quinta-feira, junho 05, 2014
Max Headroom antevia o fim do jornalista e as bombas semióticas
quinta-feira, junho 05, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Voz sampleada,
gaguejante e distorcida de um personagem dotado de senso de humor cínico e
irônico. Era Max Headroom, personagem digital resultante de uma secreta
experiência da gigantesca Rede 23 de TV para substituir o jornalista estrela da
emissora numa conspiração para encobrir uma bomba subliminar que matava
espectadores. “Max Headroom” (Max Headroom, 1985), criado por Peter Wagg e exibido pela emissora inglesa
Channel 4, além de ser um ícone do imaginário ciberpunk da então nascente
tecnologia digital, foi um filme profético: já estava lá a futura precarização
do trabalho do jornalista até o seu desaparecimento através da tecnologia
telemática (repórteres guiados por telemetria e dependentes de controladores) e
as bombas semióticas criadas na atual guerrilha semiológica das mídias,
simbolicamente representados no filme pelos mortais “blipverts”.
As
representações dos jornalistas no cinema sempre ficaram em um movimento
pendular entre de um lado heróis investigativos e idealistas vivendo no
underground da sociedade e, do outro, ambiciosos e potencialmente corruptos.
Filmes como A Montanha dos Sete Abutres
(Ace in the Hole, 1951) e O Quarto Poder
(Mad City, 1997) mostram jornalistas inescrupulosos, ambiciosos e
manipuladores, enquanto Todos Os Homens
do Presidente (All the President’s Men, 1976) mostram Bernstein e Woodward
como a quintessência do jornalismo investigativo capaz de derrubar o presidente
da maior potência do mundo.
Já o filme
piloto de uma série chamado Max Headroom,
criado por Peter Wagg para o Channel 4 inglês em 1985, rompe com essa dualidade
das representações cinematográficas do jornalismo ao vislumbrar um futuro (na
verdade, a atualidade) onde as tecnologias telemáticas modificam radicalmente o
papel do jornalista: do profissional que buscava a notícia, que pesquisava os
dados brutos e buscava conexões, ao mero veículo de uma suposta transparência
da imagem tecnológica onde o repórter vira o protagonista da própria notícia. Tudo
isso para encobrir a própria precarização da profissão.
terça-feira, junho 03, 2014
Por que as aves atacam em "Os Pássaros"?
terça-feira, junho 03, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Hitchcock não levava a sério as ideias freudianas e irritava-se com as interpretações psicanalíticas de seus filmes, principalmente do filme “Os Pássaros” (The Birds, 1963): “Idiotas estúpidos! Sempre estive consciente do que fiz em todas as minhas obras”, esbravejava. Mas as imagens dos pássaros atacando seres humanos em um pequeno vilarejo litorâneo tornaram-se atemporais, como se Hitchcock, mais do que roteirizar, dirigir, montar e editar, inconscientemente tivesse buscado seus insights tanto em fatos científicos ocorridos com aves em 1961 na Califórnia, quanto nos arquétipos do inconsciente coletivo da humanidade. Por isso, de todos os filmes do diretor (Hitchcock considerava o filme como o “menos Hitchcock” da sua carreira), “Os Pássaros” foi o filme que mais rendeu interpretações, sejam científicas, psicanalíticas, filosóficas e gnósticas: por que os pássaros de Hitchcock atacaram? É o que vamos tentar responder.
A crítica especializada
em geral considera o filme Os Pássaros
o último grande filme de Hitchcock, rodado em 1963 quando a reputação do
diretor estava no auge. O filme anterior Psicose
(1960) tinha sido um sucesso e a Universal Pictures deu para o diretor três
milhões de dólares para o seu próximo projeto. Hitchcock já havia se tornado a
marca exclusiva do cinema de suspense com narrativas sobre espionagem,
psicopatia, frieza, romance e muito humor negro.
Porém, Os Pássaros foi o filme que o redefiniu
ou, como o próprio diretor considerou, era o filme “menos Hitchcock” da sua
cinematografia até aquele momento: ele pela primeira vez se valeu da tecnologia
como os efeitos sonoros construídos por um instrumento eletrônico chamado
Mixtur-trautonium (o filme não possui trilha musical a não ser diegéticas –
crianças cantando na escola, som do rádio do carro ou quando a protagonista
toca ao piano); efeitos especiais indicados ao Oscar para criar os temíveis pássaros
assassinos; e a utilização de muitas tomadas externas, técnica que ele nunca
preferiu – costumava rodar os filmes completamente em estúdios.
sábado, maio 31, 2014
A bomba semiótica Forte Apache
sábado, maio 31, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois de 14
anos das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil onde os índios
foram recebidos com armas e bombas pela polícia e a grande mídia relatou tudo
de forma burocrática e irônica, repentinamente eles foram redescobertos e
levados a sério. “Índios cercam o Palácio do Planalto” é o tom geral das
manchetes com muitas fotos com flechas e índios em poses ameaçadores em
contraste ao futurismo de Brasília. É a bomba semiótica Forte Apache. Esse
conceito não tem nada de ironia ou deboche: o núcleo dessa bomba linguística são fotos onde poses e situações forçam a associação com o imaginário hollywoodiano do
western. Seja apanhando, sejam fotografados, os indígenas brasileiros continuam
estranhos em sua própria terra: às vésperas do campo de batalhas simbólico
decisivo da Copa do Mundo, tornam-se, agora, suportes passivos dos signos construídos
por espertos fotógrafos. São as “fotos-choques”, estado semiótico intermediário
entre o fato real e o fato alterado.
O presidente
eleito pelo colégio eleitoral em 1985, Tancredo Neves estava entre a vida e a
morte no Hospital das Clínicas em São Paulo. E eu iniciava minha carreira no
jornalismo como um "foca" na reportagem do jornal A Tribuna de Santos. Ficava impressionado como, apesar do caos que
era uma redação, o jornal conseguia ser finalizado e chegava diariamente nas
bancas. Aos poucos ia pegando os macetes: as notícias e os textos jornalísticos
eram praticamente padronizados, bastando apenas preencher as variáveis: o que,
quem, quando, como, onde e por que.
Enquanto Tancredo
agonizava em São Paulo e o País torcia pela sua recuperação, descobri que a
lógica de linha de produção das redações era fria e pragmática: nas gavetas da
mesa do diretor da redação já estavam prontos obituários, biografia,
editoriais, retrancas (palavra ou pequena frase sobre manchetes para apresentar
o tema da matéria), fotos e páginas inteiras já diagramadas sobre vida e morte
de Tancredo Neves.
Logo entendi
todo o processo semiótico de produção noticiosa que permitia que aquela loucura
de vai e vem na redação desse certo: editores e diretores produziam uma forma,
uma estrutura de texto onde a reportagem apenas preenchia as lacunas com as
variáveis da chamada “pirâmide invertida” da matéria jornalística. Tempo era
racionalizado e as matérias prontas em minutos. Um processo tão técnico e
pragmático que os repórteres não percebiam o viés, o enfoque ideológico que
sempre estava nessa estrutura pré-fabricada que descia do "aquário" das reuniões
de pauta para nós, os "focas".
sexta-feira, maio 30, 2014
Em Observação: "Irreversível" (2002) - o tempo nos devora
sexta-feira, maio 30, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quem não
conhece a célebre pintura de Goya de Saturno (Cronos na mitologia grega)
devorando seu próprio filho? Como filhos de Cronos, também somos devorados pelo
tempo, tornando cada tomada de decisão nossa em causas de efeitos que serão
irreversíveis. Esse é o tema do filme francês “Irreversível” de Gaspar Noé. “O
tempo destrói tudo” diz a frase de abertura, em um filme que lembra “Amnésia”
de Nolan: a história é contada no sentido inverso onde acompanhamos a
desconstrução de personagens que de selvagens e brutais vão se tornando sensíveis
e apaixonados. Noé propõe uma reflexão incômoda e brutal sobre o tempo, através
de duas cenas que já são consideradas antológicas na história do cinema: um
estupro e a briga em uma boate gay onde um rosto é desfigurado por um extintor
de incêndio. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Título:
Irreversível (2002)
Diretor: Gaspar Noé
Plot: Contado de
trás para frente, o filme narra a busca por vingança de Marcus e Pierre, depois
que Alex (Mônica Belucci) namorada de Marcus e ex de Pierre, é estuprada
violentamente.
Por que está
“Em Observação”? – O blog se interessa por filmes que exploram a questão do tempo
na narrativa. Irreversível, ao lado de Amnésia de Christopher Nolan, é um
desses filmes: a história é contada ao contrário e cada cena é rodada
totalmente sem cortes, até a câmera dar uma pirueta e jogar o espectador para
outra cena, a parte anterior da história. E por que? O sentido já é dado logo
no início do filme com a frase “o tempo destrói tudo”. Muitos críticos definem o filme como uma
fábula sobre o destino. A cada cena que passa o filme parece indagar porque as
coisas não tomaram outro rumo, porque somos vítimas do destino.
O plot é
extremamente simples, mas a grande atração é a edição e cenas violentas como a
do estupro e o estrago que o extintor de incêndio faz no rosto de um personagem
na sequência da briga em uma boate gay. Tudo no filme parece feito para criar
no espectador estranhamento, repulsa e incômodo. Na primeira exibição no
Festival de Cannes 2002 Irreversível foi definido como “repulsivo”, “doentio” e
“gratuito”. O enquadramento da câmera não centraliza ninguém na tela, gira de
forma desfocada e surreal para marcar o recuo no tempo da narrativa e a
narrativa parece desconstruir os personagens: à medida que o tempo passa (ou
volta) os protagonistas Pierre e Marcus vão se tornando totalmente diferente
daqueles seres brutais e selvagens do início do filme. De homens sedentos por
vingança, vão se transformando em seres apaixonados e bem menos agressivos,
incapazes de fazer mal a uma mosca.
Por isso, a
grande questão que o Gaspar Noé quer discutir: a irreversibilidade do tempo, o
porquê das nossas tomadas de decisões e como elas, a cada instante, influenciam
de forma irreversível, o futuro. De certa forma, o diretor francês parece
querer desconstruir um dos grandes mitos do cinema, principalmente
norte-americano: o mito da segunda chance, a possibilidade da vida nos oferecer
sempre uma segunda oportunidade para nos redimir de erros cometidos no passado.
Noé parece ter em mente o mito grego de Cronos devorando seus próprios filhos.
Como filhos do tempo que somos, também somos devorados por ele, vencidos pela
sua irreversibilidade. Tudo finda e é consumido, tornando nossas decisões
fatalidades.
Por isso essa
discussão do tempo é essencialmente gnóstica, já que para os gregos Cronos
refere-se a apenas uma faceta da existência: o tempo cronológico e linear das
coisas terrenas. É imperfeito e produz a entropia e caos. Ainda existiria Kairos (o momento indeterminado no tempo
onde algo de novo acontece) e Aeon (o
tempo divino onde as horas não passam cronologicamente, o tempo de Deus). Daí o
descompasso que sempre vivemos entre Cronos e o nosso psiquismo,o efêmero versus
o eterno.
Daí a linguagem
fílmica intensiva do diretor nas cenas: sem cortes, elas são pensadas para
serem impactantes e duradouras em nosso psiquismo, apesar da transitoriedade
que a linguagem fílmica impõe – a história tem que ser contada, o tempo deve
passar.
O
que esperar do filme? – A crítica afirma que a violência e o desconforto (produzido
pelo enquadramento e ausência da decupagem nas cenas) fazem muitos espectadores
abandonarem o filme na metade. Assim o crítico de cinema Tony Pugliesi
sintetiza o que o leitor do Cinegnose
pode esperar do filme Irreversível: “Incômodo.
Se tivéssemos que escolher apenas uma palavra para descrever Irreversível, com certeza, a palavra escolhida seria
"incômodo". Ou então poderíamos utilizar palavras similares como
intrigante e chocante. Entretanto, incômodo, como você irá perceber ao longo
desta análise, nada tem a ver com a possibilidade que o filme de Gaspar Noe
seja uma película ruim, muito pelo contrário. Chocante porque a produção possui
duas tomadas (seqüências) fantásticas que já entram para a história do cinema
devido a forma de como foram gravadas e, também, claro, pela coragem de Noé em
gravar essas seqüências. Acredite, elas são muito difíceis de serem até mesmo
assistidas. Intrigante, óbvio, pelo modo como a película fora filmada; edição
fantástica, brilhante. E ela que faz o filme.”
quarta-feira, maio 28, 2014
A bomba semiótica fashion da Ellus
quarta-feira, maio 28, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Modelos
vestindo uma camiseta onde se lia “Abaixo Este Brasil Atrasado”. Dessa forma
terminava o desfile da Ellus no último SPFW após um desfile repleto de signos
militares estilizados. Mais tarde, a irônica foto da mesma camiseta na vitrine
de uma loja da grife tendo ao lado um manequim carregando uma blusa com o
icônico Mickey Mouse estampado. Essa é a mais nova bomba semiótica, dessa vez
fashion. E por que? Porque o niilismo político é fashion, assim como os
radicais chics com o seu visual “heroin hero”. Desde que o dandismo morreu com
Oscar Wilde, a moda sente a necessidade de expiar o fantasma da sua suposta
futilidade e superficialidade. O niilismo político da camiseta que protesta contra
o “Brasil Atrasado” é a reedição da estratégia de tornar a moda supostamente sintonizada
com a realidade do seu tempo, assim como Viviene Westwood fez com o Punk. E
para isso, a Ellus foi buscar na atmosfera turva e tensa da atualidade o mote
para tentar mostrar que Moda possui alguma relevância política.
Em uma vitrine
de uma loja da grife Ellus em um shopping na Zona Sul do Rio de Janeiro vemos
vários manequins com modelos da marca. Chama a atenção uma camiseta preta com
os dizeres “Abaixo Este Brasil Atrasado”. Ironicamente, ao lado vemos outro
manequim com uma blusa em que vemos o icônico personagem do Mickey Mouse
estampado.
A engajada
camiseta teve sua estreia no desfile da coleção Primavera-Verão 2014-15 no São
Paulo Fashion Week (SPFW) em abril desse ano, com toda pompa e circunstância,
com direito até a “carta-manifesto”. Ciceroneado pelo galã global Cauã Reymond,
ele entra na passarela ao final com os fashionistas Adriana Bozon, Lea T., Laís
Ribeiro e Rodolfo Murilo, todos vestindo a engajada camiseta da Ellus, para
finalizar com uma selfie diante dos
fotógrafos.
A “carta-manifesto”
(na verdade uma colcha de retalhos com os principais mantras repercutidos por
redes sociais e nas colunas econômicas da grande mídia) fala em “Brasil=ineficiência,
improdutividade”, “custo Brasil”, “políticos e governos antiquados”,
“protecionismo” e a ameaça de ficarmos “isolados nas geleiras do Polo Sul”.
segunda-feira, maio 26, 2014
Semiótica do amor revela o desencontro marcado
segunda-feira, maio 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dia dos
Namorados se aproxima como mais uma data dentro da agenda comercial que envolve
Páscoa, Dia das Mães, Black Friday etc. Os críticos mais ingênuos acusam de
materialismo a imposição comercial da necessidade em demonstrar amor, afeto ou
carinho com presentes caros. Mas a crítica perde de vista algo de mais profundo
e perverso: se para a sociedade de consumo o amor é uma mercadoria, ela deve ser
inserida na lógica básica mercantil: a escassez do produto conduz a sua
valorização no mercado. Por isso, na atualidade estamos presenciando uma
intensa estratégia semiótica de produção de, por assim dizer, desencontros
marcados: frustrações afetivas, insatisfações sexuais e carências amorosas.
Tudo para criar a percepção de que o amor é um bem precioso porque está em falta,
agregando cada vez mais valor a jantares românticos, caixas de bom bons e joias.
Dessa forma, o amor é mais um bem que se insere na lógica mais geral de criação
de escassez para a criação de commodities como a água, meio ambiente, segurança
e felicidade.
Dia dos
namorados se aproxima, dessa vez ofuscada pela abertura da Copa do Mundo de
futebol no Brasil. Celebrado como o dia dos casais apaixonados, surgiu até
movimento publicitário de uma marca de cerveja para que o evento seja antecipado
um dia antes e os namorados possam acompanhar a abertura da Copa.
Realmente, toda
a publicidade e a sociedade de consumo sempre necessitaram do fluxo incessante
de amor, paixão, afeto e desejos como matéria prima para a promoção de
campanhas de produtos e serviços. Mas ao longo dos tempos o Dia dos Namorados
na mídia não se contentou apenas em usar o amor como isca subliminar para
vender carros, perfumes, chocolates, roupas e cosméticos. Mais do que isso, hoje
o amor é oferecido como mercadoria: como algo que você busca, encontra,
experimenta e conquista.
quarta-feira, maio 21, 2014
O que matou Theodor W. Adorno?
quarta-feira, maio 21, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O sociólogo, musicólogo e pensador Theodor W. Adorno sempre foi um estrangeiro no seu próprio país e nos EUA para onde fugiu com a ascensão do nazifascismo na Alemanha. Expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt, sua crítica da sociedade e da indústria cultural inspirou estudantes que em 1969 se levantavam em manifestações radicais de esquerda e que se inconformaram com a recusa de Adorno em ser uma espécie de guru do movimento. Quarenta e cinco anos depois, pesquisadores como Bill Niven da Notthingan Forest University afirmam que os conflitos pessoais de Adorno com líderes estudantis e a pecha em torno dele de “apocalíptico e pessimista” podem tê-lo matado. Ao contrário desse estereótipo, sua morte prematura interrompeu o seu projeto mais otimista e libertário onde através de uma via “negativa” (e gnóstica) tentava encontrar a “metafísica em queda” que o levaria a fazer uma arqueologia das oportunidades perdidas: a busca das experiências singulares impossíveis de serem dominadas pelos conceitos da Filosofia, ideologias e poderes.
domingo, maio 18, 2014
Por que roqueiros dos anos 80 se tornam neoconservadores?
domingo, maio 18, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Fazendo caras feias
e rostos vincados, roqueiros dos anos 80 se zangam e protestam dizendo que 30
anos depois, nada mudou no País. Artistas e bandas de rock que na década de
1980, inspirados no punk e pós-punk, se opunham ao regime militar e
reivindicavam pelas Diretas Já e democracia. Hoje, queixam-se para uma mídia
ávida por declarações conservadoras não só contra o Governo e o PT, mas contra a própria instituição da Política e dos
políticos. Por que só depois de 30 anos descobriram que o País “só patina ou
piora”? Oportunismo em meio de carreiras em declínio? Forma de ganhar
visibilidade midiática adotando o neoconservadorismo? Talvez a explicação não
seja tão simples: por trás do niilismo e pessimismo fashion desses roqueiros
talvez exista a repetição do trauma de uma geração que cresceu sob o impacto
da cultura hiperinflacionária dos anos 80. Presos a essa cena de décadas atrás,
de contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
Em foto
promocional do 18° discos dos Titãs, o grupo posa com caras de maus e vestidos
de preto sobre lambretas. “São as caras feias de um Brasil que, vira e mexe não
muda”, dá legenda o jornal O Globo. E
na matéria o guitarrista (e colunista do próprio jornal) Tony Bellotto, 53,
fuzila: “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”.
É recorrente a
leva de roqueiros dos anos 80 como Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto, Léo Jaime
entre outros que não só desfilam opiniões catastrofistas e de descrédito não só
ao Governo Federal e ao PT, mas em relação à própria instituição da Política em
redes sociais e grande mídia.
A ânsia em se portarem como críticos politicamente
incorretos algumas vezes beira ao protofascismo como no episódio da “pegadinha”
do colunista da Folha Antônio Prata que, simulando ter aderido ao
neoconservadorismo, escreveu sobre uma suposta conspiração de “gays, vândalos,
negros, índios e maconheiros” no Brasil do PT. O roqueiro Roger do “Ultraje a
Rigor” caiu na “pegadinha” e no twitter congratulou o articulista por “ter
culhões”. Roger não entendeu a ironia, na ansiedade de fazer parte da onda
neoconservadora na grande mídia.
sábado, maio 17, 2014
Um marco gnóstico no filme "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças"
sábado, maio 17, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um marco entre
os filmes gnósticos. Se Matrix se tornou um clássico no Gnosticismo pop onde o
homem é prisioneiro em um cosmos simulado por máquinas, no filme “Brilho Eterno
de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) temos uma mudança nas representações do
Gnosticismo no cinema: agora o homem é prisioneiro em um mundo interno, a própria
mente, através do sono do esquecimento induzido por uma tecnociência demiúrgica.
“Brilho Eterno” é profético em relação ao novo século que então se iniciava ao
fazer uma crítica às chamadas tecnologias do espírito (autoajuda, neurociências
etc.) e a sua popularização através da cultura Prozac que promete deletar nossas
inquietações (sonhos e memórias) por meios de recursos fármacos e neurocientíficos
para, em troca, nos proporcionar a paz dos cemitérios.
Ao lado do
filme Vanilla Sky (2001), o filme de
Michel Gondry Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) é um marco na história
dos filmes gnósticos. Esses dois filmes representaram o fim do que chamamos
modelo Matrix de Gnosticismo pop: o mundo ilusório no qual o protagonista se
encontra aprisionado é mais uma simulação tecnológica perfeita produto de um
Demiurgo computacional como em Matrix
(1999), aliens como Cidade das Sombras
(Dark City, 1998) ou um diretor de TV
como em Show de Truman (1999); a
partir de Vanilla Sky e Brilho Eterno vemos o protagonista preso
em um mundo interior devido a alguma desordem neurológica ou psíquica,
conflitos interiores, alucinações ou sonhos.
Se no modelo
Matrix de Gnosticismo pop já era colocado a necessidade da gnose através de uma
busca interior ou reforma íntima para conseguir superar a ilusão aprisionadora,
agora a partir de filmes como Brilho Eterno, esse mergulho interior passa a ser
mais profundo, demonstrando que a prisão começa a partir dos próprias bloqueios
psíquicos como traumas, ressentimentos e angústias.
sexta-feira, maio 16, 2014
Linchamento no Guarujá revela sintoma do retrofascismo
sexta-feira, maio 16, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para além do
horror diante da barbárie do linchamento de uma dona de casa por vizinhos e até
crianças em Guarujá/SP, o mais perturbador nesse episódio é a ambígua
declaração do governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin, sugerindo que
o ato bárbaro era injustificável porque, afinal, “tudo não passou de boato”- então, se os boatos fossem verdadeiros o linchamento seria justificado? Essa surpreendente declaração para um governador confirmaria as sinistras
previsões de Arthur Kroker e Michael Weinstein nos anos 1990: uma integração
entre Estado, pan-capitalismo e violência sacrificial. O impulso primitivo
amplificado pelas redes digitais seria a fase “interativa” dos rituais de
sacrifício cotidianamente praticados pelos linchamentos midiáticos de
reputações ou dos refugos sociais (desempregados, velhos e pobres) oferecidos
como objeto sacrificial e bodes expiatórios em programas diários de TV. É o
retrofascismo à espera de uma tradução política para, mais uma vez na História,
ocupar o Estado.
“O homem preferirá ainda querer o nada ao nada querer” (Nietzsche)
O trágico episódio
do linchamento da dona de casa Fabiane de Jesus por vizinhos, amigos e até crianças
na cidade do Guarujá/SP provocado por um boato amplificado pela rede social
Facebook poderia ter passado despercebido como mais um caso num cotidiano de
chacinas e violências em bairros pobres e periféricos se não fosse por duas
características e um sintoma importante:
(a) Uma explosão
primitiva de violência motivada por um boato através de uma rede social produto
da alta tecnologia de comunicação digital desse início de século. Tecnologia
digital e primitivismo coexistindo como fossem dois lados de uma mesma moeda;
(b) O boato a
partir de um suposto retrato falado publicado em página do Facebook dava conta
de que Fabiane seria sequestradora de crianças para rituais de magia negra. Se
na sua origem primitiva o linchamento é um impulso sacrificial para esconjurar
o mal em uma comunidade, o episódio tem um quê de estranha ironia: um
linchamento (ritual de sacrifício) para punir uma pessoa que supostamente sequestrava
crianças para rituais que também visam esconjurar o mal ou/e compactuar como
ele;
segunda-feira, maio 12, 2014
O pós-humano no filme "The Machine"
segunda-feira, maio 12, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Do mito do Golem
do misticismo judaico, passando pelo robô Maria do clássico “Metrópolis” de
1927 até chegar ao computador HAL 9000 de “2001” de Kubrick, a Inteligência
Artificial (IA) é vista como ameaça ou realização máxima do homem, mas nunca
sua superação por supostamente faltar nela a essência da humanidade: a consciência
ou alma. Mas o filme inglês “The Machine” (2013) insere a discussão da IA em
outro patamar, desenvolvido no cinema desde os personagens dos replicantes
de “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott: o do “pós-humano”. “The Machine” acrescenta
a essa novo enfoque da IA um componente místico que estaria motivando a agenda
tecnocientífica atual: o tecnognosticismo - a
ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência espiritual
possibilitada pela tecnologia. Encontrar a imortalidade da alma através de upload
final para um banco de dados, “nuvem” de bits ou rede eletrônico-neuronal.
A Inteligência
Artificial (IA) é um dos grandes arquétipos do imaginário contemporâneo, capaz
de alimentar tanto as utopias mais luminosas quanto os maiores pesadelos
distópicos da literatura e do cinema.
Herdeiro direto
das mitologias do Golem (ser artificial associado ao misticismo judaico da
Cabala, trazido à vida através de processos mágicos), dos homunculus da Alquimia e de Frankenstein (a criação da escritora
Mary Shelley que materializou a advertência do pintor Goya de que o sono da
Razão produz monstros), a evolução da ambição tecnocientífica pela Inteligência
Artificial pode ser dividida em três etapas:
Primeira,
representada pelo filme Metrópolis de
Fritz Lang: através de uma estética cartesiana emblemática da vanguarda
artística da primeira metade do século XX apresenta a personagem robótica
Maria, comandada pelos malignos propósitos de uma elite que escraviza
trabalhadores – mas também o símbolo da necessidade do homem comandar a máquina
com o coração para mediar os conflitos entre a classe dominante e dominada. Em
si a máquina é benéfica, bastando ao homem buscar não a Razão, mas a sua
humanidade para controlá-la de forma sábia.
quarta-feira, maio 07, 2014
O logo da novela e a bomba semiótica da pararrealidade
quarta-feira, maio 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O logo da telenovela
“Geração Brasil” da TV Globo traria no seu design uma subliminar sugestão dos
números dos candidatos de oposição ao Governo? Delirante teoria conspiratória?
Prepotência dos jornalistas? Designers e profissionais criativos veem exagero
em tal acusação, já que toda marca produziria espontaneamente associações
visuais, já que para a Semiótica todo signo produziria uma imagem mental.
Posições ideológicas à esquerda, calejadas pela desconfiança em relação à
grande mídia, falam em manipulação subliminar. Mas parece que todas as posições
acabam se tornando vítimas da espiral das interpretações, a doença infantil da
Semiótica. A cura? Desconstruir o logo da telenovela através de técnicas as
mais objetivas possíveis como a de recorrência sincrônicas e diacrônicas,
comutação e Gestalt. E no final descobrirmos que, na verdade, o suposto poder
subliminar do logo não provém dele mesmo. Sua força é alimentada por uma
pararrealidade criada pela TV ao fundir diariamente ficção com não-ficção.
Surge a polêmica entre jornalistas, simpatizantes da esquerda e profissionais de design e criação de que logomarca da novela das 19h Geração Brasil (ou “G3R4Ç4O BR4S1L”) conteria “coincidentemente”
em sua linguagem “internetês” (ou Leet,
para ser mais preciso) os números dos candidatos de oposição: o “40” (PSB de
Eduardo Campos – PE) e “45” (PSDB de Aécio Neves – MG).
O problema de toda
análise semiótica ou gestalt é que, se tomarmos o objeto de forma isolada,
todas as análises podem se cancelarem como meras interpretações subjetivas: se todo
signo cria uma imagem mental no interpretante, logo o que estamos vendo poderia
ser apenas o signo de outro signo da realidade – e o que é “realidade” para a
Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente
pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa
do interpretante.
terça-feira, maio 06, 2014
Palestra de executivo revela a secreta religião americana
terça-feira, maio 06, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há por trás da performance de uma palestra de um executivo norte-americano? Broadway, Hollywood, teatro vaudeville e todo um mix cultural único de um país que conseguiu fundir “business”, “show” e “entertainment”. Assistir ao discurso desses protagonistas corporativos é testemunhar o ineditismo de um país que conseguiu fundir a fé tecnológica, o espírito pioneiro dos puritanos e o triunfo do liberalismo comercial. O pesquisador canadense Arthur Kroker chamava isso de “capitalismo pentecostal”: a calculada canastrice da palestra de um executivo inspirada no pantheon dos simulacros da cultura pop , a crença no pragmatismo tecnológico como moralmente bom e a fé em um destino manifesto de levar a religião americana para todo o mundo.
domingo, maio 04, 2014
Em Observação: "La Hora Fría" (2006) - cineteratologia dos zumbis?
domingo, maio 04, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Oito pessoas,
isoladas no subterrâneo em um mundo pós-guerra química, vivem sob a ameaça de
zumbis mutantes e fantasmas. Mais do mesmo para os fãs de cinema
pós-apocalíptico e de zumbis? Isso é que o “Cinegnose” vai conferir: um filme
de uma época em que o cinema espanhol começa repentinamente a interessar-se
sobre o tema zumbis, ao lado de produções como “REC” e “[REC] 2”, com
interessantes variações sobre o tema. “La Hora Fría” é uma oportunidade para
verificar algumas hipóteses da chamada Cineteratologia – o estudo da morfologia
e natureza dos monstros no cinema como metáfora do espírito de uma determinada
época. Mais um filme indicado pelo nosso leitor Felipe Resende.
sábado, maio 03, 2014
Em Observação: "The Machine" (2013) - a ciência entre a humanidade e as sombras
sábado, maio 03, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filme sugerido
pelo nosso leitor Felipe Resende. A crítica destaca que a produção britânica “The
Machine” combina temas do filme premiado pelo Oscar “Ela” e o clássico “Blade
Runner” de Ridley Scott (1982). Em meio a uma nova Guerra Fria, dessa vez entre
o Ocidente e a China, programadores de computador fazem pesquisas em
Inteligência Artificial e neurociência até desenvolverem um androide com alma e
consciência em um laboratório militar subterrâneo. O filme apresenta a
ambiguidade atual das tecnociências que enquanto mantém esperanças altruístas
nos benefícios humanos das descobertas científicas, convivem com a sombra de aplicações
muito mais sombrias pelos poderes que as mantêm.
quinta-feira, maio 01, 2014
Globo reage à crise de audiência e credibilidade com desespero metalinguístico
quinta-feira, maio 01, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sai a estética
futurista de Hans Donner, entra os passos do funk e um visual menos high tech
onde até a icônica zebrinha dos anos 1970 que dava os resultados do futebol
parece renascer com nova roupagem. E tudo isso com muita auto-referência e metalinguagem. Essa é
a repaginada do programa dominical “Fantástico” e dos telejornais da emissora que
parecem sentir o golpe da perda de audiência e credibilidade. Uma simulação de
reunião de pauta com telespectadores dando palpites sobre temas
pré-estabelecidos no “Fantástico” é o desespero metalinguístico de criar uma
percepção de transparência e credibilidade de um jornalismo que tenta se
equilibrar entre o papel de oposição política assumido pela emissora e a
necessidade de aparentar objetividade noticiosa. A transformação da estética
Hans Donner na identidade visual da emissora parece apontar para o sintoma da sua perda
de relevância e o fim de uma utopia modernista que a TV Globo representou
durante da ditadura militar e não consegue mais sustentar diante do novo
cenário. E a resposta da emissora é autofágica.
Os tempos estão
mudando e a TV Globo já não é mais a mesma. As audiências vêm despencando há
muito tempo numa irresistível curva descendente para uma emissora que já chegou
a 100% de audiência com a novela Selva de Pedra em 1972 e o Jornal Nacional
dando 80% nos anos 1980. Bem diferentes são os tempos atuais: o Jornal Nacional desce aos 17%, a estreia
do Novo Fantástico no último domingo
registrou média de 16,5%, Silvio Santos supera os números de audiência do reality show musical SuperStar e assim por diante.
Paradoxalmente, o
faturamento da emissora é mantido em patamares elevados. Para os analistas,
graças ao impacto no mercado publicitário do famoso “incentivo”chamado BV
(Bonificação por Volume) – comissões repassadas da TV Globo para as agências de
publicidade que variam de acordo com o volume de propaganda negociado entre
elas. Seria o principal mecanismo que perpetuaria o monopólio midiático da
emissora.
segunda-feira, abril 28, 2014
A Serpente do Paraíso rouba a cena no filme "Noé"
segunda-feira, abril 28, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No livro bíblico
do Gênesis, a história da arca de Noé tem apenas três páginas. Conhecendo o
senso hollywoodiano de espetáculo e a inclinação de Darren Aronofsky em
explorar complexas simbologias místicas e esotéricas, era de se esperar que o
filme “Noé” (Noah, 2014) não fosse um thriller bíblico nos moldes de “Os Dez
Mandamentos”. Pelo contrário, Aronofsky subverte o famoso personagem bíblico
através de uma releitura gnóstica e cabalística. O diretor não só abandonou a
Bíblia como transformou a Serpente do Jardim do Éden no personagem principal,
trazendo para as telas a antiga versão gnóstica do mito do Paraíso, sob uma
embalagem atual política e ecologicamente correta.
Quem conhece a
obra do cineasta Darren Aronofsky, sabe que se pode esperar de seus filmes
profundos simbolismos místicos e esotéricos. Foi assim em filmes como Pi
(um thriller cabalístico onde um gênio matemático procura uma constante
numérica universal), Cisne
Negro (fábula gnóstica sobre a exploração da luz interior humana por um
demiurgo representado pelas exigências mercadológicas de uma companhia de balé)
e Fonte
da Vida (uma jornada de elevação espiritual através de complexos
simbolismos gnósticos e alquímicos).
Com o filme Noé (Noah, 2014) não poderia ser diferente. Porém, desta vez
Aronofsky saiu do campo dos dramas seculares traduzidos por simbolismos para
entrar em uma narrativa bíblica fazendo uma releitura paradoxalmente sem
referência à Bíblia: Aronofsky fez uma subversão flagrantemente gnóstica e
cabalística do famoso personagem bíblico.
sábado, abril 26, 2014
Um pesadelo semiótico zumbi no filme "Pontypool"
sábado, abril 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que acontece quando um filme sobre zumbis mistura referências a escritores como Norman Mailer e William Burroughs? Resulta em um dos mais surpreendentes e originais filmes do gênero dos últimos anos. A produção canadense “Pontypool”(2008) cruza dois insights da literatura ensaística: as coincidências sincromísticas que antecederiam eventos importantes na história e a linguagem humana como um vírus letal que parasita a humanidade. Em “Pontypool” o vírus não é disseminado pelo sangue, ar ou corpo, mas pelas palavras. O que resulta num interessante “terror semiótico”: certas palavras estariam infectadas, aquelas mais carregadas de afeto e emoção. E nos Dias dos Namorados isso pode ser fatal... Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
segunda-feira, abril 21, 2014
A crueldade do mito da infância no filme "A Caça"
segunda-feira, abril 21, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quais fronteiras que separam a criança do adulto? A racionalidade? O
desenvolvimento físico? A maldade? O filme “A Caça” do diretor dinamarquês Thomas
Vinterberg (indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro), através de uma narrativa seca, crua e até brutal, segue o drama de
um professor falsamente acusado de abuso sexual em uma escola infantil como ato
de vingança de uma menina cujo beijo fora delicadamente recusado por ele. A
destruição de reputações e o linchamento moral são meticulosamente abordados: como a mentira pode se espalhar como um câncer
no meio de uma comunidade, destruindo a capacidade coletiva para a razão e
fomentando uma incrível crueldade e o mal em pessoas aparentemente tão
decentes. Mais do que isso, “A Caça” questiona a mitologia da pureza infantil,
discurso mobilizado pelos adultos para legitimar todo um sistema cultural e
moral baseado numa suposta evolução natural da infância à vida adulta.
A infância talvez
seja um dos mitos mais cultivados e protegidos da sociedade. Afinal, é o que
sustenta todo o sistema educacional, cultural e moral: a certeza de que
nascemos e evoluímos física e intelectualmente através do aprendizado, da
educação seja física ou cultural.
Ritos de passagem
para a entrada na vida adulta como demonstrações de destreza, coragem, força
física e domínio intelectual são eventos centrais na sociedade para determinar
essa fronteira que separaria a infância da vida adulta. Mas há momentos em que
essas fronteiras não ficam tão evidentes, principalmente quando as crianças
demonstram ter uma vida psíquica tão intensa quanto a dos adultos com desejos e
fantasias que não conseguem ser explicados pela oposição simplista
verdade/mentira.
domingo, abril 20, 2014
Reality show aponta para nova função social da televisão: a "TV excremental"
domingo, abril 20, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No momento em que
mídias de convergência como Internet e dispositivos móveis ameaçam as mídias
tradicionais, a TV abraça o conceito de “shows de realidade” onde especialistas
nas mais diversas áreas atendem ao pedido de socorro de pais ou casais que não conseguem
dar conta de filhos chiliquentos, cães maníacos, apartamentos entulhados de
bugigangas ou de guarda-roupas que passaram da moda. Para sobreviver a irrupção
das mídias digitais interativas e em tempo real, a TV aponta para uma mudança
de função: de mídia informativa ou de entretenimento, para agenciadora das necessidades psíquicas de sacrifício,
disciplina, vigilância e reenergização dos telespectadores através da violência, funções a que o pesquisador canadense Arthur Kroker conceitua como "TV excremental". O
reality “Socorro! Meu filho come mal” da GNT é um caso exemplar.
Em um fenômeno de
sincronismo, no momento em que terminava a postagem anterior sobre o filme Edtv (clique aqui para ler) e a discussão sobre a função social
do reality show, eis que dou de cara
na TV com o reality da GNT Socorro! Meu
filho come mal comandado pela nutricionista Gabriela Kapim.
Há uma verdadeira
febre na TV a cabo atual de programas reality com especialistas nas mais
diversas áreas, de adestradores de cachorros a educadores infantis, passando personal trainers, personal stylists ou personal
organizers. Super Nanny, Santa Ajuda, Pronto Socorro da Moda etc., variações do gênero reality show sempre com especialistas
que recebem pedidos de socorro de telespectadores que não conseguem dar conta
de filhos mal educados, cães maníacos, apartamentos entulhados de bugigangas ou
de guarda-roupas que passaram da moda.
sábado, abril 19, 2014
A televisão excremental no filme "Edtv"
sábado, abril 19, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao lado de “Show
de Truman”, o filme “Edtv” (1999) de Ron Howard, mais do que antecipar uma TV atual
onde o conceito de reality show contamina de reportagens a programas de
gastronomia e decoração, anteviu uma nova função social - a “TV excremental”.
Uma televisão que há muito abandonou a pretensão de ser uma “janela aberta para
o mundo” para assumir um papel fisio-psicológico: processar os excrementos
psíquicos. Assim como o corpo que depois de ingerir, acumular, metabolizar e
produzir tem que no final excretar para manter o ciclo vital, da mesma forma milhões
de telespectadores necessitam excretar fluxos psíquicos (sacrifício,
disciplina, vigilância e violência) para que o ciclo se renove no dia seguinte após
um dia inteiro de alimentação e trabalho para acumulação de méritos e riqueza
alheia.
Desprezado pela
crítica e pelo público. Esse foi o destino do filme Edtv (1999) do premiado diretor Ron Howard (Oscar de melhor diretor
em Uma Mente Brilhante, 2001) que se
quer chegou a ser exibidos nos cinemas brasileiros. Muitos creditaram o fato
desse filme ter caído no esquecimento à coincidência de ter sido lançado no
mesmo ano de Show de Truman de Peter
Weir: assim como em Edtv, também antecipava a questão dos reality show que, mais tarde, se tornaria um gênero televisivo
mundial.
O sucesso de Show de Truman eclipsou Edtv, mas olhando hoje percebemos que
embora tratem do mesmo objeto, a proposta de discussão é bem diferente:
enquanto Weir contava a história de um protagonista cuja vida foi fabricada
para ser entretenimento de milhões sem ele saber, Howard quer discutir não só a
questão das celebridades instantâneas produzidas pelos reality show como também os destinos da TV em um novo milênio
dominado pela cultura digital em tempo real.
domingo, abril 13, 2014
Como fazer uma notícia para um telejornal
domingo, abril 13, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como o dramaturgo do
Teatro do Absurdo Eugène Ionesco pode explicar o suposto escândalo da questão de uma prova de
Filosofia de uma escola pública que citava a música da Valesca Popozuda? Não só
explica como também fornece um método para a criação de notícias em telejornais:
a estratégia de descontextualização. Mais uma
bomba semiótica onde a fabricação da notícia é ordenada pela organização de
fragmentos díspares em função de uma lógica que parece fazer os pedaços
convergir em direção a um desenlace que já se tem em vista. Como nos romances,
tudo parece ser o presságio de um inevitável abismo para onde o País
caminharia. Uma bomba semiótica cujo efeito é turbinado tanto pelo preconceito de
classe contra o funk quanto pelo jornalismo
metonímico do “Não Vai Ter Copa”.
Como recortar um
elemento do real para apresentá-lo como notícia em um telejornal? Na peça A Cantora Lírica Careca (La Cantatrice Chauve, 1950) Eugène
Ionesco, dramaturgo do Teatro do Absurdo – 1909 a 1994) nos fornece um método
bem interessante que é seguido à risca na atualidade para a montagem de bombas
semióticas. Em primeiro lugar, devemos declarar como “extraordinário” um
conjunto de elementos qualquer:
sábado, abril 12, 2014
Em Observação: A Caça (2012) - o mito da pureza infantil
sábado, abril 12, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filme sugerido
pelo nosso leitor Felipe Resende. Além do mal causado pela pedofilia, essa
disfunção ainda pode ser o pretexto para a sociedade criar o mito da infância
como uma fase idílica e ingênua onde as crianças seriam incapazes de mentir. No
filme “A Caça” o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg está interessado em
dissecar os mecanismos que originam as denúncias e insinuações capazes de provocar
linchamentos e destruição de reputações. E como muitas vezes o mito da pureza
infantil (colocado abaixo há muito tempo pela psicanálise freudiana) é
utilizado hipocritamente para criar válvulas de escape ou bodes expiatórios
para aliviar tensões sociais.
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