sexta-feira, maio 16, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para além do
horror diante da barbárie do linchamento de uma dona de casa por vizinhos e até
crianças em Guarujá/SP, o mais perturbador nesse episódio é a ambígua
declaração do governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin, sugerindo que
o ato bárbaro era injustificável porque, afinal, “tudo não passou de boato”- então, se os boatos fossem verdadeiros o linchamento seria justificado? Essa surpreendente declaração para um governador confirmaria as sinistras
previsões de Arthur Kroker e Michael Weinstein nos anos 1990: uma integração
entre Estado, pan-capitalismo e violência sacrificial. O impulso primitivo
amplificado pelas redes digitais seria a fase “interativa” dos rituais de
sacrifício cotidianamente praticados pelos linchamentos midiáticos de
reputações ou dos refugos sociais (desempregados, velhos e pobres) oferecidos
como objeto sacrificial e bodes expiatórios em programas diários de TV. É o
retrofascismo à espera de uma tradução política para, mais uma vez na História,
ocupar o Estado.
“O homem preferirá ainda querer o nada ao nada querer” (Nietzsche)
O trágico episódio
do linchamento da dona de casa Fabiane de Jesus por vizinhos, amigos e até crianças
na cidade do Guarujá/SP provocado por um boato amplificado pela rede social
Facebook poderia ter passado despercebido como mais um caso num cotidiano de
chacinas e violências em bairros pobres e periféricos se não fosse por duas
características e um sintoma importante:
(a) Uma explosão
primitiva de violência motivada por um boato através de uma rede social produto
da alta tecnologia de comunicação digital desse início de século. Tecnologia
digital e primitivismo coexistindo como fossem dois lados de uma mesma moeda;
(b) O boato a
partir de um suposto retrato falado publicado em página do Facebook dava conta
de que Fabiane seria sequestradora de crianças para rituais de magia negra. Se
na sua origem primitiva o linchamento é um impulso sacrificial para esconjurar
o mal em uma comunidade, o episódio tem um quê de estranha ironia: um
linchamento (ritual de sacrifício) para punir uma pessoa que supostamente sequestrava
crianças para rituais que também visam esconjurar o mal ou/e compactuar como
ele;