criação.

Esse é o princípio da filosofia gnóstica. O Mal já estava na própria Criação. Por isso o Gnosticismo  sempre foi associado a uma espécie de “escatologia realizada”.  Isto significa que qualquer realidade que vale a pena se desfez antes da Criação, com a queda mitológica de Sophia. O Big Bang foi o Apocalipse. Os seres humanos seriam apenas fragmentos da Divindade suprema agarrados a destroços mortos flutuando em um oceano de matéria escura.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

A necrospectiva do fim do mundo

Talvez essa postagem jamais seja publicada: o mundo poderá acabar antes. Estamos em meio a uma contagem regressiva para o fim do mundo que, segundo a profecia maia, seria no dia 21 de dezembro de 2012. Tal como em 1999 (talvez lá fosse muito pior, pois estávamos às voltas com uma dupla catástrofe: a bomba informática do “bug do milênio” e as profecias de Nostradamus), agora temos uma nova contagem regressiva, dessa vez à base de uma interpretação arbitrária do calendário Maia, turbinada por filmes-catástrofes de Hollywood como “2012”. Por que essa necessidade das religiões e do imaginário contemporâneo criarem profecias, apocalipses e contagens regressivas? Por que essa obsessão “necrospectiva”?

Final de ano é um momento de retrospectivas que dominam quase totalidade dos conteúdos das mídias. Como todo tipo de olhar que use o prefixo “retro”, é um misto de nostalgia e compulsão de colecionador em querer catalogar e organizar o passado. Dessa forma, a necessidade retrospectiva é um subproduto do pensamento racionalista Ocidental de tentar encontrar nos eventos recorrências, padrões ou sentido. Lá tentamos achar lições ou conhecimentos que nos orientem em direção ao futuro.

Mas uma obsessão maior parece sobrepor esse olhar retro: a Necrospectiva, no sentido dado pelo pensador francês Jean Baudrillard – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma contagem regressiva. O futuro transformado em bomba relógio. O tempo não mais contado aditivamente como nas retrospectivas, mas como subtração começando do fim nas proféticas necrospectivas (veja BAUDRILLARD, Jean, Paroxism: the end of the millennium or the countdown).

sexta-feira, outubro 12, 2012

Os Cátaros, Paulo Coelho e o turismo esotérico

Escalar uma "montanha mágica" nos Pirineus para encontrar a fortaleza dos heréticos Cátaros do século XII. O problema é que, para eles, toda a suposta beleza dos céus e da Terra era “obra de um demônio”. Mas para um turista esotérico isso não importa: a jornada descrita pelo famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho confirma os principais mitos dessa agenda “new age” cujo imaginário criou um subgênero na indústria do turismo. Os mitos dessa jornada: Os “Sinais”, O “Todo”, Os “Lugares Especiais” e O “Antigo”.

Em uma das minhas visitas à cidade de Santos (meus pais moram lá) me detive diante de uma banca de jornal e parei na primeira página do jornal “A Tribuna de Santos”. Era domingo, dia em que o jornal vem com o suplemento “ATrevista”, uma revista de variedades culturais, culinárias e dicas de compras. Temas bem amenos para um típico domingo santista ensolarado e quente. Folheando a revista, perdido entre receitas culinárias e páginas publicitárias, encontro uma coluna do famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho intitulado “Montanha Mágica” (clique aqui para ler).

O texto começa com uma típica descrição turística sobre “uma das as mais belas regiões do mundo”, Languedoc nos Pirineus e Sudoeste da França. “Mas foi nesse lugar magnífico que nasceu a primeira grande “heresia” europeia: o catarismo. Muitos livros foram escritos sobre o tema, entretanto, é possível resumir a filosofia cátara numa simples frase: o universo foi criado pelo demônio. Toda esta beleza aparente é uma obra diabólica.” Uauuu! Que tema para um domingo de sol e praia!

Para quem não sabe, os Cátaros foram os responsáveis pelo reaparecimento do Gnosticismo na Europa no século XII, esparramados pelo Sul da França, Languedoc, Catalunha e norte da Itália. Foi um movimento cristão considerado herético pela Igreja, com forte paralelo com os gnósticos do princípio da era cristã, mais precisamente com o dualismo de Mani (viveu no Irã no século III) que sustentava que o cosmos seria dividido por dois poderes opostos: o Bem e o Mal, o verdadeiro Deus e o Demiurgo, uma divindade decaída e enlouquecida com o próprio poder que nos aprisiona em um universo físico corrompido.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Espiritismo e iconolatria no filme "Chico Xavier"

Mais do que um filme que evita tratar o tema Espiritismo para um nicho de público especializado, "Chico Xavier" de Daniel Filho apresenta um sintoma do destino da religisiosidade e do sagrado na atualidade. Ao tratar o tema de forma comercial para um grande público (sejam ateus, católicos ou mesmo espíritas) acaba reduzindo o Espiritismo ao mínimo denominador comum de toda religiosidade na indústria do entretenimento: iconolatria e um, por assim dizer, ecumenismo pós-moderno que filtra a vida de Chico Xavier através do ideário pragmático da autoajuda.

Depois da comédia de costumes, os olhos do cinema de massa do chamado período de “retomada” do cinema brasileiro volta-se para o Espiritismo e religiosidade. Depois do sucesso de “Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito” de Glauber Filho e José Pimentel, o diretor Daniel Filho (no esteio de sucessos de bilheterias à época como “Se Eu Fosse Você”) explorou esse novo filão temático do cinema brasileiro.

A primeira coisa que chama a atenção no filme “Chico Xavier” é o apuro técnico com muitos travellings e movimentos de grua com câmera, a decupagem “clipada” e inquieta, a narrativa marcada por sucessivos flash backs (o eixo da narrativa – o “tempo presente” – é a noite da histórica participação do protagonista no Programa “Pinga Fogo” da TV Tupi em 1971 que, programado para uma hora, acabou se estendendo para três). 

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