domingo, maio 04, 2014

Em Observação: "La Hora Fría" (2006) - cineteratologia dos zumbis?

Oito pessoas, isoladas no subterrâneo em um mundo pós-guerra química, vivem sob a ameaça de zumbis mutantes e fantasmas. Mais do mesmo para os fãs de cinema pós-apocalíptico e de zumbis? Isso é que o “Cinegnose” vai conferir: um filme de uma época em que o cinema espanhol começa repentinamente a interessar-se sobre o tema zumbis, ao lado de produções como “REC” e “[REC] 2”, com interessantes variações sobre o tema. “La Hora Fría” é uma oportunidade para verificar algumas hipóteses da chamada Cineteratologia – o estudo da morfologia e natureza dos monstros no cinema como metáfora do espírito de uma determinada época. Mais um filme indicado pelo nosso leitor Felipe Resende.


La Hora Fría (2006)

Diretor: Elio Quiroga

Plot: Um grupo de oito pessoas vive isolado em uma instalação subterrânea em ruínas, todos sobreviventes de uma guerra apocalíptica nuclear. Eles não podem subir à superfície e vivem em constante estado de vigilância, ameaçados por mutantes contaminados chamados de “os estranhos”. Os suprimentos de alimentos estão se esgotando e eles precisam urgentemente de medicamentos e munições , mas, para encontrá-los devem abandonar a área segura . O que se esconde fora da pequena área que habitam, no entanto, é tão ameaçador que nem ousam mesmo falar sobre isso. Mas eles enfrentam uma outra ameaça: “os invisíveis”. Para fugir deles devem se fechar espécie de quartos refrigerados na “hora fria”. Porém, a ameaça dos invisíveis cresce, o que obrigará o grupo a subir para a superfície.

Por que está “Em Observação”?segundo a crítica, o filme faz referências a Bruxa de Blair, O Iluminado e, o mais óbvio, A Noite dos Mortos Vivos.

Em primeiro lugar o filme interessa ao blog pelo tema cineteratologia, já abordando na postagem sobre outro filme espanhol de terror: REC (2007). A cineteratologia é um estudo especializado sobre a morfologia e natureza dos monstros (a disformidade, o mau, o feio, a informidade etc.) como metáforas de um espírito de cada época.  Sabemos que a partir dos zumbis de George Romero, os monstros contemporâneos não se adaptam mais às categorias da monstruosidade clássica baseada na disformidade. Agora os monstros são informes: despedaçados ou se deformando e precisando devorar o outro para se reconstituir. Na atualidade, o modelo de informidade por excelência é a dos zumbis associados ao contágio viral. Não são mais nem bons nem maus (ao contrário de Drácula, por exemplo, que era a encarnação do Mal), mas apenas predadores amorais comandados por comandos virais ou doenças.

A questão do contágio e contaminação está presente nesse filme, assim como no seu contemporâneo espanhol REC. Discutíamos na postagem sobre esse filme que essa nova estética da monstruosidade informe seria a expressão estética de um espírito de época marcado pela financeirização e globalização cujas instabilidades e liquidez impõem a valorização da mutabilidade, fragmentação, jogo e a neutralização da ética e moral. Assim como os monstros predadores e virais da pós-modernidade como, por exemplo, os zumbis raivosos de REC.

Outro fator de interesse para o blog é o tema dos zumbis.  Observando a produção de filmes sobre zumbis e fazendo uma relação com acontecimentos históricos, políticos e econômicos de cada período, é claramente observável os picos da presença dos zumbis nos cinemas no meio dos períodos de crise: durante a grande depressão econômica nos EUA, Segunda Guerra Mundial, o lançamento do satélite Sputnik pela URSS e o recrudescimento da Guerra Fria, Guerra do Vietnã e os protestos civis. Podemos interpretar os zumbis como um sintoma social ou os nossos alter-egos da crise da sociedade e da cultura na relação com o Outro – ameaça representada pela anomia, luta de classes, conflitos raciais, a ameaça externa etc.

Podemos também observar que essa associação dos zumbis como escravos ou resultados de experiências ou acidentes produzidos por poderes irresponsáveis e arbitrários está presente até “Return of Living Dead” (1985) – nos anos 1970 temos até zumbis escravizados por nazistas em “Shock Waves” (1975).

A partir da segunda metade da década de 1980, os zumbis passam a ser associados a doenças epidêmicas e a um problema de assepsia, controle sanitário ou de intervenção sanitária militar – quarentenas, isolamentos etc. Como podemos perceber no gráfico, coincide com a ascensão da epidemia da AIDS, recessões sistêmicas globais e a ameaça do terrorismo internacional – um inimigo invisível e inesperado. O zumbi assume, por isso, a forma de ameaça viral, epidêmica, com propagação exponencial e incontrolável.

Agora passa a ser mais destacado no visual zumbi pústulas, sangue, pedaços de carnes que se desprendem. O zumbi parece abandonar a suas origens na escravidão e colonialismo para ser associado agora ao imaginário da doença e contaminação.

Por isso interessa-nos conferir como La Hora Fria representa os zumbis mutantes associados à contaminação nuclear.


O que esperar do filme? – Críticos apontaram para a engenhosidade do roteiro. O espectador de inícios não sabe o que está ocorrendo e nem o porquê daquelas pessoas estarem presas naquele lugar subterrâneo. O diretor Elio Quiroga utiliza a televisão como o narrador da estória e é ela que dará as explicações que o espectador precisa a cada momento. Críticas para a “lentidão” para uma narrativa pós-apocalíptica com zumbis e baixo orçamento limitador. O que para esse blog significa uma virtude para um filme premiado em festivais do fantástico).

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