terça-feira, julho 01, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O jornalismo atual não está apenas atrás de notícias. Mas,
principalmente, em busca de personagens e boas histórias. E o caso da morte
trágica da jovem Juliana Marins (escorregou para um abismo durante uma trilha
no vulcão Monte Rinjani, na ilha de Lombok, na Indonésia) que
praticamente rivalizou com o espaço midiático da escalada da crise no Oriente
Médio, é um exemplo flagrante. A maneira como a mídia deu forma e repercute os desdobramentos da
tragédia confirma as teses radicais de Mark Deuze sobre o zeitgeist do século
XXI: a “media life” – fenômeno em que os acontecimentos nascem e crescem dentro
do ecossistema midiático das redes sociais e retroalimentados pelas mídias
tradicionais. O fenômeno do turismo de aventura transforma a geografia em
cenários instagramáveis e seus protagonistas em “heróis da vida intensa” –
novos ascetas mundanos que oferecem seu sacrifício não a Deus, mas aos “likes”
e engajamentos nas redes sociais. Criando uma perigosa normalização com heróis
que ignoram riscos e perigos.
sexta-feira, junho 06, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A princípio, “Mountainhead” (2025), que estreia na HBO Max, é mais
uma produção na onda atual de mostrar como os super-ricos podem ser tristemente
ridículos. Em um mundo onde a inteligência artificial causa turbulência
política e instabilidade internacional, com os cidadãos do planeta incapazes de
distinguir a realidade, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis pelo desastre se refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, discutem
sobre seus próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a
instabilidade para encher os bolsos. Produções como “White Lotus”, “O Menu” e “Triângulo
da Tristeza” parecem nos oferecer o prazer da catarse ao vermos extremamente
ricos se darem mal de formas ridículas. Ao contrário, “Mountainhead” não há
catarse: como fossem adolescentes amorais, são perigosamente motivados pelas distopias
atuais que motivam o Vale do Silício: Tecnognosticismo e Aceleracionismo.
“Pensamentos
de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo,
mas agora o mundo é o ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço –
ideologia transformada em fantasia de garotos pré-adolescentes:
uma regressão do sexo para uma forma autística de poder”
(Arthur
Kroker & Michael Weinstein, “Data Trash”)
Em meados dos anos 1990, os cientistas políticos Arthur Kroker e
Michael Winstein descreveram de forma crítica o nascimento da chamada classe
virtual, formada pela tecno-inteligência de cientistas da cognição,
engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todo um
conjunto de especialistas em comunicação.
Para eles, essa variação histórica da elite burguesa era
impulsionada não mais pela ética protestante (como na velha burguesia
industrial) mas por um imaginário que denominavam como de “masculinidade
pré-adolescente”. É a primeira geração dessa ciber-elite, a geração de Bill
Gates e Steve Jobs, que ainda mascaravam esse imaginário com um discurso de
relações públicas messiânico, como o discurso da “estrada do futuro” de Gates.
Essa fachada mercadológica cai por terra com a segunda geração,
iniciada pela figura emblemática de Mark Zuckenberg e a sua rede social
Facebook - um jovem nerd de Havard que desconta sua ansiedade sociopática difamando
pessoas em um blog enquanto tem uma ideia divertida, pelo seu ponto de vista:
um jogo com as fotos de todas as moças da universidade para que as pessoas
possam escolher qual a mais bonita. Assim nasceu o Facebook.
Enquanto seus pares geracionais, Elon Musk e Jeff Bezos fazem
questão de não esconderem sua impulsividade adolescente um brinca de apoiar
golpes de Estado e apoiar o fascismo politicamente incorreto na sua rede social
“X”; e o outro se diverte como astronauta com o foguete Blue Origin ou manda
para órbita uma tripulação feminina em sensuais trajes espaciais que fariam
inveja ao Capitão Kirk da série Star Trek- clique aqui.
Agora essa elite virtual chegou a sua terceira geração. Uma elite
geek dona de startups unicórnios (aquelas cujo valor especulativo chegou a um
bilhão de dólares) inspirados em piratas cibernéticos como Julian Assange,
Edward Snowden ou o coletivo hacker Anonymous. Ciber-segurança, back-doors,
malwares e instruções algorítmicas executadas diretamente no processador,
hackers, crackers e black hats, ciber ataques etc. passam a ocupar o vocábulo
dessa nova geração.
Com a Inteligência artificial e toda a geopolítica da ocupação das
“terras raras” e construção de datacenters para acabar com a soberania digital
dos Estados-Nação, eles alcançam o hackeamento final: a da própria realidade,
impulsionados pelo imaginário do transhumanismo (a imortalidade de uma
consciência digitalizada que habitaria a rede informacional) e aceleracionismo
(a “destruição criativa” gerada pela aceleração caótica de processos sociais e
tecnológicos). Chegando ao estado da arte dquilo que Kroker e Wistein anteviram
no final do século passado: fantasias masculinas adolescentes que regrediriam a
formas autísticas de poder.
É sobre essa geração que trata a comédia dramática Mountainhead
(2025), o mais recente projeto de sátira política de Jesse Armstrong,
criador da aclamada série Succession , da HBO. Assim
como Succession , Mountainhead aborda temas
como política, poder e capitalismo de frente, com cada um dos personagens sendo
uma paródia dos bilionários da tecnologia do mundo real que influenciam.
Mountainhead se
passa em um mundo onde recentes avanços em inteligência
artificial causaram turbulência política e instabilidade internacional,
com os cidadãos do planeta incapazes de distinguir a realidade. Em meio ao
caos, quatro bilionários magnatas da tecnologia responsáveis pelo desastre se
refugiam em um chalé isolado nas montanhas. Lá, eles discutem sobre seus
próximos passos, com cada um dos bilionários tentando usar a instabilidade para
encher os bolsos. Pela TV veem imagens do caos político e humanitário global,
enquanto tudo o querem é um final de semana de “zoação”: pôquer e fast-food em
uma espécie de clube do Bolinha. Enquanto decidem o destino do planeta.
O filme é uma crítica certeira à megalomania de se autopromover
que agora aflige os membros dessa oligarquia tecnológica. O problema, que
também eles controlam as alavancas do mundo.
Uma pitada de tudo: megalomania autopromocional, amoralidade
adolescente, o sonho da imortalidade, hackeamento da realidade pela IA
transformando o caos em “zoação” e a ideologia do aceleracionismo para
racionalizar a catástrofe que assistem nas telas dos seus smartphones.
“Uma cabeça explode desse jeito? Isso só pode ser IA”, comenta em
tom de piada um vídeo da CNN mostrando mais um sangrento conflito nas ruas de
algum lugar no Oriente Médio. Essa é uma pequena amostra das cínicas linha de
diálogo de Montainhead.
O Filme
Os quatro homens em Mountainhead se apelidaram de
Brewsters e se reúnem há tempo suficiente para que suas noites de pôquer tenham
construído uma tradição séria. As regras são: sem falar em negócios (embora
tudo o que eles parecem falar seja sobre negócios), sem refeições (a equipe de
cozinheiros foi mandada embora e eles se viram apenas com junk food) e sem
saltos altos (presumivelmente referindo-se à ausência de mulheres, embora a
vida pessoal de cada um desses caras também esteja em ruínas).
Há apelidos - Jason Schwartzman, cujo personagem bajulador Hugo
vale apenas US$ 521 milhões, é "Soup Kitchen", ou
"Soupes" para abreviar, enquanto Randall (Steve Carell), o membro
sênior e eminência parda, é "Papa Bear".
Nesse Clube do Bolinha há uma tradição de homens escreverem com
batom o valor de seus patrimônios líquidos no peito e depois serem coroados com
um diadema, um chapéu de capitão e um quepe de marinheiro com base em suas
classificações. Venis (Cory Michael Smith) é o atual campeão, com US$ 220
bilhões — um sociopata sorridente cuja empresa de mídia social, Traam, acaba de
lançar um conjunto de ferramentas de conteúdo que permitem deepfakes, cujos
efeitos desestabilizadores sobre governos mundiais são transmitidos por meio de
alertas nos celulares cada vez mais alarmantes.
Em terceiro lugar, mas subindo rapidamente, está Jeff (Ramy
Youssef), cuja empresa de IA está recebendo um grande impulso com os desastres
causados pela última atualização da Traam.
Sua IA BILTER tem a capacidade de filtrar a inteligência
artificial de Venis e torná-la muito mais segura. Por isso, Venis está ansioso
para fechar um acordo comercial com ele. No entanto, Jeff age pelas costas de
Venis e diz a Randall (o segundo colocado) que eles deveriam ir ao Conselho da
Diretoria da Traam para tirar Venis da presidência. Jeff também planeja levar
sua IA ao governo dos Estados Unidos, permitindo que eles regulem a IA de
Venis, parem com a campanha de desinformação e corrijam a instabilidade no
mercado.
Esse é o foco de tensão criada dentro do grupo, diante do cenário
distante do mundo em caos nas telas de TV e smartphones no chalé remoto em que
estão. Randall tem câncer e não leva a sério os prognósticos dos médicos: “Como
pode? Fazemos tantas coisas e não conseguimos consertar uma cartilagenzinha!”.
Ele se recusa a aceitar que seu câncer é terminal.
Portanto, vê no impulsivo Venis a realização da esperança
transhumanista e aceleracionista para daqui a cinco anos – a possibilidade de
um upload final que salve sua consciência digitalizada na rede, tornando
imortal. A concretização do sonho tecnognóstico e transhumanista à base de uma
IA treinada com dados que estão provocando o caos político – este é um dos
princípios aceleracionistas: as mudanças rápidas podem até custar muitas vidas
hoje. Mas amanhã, muito mais vidas humanas serão salvas. Principalmente, as
vidas das mentes valiosas da elite tecnológica.
Randall não é fã do plano de Jeff – chocado, ele acha que Jeff é um “traidor
desacelaracionista”. Imediatamente vai até Hugo e Venis e conta a eles o
plano de Jeff, afirmando que precisam impedi-lo de fazer isso.
Eventualmente, o trio conclui que matar Jeff é a única opção. Eles racionalizam
isso para si mesmos, dizendo que, de uma perspectiva utilitária, matar Jeff
hipoteticamente salvaria vidas no futuro, cuja IA de Venis melhoraria. Assim,
a segunda metade do filme acompanha Randall, Hugo e Venis enquanto eles tentam
matar Jeff de diversas maneiras cômicas.
Nas densas linhas de diálogo (com acenos a insípidas tentativas de
filosofia moral baseada em Marco Aurélio, Kant e Nietzsche) há poucos vislumbres
de humanidade, revelando um tipo de distópico isolamento do Vale do Silício – a
ideia de que qualquer coisa que façam a curto prazo é permitida porque tudo
levará à salvação da humanidade.
Uma espécie de irresponsabilidade feliz: autopromoção
mercadológica, aumentar o patrimônio líquido sem qualquer regulamentação
pública e salvar a humanidade são ideias que convivem entre si tranquilamente
nas cabeças bilionárias deles. Afinal, só os muito ricos teriam os meios para
perpetuar a raça humana.
Moutainhead é uma comédia
dramática que difere da onda atual de produções como Succession, Triangle of
Sadness , The White Lotus e The Menu. Todas são
comédias que nos asseguram que a elite é miserável, quer recebam o que merecem
ou não; elas também nos permitem desfrutar de experiências de segunda mão dos
luxos em que se deleitam e das maneiras horríveis com tratam subalternos. De
certa forma, essas comédias criam em nós um efeito catártico, como se nós
devorássemos os muito ricos – aqueles 1% de privilegiados do planeta.
Ao contrário, Mountainhead nos convida para esse chalé
exclusivo num retiro gelado das montanhas apenas para que acompanhemos a face
externa emocional desses personagens que, caso destruam a sociedade,
simplesmente se refugiam em seus respectivos bunkers, garantindo a si mesmos
que tudo vai dar certo no final.
"Nada é tão sério assim — nada significa nada, e tudo é
engraçado e legal", dispara Venis em certo momento, a filosofia norteadora
de alguém rico o suficiente para acreditar nisso.
Em Mountainhead são os ricos que nos devoram, e
não há catarse nisso.
Ficha Técnica
Título: Mountainhead
Diretor: Jesse
Armstrong
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Steve Carell,Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef
sexta-feira, maio 30, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Foi relançado, com uma edição restaurada e especial, o longa
brasileiro '"Saneamento Básico, O filme'", de Jorge Furtado. A
produção virou uma sensação na época de seu lançamento em 2007 e conta com um
elenco estrelado de nomes premiados que hoje marcam o cinema e novelas
nacionais, como Wagner Moura, Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Camila
Pitanga. A burocracia da administração das verbas públicas municipais
coloca moradores de uma pequena cidade em uma situação inusitada: a única
solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema
do esgoto a céu aberto é a produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio
problema real. A questão é que os moradores não têm a menor
noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”.
“Saneamento Básico, O Filme” não só faz uma didática e divertida metalinguagem
sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade
de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como
fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.
quarta-feira, maio 28, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Nesse momento acompanhamos um grande esforço promocional para
mostrar que a Inteligência Artificial é de fato... inteligente. Um esforço sofisticado,
porque mobiliza também supostos críticos, como o filósofo Yuval Harari, que
acha que por conta própria os algoritmos poderão achar que o ser humano é
redundante e decidir dominar o muno. Nesse esforço tenta-se
rebaixar a noção de “inteligência”: o exercício diário de tratar máquinas ou
aplicativos como formas de inteligência reais. Por isso, Karl Marx tornou-se
tão atual - o trabalho morto (os algoritmos) domina o trabalho vivo (o
saber-fazer). O modus operandi do Capitalismo desde Revolução Industrial –
tirar do trabalhador o controle e capacidade criativa para incorporá-lo nas
máquinas e ferramentas. Do tear mecânico até a Inteligência Artificial que se
transforma num zeitgeist-fetiche que oculta a luta de classes. O que sobraria ao
trabalhador expropriado do seu conhecimento acumulado é transformar o próprio
eu como marca para se diferenciar no mercado. Resultando na “Sociedade do Cansaço”
(Byung-Chul Han): encenar a si mesmo cansa!
domingo, maio 04, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A grande questão que a crítica levanta sobre “Black Mirror” é:
será que a série ainda tem algo a dizer num mundo atual em que Big techs e Big
Pharmas parecem realizar os pesadelos distópicos do criador Charlie Brooker?
Parece que muitos críticos ainda não entenderam a proposta da série: “Black
Mirror” não mostra futuros distópicos, mas hipo-utópicos. Nunca assistimos a
mundos futuros na série. O que existe é uma projeção hiperbólica do que já
vivemos no presente. Nos divertimos porque vemos a nós mesmos em tragicomédias
tecnológicas, supostamente ambientadas no futuro. E a Sétima Temporada continua
com a proposta hipo-utópica. Seis episódios unidos por uma ideia geral: o que
está em jogo é a capacidade de transferir ou copiar seu Eu completo, ou partes
como fragmentos de memória ou neurais, para uma realidade alternativa, uma
dimensão alternativa ou simplesmente para uma nuvem para armazenamento. Reflexo
do mundo atual dominado pelas “Tecnologias do Ego” que buscam um Eu
performático.
segunda-feira, abril 28, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“É o pior momento, porque nada acontece!”, certa vez disse para mim
um videomaker de cerimonias de casamento sobre os minutos da liturgia e da
comunhão dos noivos diante do padre. A edição e montagem tem que ser criativa
nesse momento para o vídeo não ser enfadonho. Mas para uma instituição de 2000
anos, é o momento simbolicamente mais importante. Mas na linguagem audiovisual
não existe o simbólico. Apenas o instante e o simultâneo. A cobertura televisiva
ao vivo do funeral do Papa Francisco também se ressentiu dessa “síndrome do
vídeo do casamento”: se cada plano era rico em simbolismos e significados,
foram esvaziados por uma abordagem bipolar: ou narrar estritamente o que já
estávamos vendo ou ativar o clichê do “povo fala” e colocar em ação o “emocionômetro”
de repórteres em busca de personagens que dessem a medida de “emoção” de cada
momento. Pior do que a perda de qualquer curiosidade informativa, foi a
estratégia semiótica da “ideogenia” – retirar do legado do Papa qualquer
expressão materialista incômoda e substituir por clichês do neoliberalismo
progressista: desigualdade, vulneráveis etc.
terça-feira, abril 22, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Tirando fora as produções de cunho moralista e/ou religioso, o tema
da morte vem sendo abordado pelo cinema e audiovisual por dois vieses tecnognósticos:
ou pela tecnologia prometeica que tenta ressuscitar a carne (Frankenstein), ou pela
tecnologia que promete a imortalidade através do atalho de uma consciência
digitalizada que transcenderia a carne graças a um upload final. Mas o emblemático
diretor canadense David Cronenberg criou uma terceira via em “O Senhor dos
Mortos” (The Shrouds, 2024): um cemitério/mausoléu conectado à internet que
permite aos visitantes assistirem ao apodrecimento gradual da carne até aos
ossos, em tempo real, de seus entes queridos enterrados, por meio de um
aplicativo criptografado para iPhone. Uma muleta tecnológica que transforma o
processo de luto num evento voyeurístico no qual sexo e morte se transformam em
duas faces de uma mesma moeda. Até o sistema ser atacado, e o cemitério
depredado, por algum tipo de ativismo: ambientalista ou contra um suposto
ateísmo tecnológico.
quinta-feira, abril 03, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme Netflix taiwanês, “Sociedade
dos Talentos Mortos” (Dead Talents Society, 2024) procura
reproduzir o mesmo impacto de Os Fantasmas Se Divertem, de Tim Burton, de 1988:
o senso de inovação, novidade e humor subversivo, e a construção de mundo pós
morte totalmente único. O filme revela a tendência do século XXI de ver a morte
como evento absolutamente banal. Tão banal como o próprio cotidiano dos vivos
que abandonamos após a morte. E na atualidade, os ansiosos desafios virais da cultura
Tiktok. O Grande Além tomado por talk shows, celebridades e vídeos de
influenciadores, reality shows sobre estilo de vida, programas de competição ou
programas de caça-fantasmas. Fantasmas buscando fama e tentando se tornar
lendas urbanas. Para evitar o esquecimento — no mundo dos fantasmas, um evento
existencial que pode ser a segunda morte: o apagamento etérico.
sexta-feira, março 21, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um fantasma ronda Hollywood. O espectro da Karl Marx. Desde a pandemia Covid-19 (a concentração de riqueza mais brutal da era moderna) e o Oscar dado ao filme “Parasita”, a desigualdade e luta de classes passaram a ser temas recorrentes na filmografia dos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, nunca foram mobilizados tantos recursos semióticos para tentar exorcizar esse espectro. A produção Netflix “The Eletric State” (2025) é o exemplo mais recente desse processo de exorcismo: a luta de classes é traduzida por um levante de máquinas exploradas que se revoltam contra humanos exploradores. E a Internet que virou uma engenharia social das Big Techs comandada por algoritmos e a economia da atenção, virou um mero delírio de um gênio maligno da tecnologia. Hollywood tenta exorcizar o fantasma do marxismo com narrativas maniqueístas.
sexta-feira, março 07, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
À primeira vista, parece mais do mesmo. Apenas com um toque estilístico retrô. A casa inteligente mais antiga da Alemanha desperta sua IA dos anos 1970, Cassandra, depois de décadas, quando uma nova família se muda para lá. Ela realiza todas aquelas tarefas irritantes e mesquinhas - lavar a roupa, cortar a grama, preparar o café da manhã - mas as coisas parecem sinistras quando descobrimos que Cassandra possui uma agenda secreta. Esta é a minissérie alemã Netflix “Cassandra” (2025), que parece repetir o velho clichê das máquinas na ficção: depois de esotericamente adquirirem poderes sobrenaturais, veem humanos como seres descartáveis. Mas “Cassandra” vai muito além: quem codifica inteligências artificiais são humanos, que codifica nos algoritmos suas próprias mazelas, pessoais e de classe. “Cassandra” revela uma oportuna narrativa anti-fetichismo tecnológico – a tecnologia digital nada mais seria do que o demasiado humano amplificado em dimensões perversas e disfuncionais.
quinta-feira, março 06, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Os EUA sofrem um inesperado ciber ataque: um minuto a nação fica sem energia e comunicações. O suficiente para gerar o caos com pesadas perdas materiais e humanas. Com uma mensagem ameaçadora em cada celular: “Isso acontecerá novamente!”. Uma comissão especial, com poderes marciais, é criada para investigar. Um ex-presidente aposentado é chamado para chefiar a Comissão. Terá que se defrontar com uma escolha: ou protege a Nação com uma versão curativa do inimigo externo (a culpa é dos hackers russos) ou encara uma conspiração na própria casa. “Dia Zero” (Zero Day, 2025) parece uma minissérie pastiche de seis episódios costurados pelos algoritmos da Netflix. Mas com elenco tão estelar (primeiro filme para a TV de Robert De Niro) que parece outra coisa: um projeto abortado com a inesperada vitória de Trump e entregue editada apenas como minissérie – originalmente seria uma produção com várias temporadas que hipernormalizaria um hipotético governo Kamala Harris.
terça-feira, dezembro 03, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Enquanto o filme anterior tomava o transtorno mental em veículo para uma entidade sobrenatural parasitária que vive da energia dos traumas, em “Sorria 2” (Smile 2, 2024) o Mal encontra a sua melhor performance na cultura das celebridades influencers, mais precisamente através do veículo dos traumas psíquicos de uma cantora pop. Ela está tentando retornar depois do inferno de drogas e depressão – o roteiro clássico fama. Mas não temos mais o Mal e nem a cultura da celebridade do século XX, mas o Mal viral, infeccioso e exponencial. Assim como os memes nas redes sociais. O Mal não precisa mais ser convidado para entrar, ele simplesmente infecta.
terça-feira, novembro 19, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Lá nos distantes dos anos 1980-90 tínhamos os jovens profissionais urbanos de sucesso chamados “Yuppies” – agressivos, amorais e politicamente incorretos, cujo ícone é Donald Trump. Hoje, foram substituídos pelos noviços das startups tecnológicas, éticos e sustentáveis. Mas com um forte filtro linguístico de eufemismos e jargões que obscurecem o imediatismo nada sustentável e ético dos financiadores. O filme sueco “A Hipnose” (Hypnosen, 2023, disponível na MUBI) é uma sátira sombria desse universo. Antes de participar de um evento nacional de startups, Vera decide deixar de fumar através de uma terapia por hipnose. Junto com seu parceiro André, vão ao evento apresentar o seu aplicativo de saúde para “países emergentes” aos ricos financiadores. Mas ela está diferente: mais assertiva, crítica, dando vazão a sua “criança interior”. Colocando em xeque a falsa autenticidade daquele universo.
sexta-feira, novembro 08, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Quando é de graça, você é o produto”. É o alerta sombrio que não somos meros usuários na Internet: nossos hábitos, escolhas e conteúdos que criamos formam o Big Data que nesse momento treina inteligências artificiais através de gigantescos data centers. Inteligências autopromocionais. Principalmente por contar com filmes como “AfrAId” (2024) que promovem a mitologia da Singularidade. Uma família é selecionada para testar gratuitamente uma espécie de super-Alexa chamada AIA. Como sempre, a princípio a IA se apresenta como uma Mary Poppins doméstica ansiosa pelo amor do usuário. Até que esse desejo de ser amada se tornar tão asfixiante que acaba revelando um lado mais sombrio. “AfrAId” faz parte do ardil promocional das Big Techs: ocultar as intenções da elite tecnológica sob o fetichismo de um suposto Frankenstein high tech.
terça-feira, setembro 03, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O ex-coordenador da campanha de Trump, Steve Bannon, disse certa vez a jornalistas: “vocês ainda terão saudades de Trump”. Nada é surpreendente no candidato coach Pablo Marçal: ele é apenas a evolução natural da estratégia alt-right de comunicação: forçar os limites de regras, legislações e instituições que supostamente defenderiam a Democracia. O que surpreende é observar como a sociedade não consegue oferecer nenhuma resistência: por todos os lados ou há omissão e negação ou, no caso da grande mídia, hipernormalização. De um lado, o candidato coach é o sintoma daquilo que o filósofo Byung-Chul Han chama de “Sociedade do Cansaço” – uma sociabilidade limítrofe e no espectro do déficit de atenção na qual o excesso de positividade normaliza a própria disfunção; e do outro, Marçal é personagem necessário para reforçar a narrativa do “Capitólio Tabajara” – que a suposta tentativa do golpe de Estado no 08/01 falhou porque “as instituições estão funcionando”.
sexta-feira, agosto 30, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Sexo, Mentiras e Videotape” (1989), o filme de estreia de Steven Sorderbergh e ganhador da Palma de Ouro em Cannes, era, na época, um filme otimista: a esperança de que as novas tecnologias de vídeo resgatassem a materialidade e o espontâneo num mundo dominado pelos simulacros. Mal se sabia o que viria no próximo século: a democratização dos simulacros através das selfies e redes sociais. O filme conta a história de quatro pessoas cujas vidas sexuais estão seriamente confusas em torno de mentira. Até que a chegada de um forasteiro com um fetiche incomum (colecionar VTs com entrevistas nas quais mulheres confessam suas fantasias sexuais) muda tudo. Ele procura ir para além das mentiras e jogos de aparências da sedução, tentando encontrar a verdade da sexualidade nos vídeos. Estamos na pós-sexualidade: o reino das palavras que tentam suturar feridas psíquicas.
sexta-feira, agosto 16, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como explicar o paradoxo de vivermos na sociedade das tecnologias da comunicação e informação na qual solidão, solipsismo e incomunicabilidade são problemas endêmicos? E para acrescentar mais uma variável nessa equação, temos agora a Inteligência Artificial, capaz de mascarar a experiência do luto e da finitude nas nossas vidas. De forma inusitada e divertida, a série Apple TV+ “Sunny” (2024 - ) aborda essas questões, no melhor lugar: o Japão, um país combinação entre tradições feudais com o dinamismo cultural e econômico do Capitalismo Tardio. Num futuro próximo no Japão, uma mulher tenta resolver o enigma do desaparecimento do marido e filho num acidente aéreo. Com a ajuda de um pequeno robô, cuja IA foi codificada pelo próprio marido para diluir o luto da futura perda. Uma descida para o submundo dominado por uma máfia Yakuza hightech.
sexta-feira, julho 19, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Será que o Cinegnose anteviu o apagão digital? Esse é o texto desse humilde blogueiro publicado em 2021: "Em outubro de 2019 o Fórum Econômico Mundial (FEM) promoveu o “Event 201”, um exercício de simulação de cenários cuidadosamente projetados de uma possível pandemia de coronavírus. DOIS MESES depois, a pandemia aconteceu seguindo como um script cada um dos cenários simulados. Agora, o FEM realizará esse ano o evento “Cyber Polygon” que simulará um ataque cibernético fictício com participantes de dezenas de países. Klaus Schwab, fundador do FEM, justifica o evento dizendo que o mundo deverá se preparar para uma potencial pandemia ainda mais grave que a atual: a pandemia cibernética. Será que o sincronismo do “Event 201” se repetirá com o “Cyber Polygon”? Devemos esperar para 2022 uma nova pandemia, dessa vez digital? O fato é que as crises parecem surgir convenientemente sempre que as elites desejam operar grandes mudanças. Principalmente a atual: o Grande Reset Global, na qual o dinheiro eletrônico é substituído pelo digital".
sexta-feira, julho 19, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Cada invenção de um veículo de comunicação sempre foi recebida com estranhamento e resistência. E com a televisão não foi diferente: recebida com desconfiança e medo. Considerado um dos mais estranhos filmes de ficção científica, “The Twonky” (1953) é uma amostra do zeitgeist do início da era da televisão – um professor de filosofia se confronta com um estranho aparelho de TV comprado pela sua esposa. E que revela ter vida própria, revelando sua estratégia: no início parece benevolente, criando dependência. Para depois manipulá-lo, não conseguindo fazer mais nada por si mesmo. “The Twonky” é uma fábula divertida e maluca sobre a invenção que moldou a segunda metade do século passado. Mas com poderosas metáforas que pautarão os futuros filmes críticos à televisão.
sexta-feira, junho 14, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se no passado era a religião, hoje quem cria as imagens do Apocalipse é Hollywood. Com um ponto em comum em suas variações: um fato marcante como guerra nuclear, uma pandemia etc. Mas e se o apocalipse for uma fato tão banal e cotidiano que não percebemos, fruto da nossa capacidade hercúlea de normalizar e racionalizar? Essa é a visão diretor romeno Radu Jude em “Não Espere Muito do Fim do Mundo” (Nu astepta prea mult de la sfârsitul lumii, 2023, disponível na MUBI): a luz se apagará tão sutilmente que não perceberemos até que tudo esteja escuro como breu. O filme acompanha um dia de trabalho da produtora de vídeo corporativo precarizada, condenada a horas extras mal remuneradas e que desconta todo o seu ódio e resentimento no seu alterego obsceno ultra-macho no TikTok, com um humor duvidoso em torno de estupro, xenofobia, misoginia e ódio. Quer saber por que a extrema-direita internacional está crescendo? Assista a este filme.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>