O logo da telenovela
“Geração Brasil” da TV Globo traria no seu design uma subliminar sugestão dos
números dos candidatos de oposição ao Governo? Delirante teoria conspiratória?
Prepotência dos jornalistas? Designers e profissionais criativos veem exagero
em tal acusação, já que toda marca produziria espontaneamente associações
visuais, já que para a Semiótica todo signo produziria uma imagem mental.
Posições ideológicas à esquerda, calejadas pela desconfiança em relação à
grande mídia, falam em manipulação subliminar. Mas parece que todas as posições
acabam se tornando vítimas da espiral das interpretações, a doença infantil da
Semiótica. A cura? Desconstruir o logo da telenovela através de técnicas as
mais objetivas possíveis como a de recorrência sincrônicas e diacrônicas,
comutação e Gestalt. E no final descobrirmos que, na verdade, o suposto poder
subliminar do logo não provém dele mesmo. Sua força é alimentada por uma
pararrealidade criada pela TV ao fundir diariamente ficção com não-ficção.
Surge a polêmica entre jornalistas, simpatizantes da esquerda e profissionais de design e criação de que logomarca da novela das 19h Geração Brasil (ou “G3R4Ç4O BR4S1L”) conteria “coincidentemente”
em sua linguagem “internetês” (ou Leet,
para ser mais preciso) os números dos candidatos de oposição: o “40” (PSB de
Eduardo Campos – PE) e “45” (PSDB de Aécio Neves – MG).
O problema de toda
análise semiótica ou gestalt é que, se tomarmos o objeto de forma isolada,
todas as análises podem se cancelarem como meras interpretações subjetivas: se todo
signo cria uma imagem mental no interpretante, logo o que estamos vendo poderia
ser apenas o signo de outro signo da realidade – e o que é “realidade” para a
Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente
pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa
do interpretante.
O velho e bom Roland Barthes pode nos ajudar |
Recorrência busca
repetições, padrões, que por serem recorrentes vão além da mera coincidência,
tornando-se um fato linguístico de significação, um sentido.
Procuremos o
fenômeno da recorrência envolvendo esse logo em dois eixos: diacrônico e
sincrônico.
a) sincrônico
Há pelo menos um mês, desde que saiu o logo definitivo da telenovela, em
muitos sites especializados (que não podem ser propriamente chamados de “blogs
sujos” ou “de esquerda”), leitores postavam comentários sobre a “coincidência” e
a polêmica que isso iria produzir no futuro, como essa do Portal
O Planeta TV de 03/04/2014:
Karla comentou:
Os petistas de plantão vão dizer que tem mensagem subliminar em prol do Aécio Neves e do PSDB no logo, hehehe.
Di Almeida respondeu:
Pior que dá pra ver um "45" no meio da palavra Brasil. Hahaha
Ou
ainda em um blog hospedado pelo UOL:
Zigzang: Até agora gostei muito. Achei apenas que a Globo forçou a barra com aquele 45 no nome da novela na abertura. Não precisava escancarar assim a sua preferência política nesse ano eleitoral.
Temos, portanto, um aspecto sincrônico a favor das
suspeitas sobre esse logo: em diversos sites especializados em TV com viés politicamente neutro (cujos leitores não podem exatamente ser considerados como um público
politizado ou disposto a expor seus posicionamentos em polêmicas políticas) vemos muitos comentários espontâneos que atestam a presença dos misteriosos números, politicamente
significativos no cenário eleitoral atual.
b) diacrônico
"Que Rei Sou Eu": Celulari premeditou Collor de Mello? |
No cenário da primeira eleição presidencial após o
regime militar em 1989 as novelas O
Salvador da Pátria e Que Rei Sou Eu
foram nítidos produtos ficcionais cujos temas no mínimo pretendiam pegar uma
carona na atmosfera política do momento. No primeiro caso, embora a novela de
Lauro César Muniz quase tenha saído do controle da emissora (a própria direção
da TV Globo passou a executar cortes devido ao enfoque politicamente de
esquerda para onde a narrativa caminhava), seu título acabou virando um bordão
político que alimentou um imaginário sebastianista ou messiânico em torno da
figura de Collor de Mello (do caçador de marajá à “única bala que tenho na
agulha” para justificar o sequestro da liquidez do Plano Color).
Já a novela Que
Rei Sou Eu foi mais “ao gosto” da emissora: o jovem revolucionário lutando
contra uma monarquia corrupta (Edson Celulari) foi a preparação imaginária da
chegada de um jovem político desconhecido (aos poucos turbinado em aparições
rápidas como em programas como o do Chacrinha) chamado Collor de Melo. O bordão
“povo de Avilã” passou a ser usado por ele em palanques.
Ainda poderíamos citar a inacreditável mensagem
subliminar em um “selo” (composição de elemento gráfico que identifica
editorias em telejornais) do Jornal da
Globo onde, em pleno “Caos Aéreo” após o acidente da TAM em Congonhas em
2007, aparecia a sigla PT em uma animação que simulava um letreiro de informações
de voos em aeroportos (veja figura ao lado).
Ou ainda o sincronismo da vinheta de comemoração dos
45 anos da TV Globo não só com o número do PSDB como também a letra da música
com os bordões usados pelo candidato Serra nos palanques.
O espaço aqui não permitiria uma extensa lista de
intervenções explícitas e sincronismos mas o plano diacrônico deixa bem claro que
a recorrência desses fenômenos é significativa, principalmente porque parece
ser seletiva: durante os anos 1990, quando as políticas neoliberais de
privatizações no atacado eram hegemônicas, a TV Globo no máximo utilizava
estratégias diversionistas como, por exemplo, o longo tempo dado para o
nascimento da filha da Xuxa no Jornal Nacional em detrimento ao polêmico leilão
de privatização da Telebrás em 1998, colocado em segundo plano naquele dia.
c) Teste de Comutação
Um teste simples sugerido por Roland Barthes para o
analista encontrar as menores unidades de significação em um texto ou imagem:
descobrir a existência de outros signos correlatos dentro do paradigma (no reservatório
de signos disponíveis em uma determinada letra, palavra, frase etc.) e
substituí-los, até encontrar a mudança de significado.
No caso do logo da telenovela global não é
necessário muito esforço: na tabela do alfabeto Leet podemos encontrar os seguintes signos para designar a letra “A”:
4, /\, @, /-\, ^, ä, a . Por que não grafar o logo pelo alfabeto Leet dessa maneira: G3R@Ç@O BR@S1L? Ou
em termos de um design mais elegante sem tantos movimentos em espiral:
G3R/\Ç/\O BR/\S1L?
O teste de comutação demonstra que houve uma escolha
arbitrária dentro de um repertório de signos possíveis. Essa escolha arbitrária
poderia ter sido casual ou motivada por alguma intencionalidade? Uma simples
opção estética do designer ou alguma intencionalidade que perpassou por toda a
cadeia criativa? Essa intencionalidade poderia ser percebida na evolução do
logo: no início ele propunha um conceito totalmente diferente, com a letra “A”
em destaque numa analogia ao símbolo do Anarquismo, já que o plot da novela
lida com jovens e novas tecnologias.
Gestalt e o centro visual do logo
Mas
com uma análise através da Gestalt (chamada psicologia da forma ou o estudo das
maneiras como a mente configura formas através da percepção e visão pelo jogo
figura/fundo) podemos nos certificar que o /4S1/ ocupa praticamente uma posição
central na composição do logo.
Esse
centro ótico aplicaria a lei gestalt de continuidade
ou unificação: é a impressão visual
de como as partes se sucedem através da organização perceptiva da forma de modo
coerente, sem interrupções na sua trajetória. Pode-se considerar uma tendência dos elementos visuais acompanharem uns
aos outros de maneira coerente.
Em uma sequência numérica (/4/ e /1/) entra a letra
/S/. Nessa regra básica de Gestalt nossa mente “corrigirá” a lacuna ou a
interrupção motivada pelo surgimento de uma letra e a transformará em um número
análogo, no caso o /5/. Dessa maneira, é evidente o número /45/ em destaque, no
centro visual do logo.
Pararrealidade
Mas
toda a suposta força de sugestão político-eleitoral dessa estratégia semiótico-subliminar
deve ser contextualizada no momento em que a linguagem televisiva opera um mix
radical entre ficção e realidade (a pararrealidade), que acabam se tornando intercambiáveis (a
ficção pode influenciar a realidade e a realidade oferece temas para a ficção)
de duas maneiras:
a)
No horário nobre praticamente os gêneros ficção e não-ficção se atropelam:
novela sucede telejornal e vice-e-versa praticamente sem intervalos, muitas
vezes confundindo o registro do telespectador ao ver temas do telejornalismo
sendo repercutidos em telenovelas e os telejornais pautando temas que foram
repercutidos por personagens ficcionais novelescos;
b) E
ainda podemos acrescentar a esta questão o aspecto da mudança da qualidade da
imagem da TV e adoção de um padrão homogêneo de imagem. Em tempos da TV em
preto e branco era evidente a passagem da ficção para a não-ficção: nos
telejornais as imagens dos fatos eram granuladas em virtude da limitação
técnica em que imagens externas somente podiam ser captadas em película para,
mais tarde, serem telecinadas no estúdio. Com o advento da TV em cores e das
possibilidades técnicas de efetuar links ao vivo a qualidade das imagens se
padroniza. Do set de gravação das telenovelas ao estúdio de onde são transmitidos
os telejornais e as imagens ao vivo, a iluminação, tonalidade das cores, enfim,
o padrão de telegenia passa a ser idêntico. Há exceções, é claro, como no caso
das imagens cruas e sem tratamento capturadas por vídeos amadores que são
aproveitadas em
telejornais. Mas , no geral a TV esforça-se em homogeneizar o
padrão de qualidade da telegenia de tal forma que, muitas vezes, em um primeiro
olhar, confunde-se fácil o registro de um enquadramento: isso é real ou ficção?
Temos
aqui, portanto, os princípios de uma pararrealidade televisiva onde o
telespectador vive uma transitividade cada vez mais acelerada entre ficção e
realidade. Essa transitividade permite cada vez mais essas contaminações
semióticas que dariam força de propagação a estratégias como essa do logo de um
produto ficcional.
Porém,
a Globo não é mais a mesma. Suas audiências despencam e, mesmo assim, pretende
manter-se abraçada a seu modus operandi,
um cacoete que não perde mesmo quando os cenários estão mudando rapidamente.
Talvez isso seja o sintoma do seu tautismo, doença terminal de todos os
sistemas que de tão complexos e pesados começam a implodir.
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