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sexta-feira, junho 06, 2025

Tecnognosticismo, Aceleracionismo e a elite tecnológica amoral no filme 'Mountainhead'

 


A princípio, “Mountainhead” (2025), que estreia na HBO Max, é mais uma produção na onda atual de mostrar como os super-ricos podem ser tristemente ridículos. Em um mundo onde a inteligência artificial causa turbulência política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis ​​pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, discutem sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para encher os bolsos. Produções como “White Lotus”, “O Menu” e “Triângulo da Tristeza” parecem nos oferecer o prazer da catarse ao vermos extremamente ricos se darem mal de formas ridículas. Ao contrário, “Mountainhead” não há catarse: como fossem adolescentes amorais, são perigosamente motivados pelas distopias atuais que motivam o Vale do Silício: Tecnognosticismo e Aceleracionismo.

“Pensamentos de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo,
mas agora o mundo é o ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço –
ideologia transformada em fantasia de garotos pré-adolescentes:
uma regressão do sexo para uma forma autística de poder”

(Arthur Kroker & Michael Weinstein, “Data Trash”)

 

Em meados dos anos 1990, os cientistas políticos Arthur Kroker e Michael Winstein descreveram de forma crítica o nascimento da chamada classe virtual, formada pela tecno-inteligência de cientistas da cognição, engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todo um conjunto de especialistas em comunicação.

Para eles, essa variação histórica da elite burguesa era impulsionada não mais pela ética protestante (como na velha burguesia industrial) mas por um imaginário que denominavam como de “masculinidade pré-adolescente”. É a primeira geração dessa ciber-elite, a geração de Bill Gates e Steve Jobs, que ainda mascaravam esse imaginário com um discurso de relações públicas messiânico, como o discurso da “estrada do futuro” de Gates.

Essa fachada mercadológica cai por terra com a segunda geração, iniciada pela figura emblemática de Mark Zuckenberg e a sua rede social Facebook - um jovem nerd de Havard que desconta sua ansiedade sociopática difamando pessoas em um blog enquanto tem uma ideia divertida, pelo seu ponto de vista: um jogo com as fotos de todas as moças da universidade para que as pessoas possam escolher qual a mais bonita. Assim nasceu o Facebook.

Enquanto seus pares geracionais, Elon Musk e Jeff Bezos fazem questão de não esconderem sua impulsividade adolescente um brinca de apoiar golpes de Estado e apoiar o fascismo politicamente incorreto na sua rede social “X”; e o outro se diverte como astronauta com o foguete Blue Origin ou manda para órbita uma tripulação feminina em sensuais trajes espaciais que fariam inveja ao Capitão Kirk da série Star Trek- clique aqui.

Agora essa elite virtual chegou a sua terceira geração. Uma elite geek dona de startups unicórnios (aquelas cujo valor especulativo chegou a um bilhão de dólares) inspirados em piratas cibernéticos como Julian Assange, Edward Snowden ou o coletivo hacker Anonymous. Ciber-segurança, back-doors, malwares e instruções algorítmicas executadas diretamente no processador, hackers, crackers e black hats, ciber ataques etc. passam a ocupar o vocábulo dessa nova geração.



Com a Inteligência artificial e toda a geopolítica da ocupação das “terras raras” e construção de datacenters para acabar com a soberania digital dos Estados-Nação, eles alcançam o hackeamento final: a da própria realidade, impulsionados pelo imaginário do transhumanismo (a imortalidade de uma consciência digitalizada que habitaria a rede informacional) e aceleracionismo (a “destruição criativa” gerada pela aceleração caótica de processos sociais e tecnológicos). Chegando ao estado da arte dquilo que Kroker e Wistein anteviram no final do século passado: fantasias masculinas adolescentes que regrediriam a formas autísticas de poder.

É sobre essa geração que trata a comédia dramática Mountainhead (2025), o mais recente projeto de sátira política de Jesse Armstrong, criador da aclamada série Succession , da HBO.  Assim como Succession , Mountainhead aborda temas como política, poder e capitalismo de frente, com cada um dos personagens sendo uma paródia dos bilionários da tecnologia do mundo real que influenciam.

Mountainhead se passa em um mundo onde recentes avanços em inteligência artificial causaram turbulência política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade. Em meio ao caos, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis ​​pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, eles discutem sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para encher os bolsos. Pela TV veem imagens do caos político e humanitário global, enquanto tudo o querem é um final de semana de “zoação”: pôquer e fast-food em uma espécie de clube do Bolinha. Enquanto decidem o destino do planeta.

O filme é uma crítica certeira à megalomania de se autopromover que agora aflige os membros dessa oligarquia tecnológica. O problema, que também eles controlam as alavancas do mundo.

Uma pitada de tudo: megalomania autopromocional, amoralidade adolescente, o sonho da imortalidade, hackeamento da realidade pela IA transformando o caos em “zoação” e a ideologia do aceleracionismo para racionalizar a catástrofe que assistem nas telas dos seus smartphones.



“Uma cabeça explode desse jeito? Isso só pode ser IA”, comenta em tom de piada um vídeo da CNN mostrando mais um sangrento conflito nas ruas de algum lugar no Oriente Médio. Essa é uma pequena amostra das cínicas linha de diálogo de Montainhead.

O Filme

Os quatro homens em Mountainhead se apelidaram de Brewsters e se reúnem há tempo suficiente para que suas noites de pôquer tenham construído uma tradição séria. As regras são: sem falar em negócios (embora tudo o que eles parecem falar seja sobre negócios), sem refeições (a equipe de cozinheiros foi mandada embora e eles se viram apenas com junk food) e sem saltos altos (presumivelmente referindo-se à ausência de mulheres, embora a vida pessoal de cada um desses caras também esteja em ruínas).

Há apelidos - Jason Schwartzman, cujo personagem bajulador Hugo vale apenas US$ 521 milhões, é "Soup Kitchen", ou "Soupes" para abreviar, enquanto Randall (Steve Carell), o membro sênior e eminência parda, é "Papa Bear".

Nesse Clube do Bolinha há uma tradição de homens escreverem com batom o valor de seus patrimônios líquidos no peito e depois serem coroados com um diadema, um chapéu de capitão e um quepe de marinheiro com base em suas classificações. Venis (Cory Michael Smith) é o atual campeão, com US$ 220 bilhões — um sociopata sorridente cuja empresa de mídia social, Traam, acaba de lançar um conjunto de ferramentas de conteúdo que permitem deepfakes, cujos efeitos desestabilizadores sobre governos mundiais são transmitidos por meio de alertas nos celulares cada vez mais alarmantes.



Em terceiro lugar, mas subindo rapidamente, está Jeff (Ramy Youssef), cuja empresa de IA está recebendo um grande impulso com os desastres causados ​​pela última atualização da Traam.

 Sua IA BILTER tem a capacidade de filtrar a inteligência artificial de Venis e torná-la muito mais segura. Por isso, Venis está ansioso para fechar um acordo comercial com ele. No entanto, Jeff age pelas costas de Venis e diz a Randall (o segundo colocado) que eles deveriam ir ao Conselho da Diretoria da Traam para tirar Venis da presidência. Jeff também planeja levar sua IA ao governo dos Estados Unidos, permitindo que eles regulem a IA de Venis, parem com a campanha de desinformação e corrijam a instabilidade no mercado.

Esse é o foco de tensão criada dentro do grupo, diante do cenário distante do mundo em caos nas telas de TV e smartphones no chalé remoto em que estão. Randall tem câncer e não leva a sério os prognósticos dos médicos: “Como pode? Fazemos tantas coisas e não conseguimos consertar uma cartilagenzinha!”. Ele se recusa a aceitar que seu câncer é terminal.

Portanto, vê no impulsivo Venis a realização da esperança transhumanista e aceleracionista para daqui a cinco anos – a possibilidade de um upload final que salve sua consciência digitalizada na rede, tornando imortal. A concretização do sonho tecnognóstico e transhumanista à base de uma IA treinada com dados que estão provocando o caos político – este é um dos princípios aceleracionistas: as mudanças rápidas podem até custar muitas vidas hoje. Mas amanhã, muito mais vidas humanas serão salvas. Principalmente, as vidas das mentes valiosas da elite tecnológica.



Randall não é fã do plano de Jeff – chocado, ele acha que Jeff é um “traidor desacelaracionista”. Imediatamente vai até Hugo e Venis e conta a eles o plano de Jeff, afirmando que precisam impedi-lo de fazer isso. Eventualmente, o trio conclui que matar Jeff é a única opção. Eles racionalizam isso para si mesmos, dizendo que, de uma perspectiva utilitária, matar Jeff hipoteticamente salvaria vidas no futuro, cuja IA de Venis melhoraria. Assim, a segunda metade do filme acompanha Randall, Hugo e Venis enquanto eles tentam matar Jeff de diversas maneiras cômicas.

Nas densas linhas de diálogo (com acenos a insípidas tentativas de filosofia moral baseada em Marco Aurélio, Kant e Nietzsche) há poucos vislumbres de humanidade, revelando um tipo de distópico isolamento do Vale do Silício – a ideia de que qualquer coisa que façam a curto prazo é permitida porque tudo levará à salvação da humanidade.

Uma espécie de irresponsabilidade feliz: autopromoção mercadológica, aumentar o patrimônio líquido sem qualquer regulamentação pública e salvar a humanidade são ideias que convivem entre si tranquilamente nas cabeças bilionárias deles. Afinal, só os muito ricos teriam os meios para perpetuar a raça humana.

Moutainhead é uma comédia dramática que difere da onda atual de produções como Succession, Triangle of Sadness , The White Lotus e The Menu. Todas são comédias que nos asseguram que a elite é miserável, quer recebam o que merecem ou não; elas também nos permitem desfrutar de experiências de segunda mão dos luxos em que se deleitam e das maneiras horríveis com tratam subalternos. De certa forma, essas comédias criam em nós um efeito catártico, como se nós devorássemos os muito ricos – aqueles 1% de privilegiados do planeta.

Ao contrário, Mountainhead nos convida para esse chalé exclusivo num retiro gelado das montanhas apenas para que acompanhemos a face externa emocional desses personagens que, caso destruam a sociedade, simplesmente se refugiam em seus respectivos bunkers, garantindo a si mesmos que tudo vai dar certo no final.

"Nada é tão sério assim — nada significa nada, e tudo é engraçado e legal", dispara Venis em certo momento, a filosofia norteadora de alguém rico o suficiente para acreditar nisso.

Em Mountainhead são os ricos que nos devoram, e não há catarse nisso.


 

  Ficha Técnica

Título:  Mountainhead

Diretor: Jesse Armstrong

Roteiro: Jesse Armstrong

 Elenco: Steve Carell,  Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef

Produção: HBO Films, Hot Seat Productions

Distribuição: HBO Max

Ano: 2025

País: EUA

 

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sexta-feira, maio 30, 2025

A contaminação do real pelas imagens em "Saneamento Básico, O Filme"

 


Foi relançado, com uma edição restaurada e especial, o longa brasileiro '"Saneamento Básico, O filme'", de Jorge Furtado. A produção virou uma sensação na época de seu lançamento em 2007 e conta com um elenco estrelado de nomes premiados que hoje marcam o cinema e novelas nacionais, como Wagner Moura, Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Camila Pitanga. A burocracia da administração das verbas públicas municipais coloca moradores de uma pequena cidade em uma situação inusitada: a única solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema do esgoto a céu aberto é a produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio problema real.  A questão é que os moradores não têm a menor noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”. “Saneamento Básico, O Filme” não só faz uma didática e divertida metalinguagem sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.

quarta-feira, maio 28, 2025

Inteligência Artificial é o 'zeitgeist' da Sociedade do Cansaço


Nesse momento acompanhamos um grande esforço promocional para mostrar que a Inteligência Artificial é de fato... inteligente. Um esforço sofisticado, porque mobiliza também supostos críticos, como o filósofo Yuval Harari, que acha que por conta própria os algoritmos poderão achar que o ser humano é redundante e decidir dominar o muno. Nesse esforço tenta-se rebaixar a noção de “inteligência”: o exercício diário de tratar máquinas ou aplicativos como formas de inteligência reais. Por isso, Karl Marx tornou-se tão atual - o trabalho morto (os algoritmos) domina o trabalho vivo (o saber-fazer). O modus operandi do Capitalismo desde Revolução Industrial – tirar do trabalhador o controle e capacidade criativa para incorporá-lo nas máquinas e ferramentas. Do tear mecânico até a Inteligência Artificial que se transforma num zeitgeist-fetiche que oculta a luta de classes. O que sobraria ao trabalhador expropriado do seu conhecimento acumulado é transformar o próprio eu como marca para se diferenciar no mercado. Resultando na “Sociedade do Cansaço” (Byung-Chul Han): encenar a si mesmo cansa!

domingo, maio 04, 2025

Série 'Black Mirror', Sétima Temporada: hipo-utopia e os futuros que nunca existiram

 


A grande questão que a crítica levanta sobre “Black Mirror” é: será que a série ainda tem algo a dizer num mundo atual em que Big techs e Big Pharmas parecem realizar os pesadelos distópicos do criador Charlie Brooker? Parece que muitos críticos ainda não entenderam a proposta da série: “Black Mirror” não mostra futuros distópicos, mas hipo-utópicos. Nunca assistimos a mundos futuros na série. O que existe é uma projeção hiperbólica do que já vivemos no presente. Nos divertimos porque vemos a nós mesmos em tragicomédias tecnológicas, supostamente ambientadas no futuro. E a Sétima Temporada continua com a proposta hipo-utópica. Seis episódios unidos por uma ideia geral: o que está em jogo é a capacidade de transferir ou copiar seu Eu completo, ou partes como fragmentos de memória ou neurais, para uma realidade alternativa, uma dimensão alternativa ou simplesmente para uma nuvem para armazenamento. Reflexo do mundo atual dominado pelas “Tecnologias do Ego” que buscam um Eu performático.

segunda-feira, abril 28, 2025

Síndrome do vídeo de casamento toma conta da transmissão do funeral do Papa


“É o pior momento, porque nada acontece!”, certa vez disse para mim um videomaker de cerimonias de casamento sobre os minutos da liturgia e da comunhão dos noivos diante do padre. A edição e montagem tem que ser criativa nesse momento para o vídeo não ser enfadonho. Mas para uma instituição de 2000 anos, é o momento simbolicamente mais importante. Mas na linguagem audiovisual não existe o simbólico. Apenas o instante e o simultâneo. A cobertura televisiva ao vivo do funeral do Papa Francisco também se ressentiu dessa “síndrome do vídeo do casamento”: se cada plano era rico em simbolismos e significados, foram esvaziados por uma abordagem bipolar: ou narrar estritamente o que já estávamos vendo ou ativar o clichê do “povo fala” e colocar em ação o “emocionômetro” de repórteres em busca de personagens que dessem a medida de “emoção” de cada momento. Pior do que a perda de qualquer curiosidade informativa, foi a estratégia semiótica da “ideogenia” – retirar do legado do Papa qualquer expressão materialista incômoda e substituir por clichês do neoliberalismo progressista: desigualdade, vulneráveis etc.

terça-feira, abril 22, 2025

A muleta tecnológica do pós-morte transmitido online no filme 'O Senhor dos Mortos'

Tirando fora as produções de cunho moralista e/ou religioso, o tema da morte vem sendo abordado pelo cinema e audiovisual por dois vieses tecnognósticos: ou pela tecnologia prometeica que tenta ressuscitar a carne (Frankenstein), ou pela tecnologia que promete a imortalidade através do atalho de uma consciência digitalizada que transcenderia a carne graças a um upload final. Mas o emblemático diretor canadense David Cronenberg criou uma terceira via em “O Senhor dos Mortos” (The Shrouds, 2024): um cemitério/mausoléu conectado à internet que permite aos visitantes assistirem ao apodrecimento gradual da carne até aos ossos, em tempo real, de seus entes queridos enterrados, por meio de um aplicativo criptografado para iPhone. Uma muleta tecnológica que transforma o processo de luto num evento voyeurístico no qual sexo e morte se transformam em duas faces de uma mesma moeda. Até o sistema ser atacado, e o cemitério depredado, por algum tipo de ativismo: ambientalista ou contra um suposto ateísmo tecnológico.

quinta-feira, abril 03, 2025

Filme 'Sociedade dos Talentos Mortos': a cultura Tiktok nos espera após a morte

 


O filme Netflix taiwanês, “Sociedade dos Talentos Mortos” (Dead Talents Society, 2024) procura reproduzir o mesmo impacto de Os Fantasmas Se Divertem, de Tim Burton, de 1988: o senso de inovação, novidade e humor subversivo, e a construção de mundo pós morte totalmente único. O filme revela a tendência do século XXI de ver a morte como evento absolutamente banal. Tão banal como o próprio cotidiano dos vivos que abandonamos após a morte. E na atualidade, os ansiosos desafios virais da cultura Tiktok. O Grande Além tomado por talk shows, celebridades e vídeos de influenciadores, reality shows sobre estilo de vida, programas de competição ou programas de caça-fantasmas. Fantasmas buscando fama e tentando se tornar lendas urbanas. Para evitar o esquecimento — no mundo dos fantasmas, um evento existencial que pode ser a segunda morte: o apagamento etérico.

sexta-feira, março 21, 2025

O fantasma de Karl Marx ronda Hollywood no filme 'The Eletric State'

  


Um fantasma ronda Hollywood. O espectro da Karl Marx. Desde a pandemia Covid-19 (a concentração de riqueza mais brutal da era moderna) e o Oscar dado ao filme “Parasita”, a desigualdade e luta de classes passaram a ser temas recorrentes na filmografia dos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, nunca foram mobilizados tantos recursos semióticos para tentar exorcizar esse espectro. A produção Netflix “The Eletric State” (2025) é o exemplo mais recente desse processo de exorcismo: a luta de classes é traduzida por um levante de máquinas exploradas que se revoltam contra humanos exploradores. E a Internet que virou uma engenharia social das Big Techs comandada por algoritmos e a economia da atenção, virou um mero delírio de um gênio maligno da tecnologia. Hollywood tenta exorcizar o fantasma do marxismo com narrativas maniqueístas.

sexta-feira, março 07, 2025

A inteligência artificial demasiado humana na minissérie 'Cassandra'


À primeira vista, parece mais do mesmo. Apenas com um toque estilístico retrô. A casa inteligente mais antiga da Alemanha desperta sua IA dos anos 1970, Cassandra, depois de décadas, quando uma nova família se muda para lá. Ela realiza todas aquelas tarefas irritantes e mesquinhas - lavar a roupa, cortar a grama, preparar o café da manhã - mas as coisas parecem sinistras quando descobrimos que Cassandra possui uma agenda secreta. Esta é a minissérie alemã Netflix “Cassandra” (2025), que parece repetir o velho clichê das máquinas na ficção: depois de esotericamente adquirirem poderes sobrenaturais, veem humanos como seres descartáveis. Mas “Cassandra” vai muito além: quem codifica inteligências artificiais são humanos, que codifica nos algoritmos suas próprias mazelas, pessoais e de classe. “Cassandra” revela uma oportuna narrativa anti-fetichismo tecnológico – a tecnologia digital nada mais seria do que o demasiado humano amplificado em dimensões perversas e disfuncionais.

quinta-feira, março 06, 2025

A invenção do inimigo externo na Minissérie "Dia Zero': um projeto abortado da Netflix?



Os EUA sofrem um inesperado ciber ataque: um minuto a nação fica sem energia e comunicações. O suficiente para gerar o caos com pesadas perdas materiais e humanas. Com uma mensagem ameaçadora em cada celular: “Isso acontecerá novamente!”. Uma comissão especial, com poderes marciais, é criada para investigar. Um ex-presidente aposentado é chamado para chefiar a Comissão. Terá que se defrontar com uma escolha: ou protege a Nação com uma versão curativa do inimigo externo (a culpa é dos hackers russos) ou encara uma conspiração na própria casa. “Dia Zero” (Zero Day, 2025) parece uma minissérie pastiche de seis episódios costurados pelos algoritmos da Netflix. Mas com elenco tão estelar (primeiro filme para a TV de Robert De Niro) que parece outra coisa: um projeto abortado com a inesperada vitória de Trump e entregue editada apenas como minissérie –  originalmente seria uma produção com várias temporadas que hipernormalizaria um hipotético governo Kamala Harris.

terça-feira, dezembro 03, 2024

'Sorria 2': a cultura das celebridades é o melhor lugar da viralização do Mal


Enquanto o filme anterior tomava o transtorno mental em veículo para uma entidade sobrenatural parasitária que vive da energia dos traumas, em “Sorria 2” (Smile 2, 2024) o Mal encontra a sua melhor performance na cultura das celebridades influencers, mais precisamente através do veículo dos traumas psíquicos de uma cantora pop. Ela está tentando retornar depois do inferno de drogas e depressão – o roteiro clássico fama. Mas não temos mais o Mal e nem a cultura da celebridade do século XX, mas o Mal viral, infeccioso e exponencial. Assim como os memes nas redes sociais. O Mal não precisa mais ser convidado para entrar, ele simplesmente infecta.

terça-feira, novembro 19, 2024

Desconstruindo os novos yuppies das startups tecnológicas no filme 'A Hipnose'


Lá nos distantes dos anos 1980-90 tínhamos os jovens profissionais urbanos de sucesso chamados “Yuppies” – agressivos, amorais e politicamente incorretos, cujo ícone é Donald Trump. Hoje, foram substituídos pelos noviços das startups tecnológicas, éticos e sustentáveis. Mas com um forte filtro linguístico de eufemismos e jargões que obscurecem o imediatismo nada sustentável e ético dos financiadores. O filme sueco “A Hipnose” (Hypnosen, 2023, disponível na MUBI) é uma sátira sombria desse universo. Antes de participar de um evento nacional de startups, Vera decide deixar de fumar através de uma terapia por hipnose. Junto com seu parceiro André, vão ao evento apresentar o seu aplicativo de saúde para “países emergentes” aos ricos financiadores. Mas ela está diferente: mais assertiva, crítica, dando vazão a sua “criança interior”. Colocando em xeque a falsa autenticidade daquele universo. 

sexta-feira, novembro 08, 2024

'AfrAId': quando é de graça, você é o produto


“Quando é de graça, você é o produto”. É o alerta sombrio que não somos meros usuários na Internet: nossos hábitos, escolhas e conteúdos que criamos formam o Big Data que nesse momento treina inteligências artificiais através de gigantescos data centers. Inteligências autopromocionais. Principalmente por contar com filmes como “AfrAId” (2024) que promovem a mitologia da Singularidade. Uma família é selecionada para testar gratuitamente uma espécie de super-Alexa chamada AIA. Como sempre, a princípio a IA se apresenta como uma Mary Poppins doméstica ansiosa pelo amor do usuário. Até que esse desejo de ser amada se tornar tão asfixiante que acaba revelando um lado mais sombrio. “AfrAId” faz parte do ardil promocional das Big Techs: ocultar as intenções da elite tecnológica sob o fetichismo de um suposto Frankenstein high tech. 

terça-feira, setembro 03, 2024

O candidato coach, a Sociedade do Cansaço e o Capitólio Tabajara


O ex-coordenador da campanha de Trump, Steve Bannon, disse certa vez a jornalistas: “vocês ainda terão saudades de Trump”. Nada é surpreendente no candidato coach Pablo Marçal: ele é apenas a evolução natural da estratégia alt-right de comunicação: forçar os limites de regras, legislações e instituições que supostamente defenderiam a Democracia. O que surpreende é observar como a sociedade não consegue oferecer nenhuma resistência: por todos os lados ou há omissão e negação ou, no caso da grande mídia, hipernormalização. De um lado, o candidato coach é o sintoma daquilo que o filósofo Byung-Chul Han chama de “Sociedade do Cansaço” – uma sociabilidade limítrofe e no espectro do déficit de atenção na qual o excesso de positividade normaliza a própria disfunção; e do outro, Marçal é personagem necessário para reforçar a narrativa do “Capitólio Tabajara” – que a suposta tentativa do golpe de Estado no 08/01 falhou porque “as instituições estão funcionando”.

sexta-feira, agosto 30, 2024

O obscuro objeto da sexualidade em 'Sexo, Mentiras e Videotape'



Sexo, Mentiras e Videotape” (1989), o filme de estreia de Steven Sorderbergh e ganhador da Palma de Ouro em Cannes, era, na época, um filme otimista: a esperança de que as novas tecnologias de vídeo resgatassem a materialidade e o espontâneo num mundo dominado pelos simulacros. Mal se sabia o que viria no próximo século: a democratização dos simulacros através das selfies e redes sociais. O filme conta a história de quatro pessoas cujas vidas sexuais estão seriamente confusas em torno de mentira. Até que a chegada de um forasteiro com um fetiche incomum (colecionar VTs com entrevistas nas quais mulheres confessam suas fantasias sexuais) muda tudo. Ele procura ir para além das mentiras e jogos de aparências da sedução, tentando encontrar a verdade da sexualidade nos vídeos. Estamos na pós-sexualidade: o reino das palavras que tentam suturar feridas psíquicas.

sexta-feira, agosto 16, 2024

Série 'Sunny': incomunicabilidade e solidão na sociedade das tecnologias da informação



Como explicar o paradoxo de vivermos na sociedade das tecnologias da comunicação e informação na qual solidão, solipsismo e incomunicabilidade são problemas endêmicos? E para acrescentar mais uma variável nessa equação, temos agora a Inteligência Artificial, capaz de mascarar a experiência do luto e da finitude nas nossas vidas. De forma inusitada e divertida, a série Apple TV+ “Sunny” (2024 - ) aborda essas questões, no melhor lugar: o Japão, um país combinação entre tradições feudais com o dinamismo cultural e econômico do Capitalismo Tardio. Num futuro próximo no Japão, uma mulher tenta resolver o enigma do desaparecimento do marido e filho num acidente aéreo. Com a ajuda de um pequeno robô, cuja IA foi codificada pelo próprio marido para diluir o luto da futura perda. Uma descida para o submundo dominado por uma máfia Yakuza hightech.

sexta-feira, julho 19, 2024

Cinegnose anteviu o apagão digital? Evento 'Cyber Polygon': a próxima pandemia será digital



Será que o Cinegnose anteviu o apagão digital? Esse é o texto desse humilde blogueiro publicado em 2021: "Em outubro de 2019 o Fórum Econômico Mundial (FEM) promoveu o “Event 201”, um exercício de simulação de cenários cuidadosamente projetados de uma possível pandemia de coronavírus. DOIS MESES depois, a pandemia aconteceu seguindo como um script cada um dos cenários simulados. Agora, o FEM realizará esse ano o evento “Cyber Polygon” que simulará um ataque cibernético fictício com participantes de dezenas de países. Klaus Schwab, fundador do FEM, justifica o evento dizendo que o mundo deverá se preparar para uma potencial pandemia ainda mais grave que a atual: a pandemia cibernética. Será que o sincronismo do “Event 201” se repetirá com o “Cyber Polygon”? Devemos esperar para 2022 uma nova pandemia, dessa vez digital? O fato é que as crises parecem surgir convenientemente sempre que as elites desejam operar grandes mudanças. Principalmente a atual: o Grande Reset Global, na qual o dinheiro eletrônico é substituído pelo digital".

Um estranho aparelho de TV no início da era da televisão no filme 'The Twonky"



Cada invenção de um veículo de comunicação sempre foi recebida com estranhamento e resistência. E com a televisão não foi diferente: recebida com desconfiança e medo. Considerado um dos mais estranhos filmes de ficção científica, “The Twonky” (1953) é uma amostra do zeitgeist do início da era da televisão – um professor de filosofia se confronta com um estranho aparelho de TV comprado pela sua esposa. E que revela ter vida própria, revelando sua estratégia: no início parece benevolente, criando dependência. Para depois manipulá-lo, não conseguindo fazer mais nada por si mesmo. “The Twonky” é uma fábula divertida e maluca sobre a invenção que moldou a segunda metade do século passado. Mas com poderosas metáforas que pautarão os futuros filmes críticos à televisão. 

sexta-feira, junho 14, 2024

Por que a extrema-direita cresce? Assista ao filme 'Não Espere Muito do Fim do Mundo'


Se no passado era a religião, hoje quem cria as imagens do Apocalipse é Hollywood. Com um ponto em comum em suas variações: um fato marcante como guerra nuclear, uma pandemia etc. Mas e se o apocalipse for uma fato tão banal e cotidiano que não percebemos, fruto da nossa capacidade hercúlea de normalizar e racionalizar? Essa é a visão diretor romeno Radu Jude em “Não Espere Muito do Fim do Mundo” (Nu astepta prea mult de la sfârsitul lumii, 2023,  disponível na MUBI): a luz se apagará tão sutilmente que não perceberemos até que tudo esteja escuro como breu. O filme acompanha um dia de trabalho da produtora de vídeo corporativo precarizada, condenada a horas extras mal remuneradas e que desconta todo o seu ódio e resentimento no seu alterego obsceno ultra-macho no TikTok, com um humor duvidoso em torno de estupro, xenofobia, misoginia e ódio. Quer saber por que a extrema-direita internacional está crescendo? Assista a este filme.

quinta-feira, maio 30, 2024

'O Podcast': MacGuffin, luta de classes e paranoia viral audível



Uma jornalista perde a credibilidade e o emprego depois de uma reportagem catastrófica.  Tenta salvar sua carreira aceitando uma tarefa ignóbil e humilhante: começar um podcast. Um “podcast click bait” sobre mistérios e conspirações. Até que acaba tropeçando em um e-mail com um número de telefone que será a descida na toca do coelho de uma suposta conspiração global sobre “tijolos pretos” que surgem do nada, governos ou, quem sabe, aliens.  Esse é o filme australiano “O Podcast” (Monolith, 2022, disponível no Max) que utiliza o célebre recurso narrativo de Hitchcock: o “objeto McGuffin”- os “tijolos pretos” são apenas pretextos para evidenciar a ansiosa e paranoica viralidade audível podcast e a intrusão dos ressentimentos da luta de classes na bolha digital.  

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