Oito pessoas,
isoladas no subterrâneo em um mundo pós-guerra química, vivem sob a ameaça de
zumbis mutantes e fantasmas. Mais do mesmo para os fãs de cinema
pós-apocalíptico e de zumbis? Isso é que o “Cinegnose” vai conferir: um filme
de uma época em que o cinema espanhol começa repentinamente a interessar-se
sobre o tema zumbis, ao lado de produções como “REC” e “[REC] 2”, com
interessantes variações sobre o tema. “La Hora Fría” é uma oportunidade para
verificar algumas hipóteses da chamada Cineteratologia – o estudo da morfologia
e natureza dos monstros no cinema como metáfora do espírito de uma determinada
época. Mais um filme indicado pelo nosso leitor Felipe Resende.
La Hora Fría (2006)
Diretor: Elio Quiroga
Plot: Um grupo de oito
pessoas vive isolado em uma instalação subterrânea em ruínas, todos
sobreviventes de uma guerra apocalíptica nuclear. Eles não podem subir à
superfície e vivem em constante estado de vigilância, ameaçados por mutantes
contaminados chamados de “os estranhos”. Os suprimentos de alimentos estão se
esgotando e eles precisam urgentemente de medicamentos e munições , mas, para encontrá-los
devem abandonar a área segura . O que se esconde fora da pequena área que
habitam, no entanto, é tão ameaçador que nem ousam mesmo falar sobre isso. Mas
eles enfrentam uma outra ameaça: “os invisíveis”. Para fugir deles devem se
fechar espécie de quartos refrigerados na “hora fria”. Porém, a ameaça dos
invisíveis cresce, o que obrigará o grupo a subir para a superfície.
Por que
está “Em Observação”? – segundo a crítica,
o filme faz referências a Bruxa de Blair,
O Iluminado e, o mais óbvio, A Noite dos Mortos Vivos.
Em primeiro lugar
o filme interessa ao blog pelo tema cineteratologia,
já abordando na postagem sobre outro filme espanhol de terror: REC
(2007). A cineteratologia é um estudo especializado sobre a morfologia e
natureza dos monstros (a disformidade, o mau, o feio, a informidade etc.) como
metáforas de um espírito de cada época.
Sabemos que a partir dos zumbis de George Romero, os monstros
contemporâneos não se adaptam mais às categorias da monstruosidade clássica
baseada na disformidade. Agora os
monstros são informes: despedaçados
ou se deformando e precisando devorar o outro para se reconstituir. Na
atualidade, o modelo de informidade por excelência é a dos zumbis associados ao
contágio viral. Não são mais nem bons nem maus (ao contrário de Drácula, por
exemplo, que era a encarnação do Mal), mas apenas predadores amorais comandados
por comandos virais ou doenças.
A questão do
contágio e contaminação está presente nesse filme, assim como no seu
contemporâneo espanhol REC.
Discutíamos na postagem sobre esse filme que essa nova estética da monstruosidade
informe seria a expressão estética de um espírito de época marcado pela
financeirização e globalização cujas instabilidades e liquidez impõem a
valorização da mutabilidade, fragmentação, jogo e a neutralização da ética e
moral. Assim como os monstros predadores e virais da pós-modernidade como, por
exemplo, os zumbis raivosos de REC.
Outro fator de
interesse para o blog é o tema dos zumbis. Observando a produção de filmes sobre zumbis
e fazendo uma relação com acontecimentos históricos, políticos e econômicos de
cada período, é claramente observável os picos da presença dos zumbis nos
cinemas no meio dos períodos de crise: durante a grande depressão econômica nos
EUA, Segunda Guerra Mundial, o lançamento do satélite Sputnik pela URSS e o
recrudescimento da Guerra Fria, Guerra do Vietnã e os protestos civis. Podemos
interpretar os zumbis como um sintoma social ou os nossos alter-egos da crise
da sociedade e da cultura na relação com o Outro – ameaça representada pela
anomia, luta de classes, conflitos raciais, a ameaça externa etc.
Podemos também observar que essa associação dos zumbis como escravos ou
resultados de experiências ou acidentes produzidos por poderes irresponsáveis e
arbitrários está presente até “Return of Living Dead” (1985) – nos anos 1970
temos até zumbis escravizados por nazistas em “Shock Waves” (1975).
A partir da segunda metade da década de 1980, os zumbis passam a ser
associados a doenças epidêmicas e a um problema de assepsia, controle sanitário
ou de intervenção sanitária militar – quarentenas, isolamentos etc. Como
podemos perceber no gráfico, coincide com a ascensão da epidemia da AIDS,
recessões sistêmicas globais e a ameaça do terrorismo internacional – um
inimigo invisível e inesperado. O zumbi assume, por isso, a forma de ameaça
viral, epidêmica, com propagação exponencial e incontrolável.
Agora passa a ser mais destacado no visual zumbi pústulas, sangue,
pedaços de carnes que se desprendem. O zumbi parece abandonar a suas origens na
escravidão e colonialismo para ser associado agora ao imaginário da doença e
contaminação.
Por isso interessa-nos conferir como La Hora Fria representa os zumbis
mutantes associados à contaminação nuclear.
O que
esperar do filme? – Críticos apontaram para a engenhosidade do roteiro. O espectador de
inícios não sabe o que está ocorrendo e nem o porquê daquelas pessoas estarem
presas naquele lugar subterrâneo. O diretor Elio Quiroga utiliza a televisão como
o narrador da estória e é ela que dará as explicações que o espectador precisa
a cada momento. Críticas para a “lentidão” para uma narrativa pós-apocalíptica
com zumbis e baixo orçamento limitador. O que para esse blog significa uma
virtude para um filme premiado em festivais do fantástico).