quinta-feira, dezembro 20, 2012
A necrospectiva do fim do mundo
quinta-feira, dezembro 20, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Talvez essa postagem
jamais seja publicada: o mundo poderá acabar antes. Estamos em meio a uma
contagem regressiva para o fim do mundo que, segundo a profecia maia, seria no
dia 21 de dezembro de 2012. Tal como em 1999 (talvez lá fosse muito pior, pois
estávamos às voltas com uma dupla catástrofe: a bomba informática do “bug do
milênio” e as profecias de Nostradamus), agora temos uma nova contagem
regressiva, dessa vez à base de uma interpretação arbitrária do calendário
Maia, turbinada por filmes-catástrofes de Hollywood como “2012”. Por que essa
necessidade das religiões e do imaginário contemporâneo criarem profecias,
apocalipses e contagens regressivas? Por que essa obsessão “necrospectiva”?
Final de ano é um momento de
retrospectivas que dominam quase totalidade dos conteúdos das mídias. Como todo
tipo de olhar que use o prefixo “retro”, é um misto de nostalgia e compulsão de
colecionador em querer catalogar e organizar o passado. Dessa forma, a
necessidade retrospectiva é um subproduto do pensamento racionalista Ocidental
de tentar encontrar nos eventos recorrências, padrões ou sentido. Lá tentamos
achar lições ou conhecimentos que nos orientem em direção ao futuro.
Mas uma obsessão maior parece
sobrepor esse olhar retro: a Necrospectiva, no sentido dado pelo pensador
francês Jean Baudrillard – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma
contagem regressiva. O futuro transformado em bomba relógio. O tempo não mais
contado aditivamente como nas retrospectivas, mas como subtração começando do
fim nas proféticas necrospectivas (veja BAUDRILLARD, Jean, Paroxism: the end of the millennium or the countdown).
domingo, dezembro 16, 2012
No Terceiro Aniversário uma questão: o "Cinegnose" é um blog "sobre Gnosticismo" ou "Gnóstico"?
domingo, dezembro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O blog “Cinema Secreto: Cinegnose” chega ao terceiro aniversário com a
notícia de que chegamos ao Top 3 dos finalistas do prêmio Top Blog 2012 na
categoria “Arte e Cultura”. Projeto iniciado com as análises dos filmes gnósticos
na dissertação de mestrado, o “Cinegnose” começou com uma linha editorial “sobre
Gnosticismo”: especializado na análise de filmes gnósticos como ponto de
partida para aprofundar temas filosóficos do Gnosticismo. Chegamos ao terceiro
ano expandindo a discussão, dessa vez optando pelo “olhar gnóstico”, resultando numa abordagem mais abrangente
para o Cinema, Audiovisual e Cultura Pop.
Esse mês o “Cinema Secreto: Cinegnose” faz aniversário. Pela
terceira vez! Esse foi o terceiro ano de um projeto iniciado com a dissertação
de mestrado “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na produção
cinematográfica norte-americana – 1995 a 2005”, defendida na Universidade
Anhembi Morumbi. Como sempre, ao final da edição de qualquer produto cultural
(seja um CD, filme, livro ou dissertação) muito material acaba ficando de fora
por absoluta falta de tempo e espaço físico.
Ao final da análise sobre a recorrência de elementos
gnósticos (narrativas, mitologias, símbolos, iconografia etc.) até 2005,
percebi que, na verdade, o objeto da análise estava em constante desdobramento
e evolução: filmes posteriores como “Ilha do Medo” (2010), “A Origem” (2010) e até o brasileiro
“Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) demonstravam que o Gnosticismo era uma
influência cada vez mais presente (explícita ou implícita) em temas e roteiros
fílmicos.
Foi então que ao final de uma das aulas no doutorado da
ECA-USP, a professora Gloria Kreinz sugeriu-me: por que não faz um blog? Seria
uma forma de dar vazão a todo esse material que ficou de fora do inevitável
corte metodológico que todo trabalho científico impõe.
quinta-feira, dezembro 13, 2012
Filme "Capricórnio Um": o pai de todas as conspirações
quinta-feira, dezembro 13, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um clássico dos filmes sobre conspirações. Talvez, o pai de todas as
teorias conspiratórias sobre o programa espacial norte-americano. O filme
“Capricórnio Um” (1977), escrito e dirigido por Peter Hyams, se insere em uma tendência de filmes dos anos 1970 estranhamente perturbadores. Muitos críticos
reconhecem que essa década foi a era de ouro do Cinema com filmes cujas
narrativas são dominadas por atmosferas paranoicas e esquizofrênicas. Um filme
que inspirou todas as futuras teorias conspiratórias e que tornou crível a
possibilidade de que o pouso na Lua jamais tivesse ocorrido. Além do diretor Peter Hyams oferecer uma ótima oportunidade para se discutir a importância fetichista que damos às imagens na cultura contemporânea.
Embora a indústria do
entretenimento norte-americano alimente essas atmosferas desde o pânico em
massa criado pela transmissão radiofônica de Guerra dos Mundos de 1938, o
gênero fílmico noir nas décadas de 1930-40 e a paranoia anti-comunista
simbolizada por filmes sci fi de marcianos invadindo a Terra e corpos humanos
nos anos 1950, foi na década de 1970 que a paranoia alcançou sua maturidade
crítica: não só apontou que havia algo de errado na sociedade mas começou a sugerir
o que estava por trás dela.
“Capricórnio Um” parte de uma
questão que estará por trás de todas as teorias das conspirações até hoje: e se
o maior evento da história recente jamais tivesse acontecido? Essa era a
pergunta nos anúncios promocionais do filme em 1978 onde víamos uma foto com
astronautas do lado de fora de uma espaçonave em uma paisagem marciana fake, rodeados por câmeras e spots de um
estúdio hollywoodiano.
O filme inicia com os últimos
minutos que antecedem o lançamento do foguete “Capricórnio Um” que conduzirá
três astronautas (performados por James Brolin, Sam Waterson e O. J. Simpson)
para o primeiro pouso tripulado em solo marciano. Faltando poucos minutos para
o final da contagem regressiva, os astronautas são secretamente retirados do
interior da cápsula e levados para longe dali, para um hangar abandonado no
meio de um deserto, enquanto o foguete é lançado em direção à Marte sem a tripulação.
terça-feira, dezembro 11, 2012
Réquiem ao cinema e a identidade em "Holy Motors"
terça-feira, dezembro 11, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Surreal, enigmático e
bizarro. Mais do que uma homenagem ao Cinema, “Holy Motors” (2012) do diretor
francês Leos Carax expressa incertezas e temores diante da ruptura digital que
se impõe a uma mídia cuja essência é mito e magia. O medo da obsolescência do “Motor
Sagrado” (o dispositivo cinematográfico) substituído por mundos virtuais onde
tanto os espectadores como diretores poderão ser qualquer coisa, até esquecerem
o que já foram um dia.
Definitivamente o diretor,
crítico e escritor francês Leos Carax (“Les Amants Du Pont-Neuf”, 1991; “Pola X”, 1999; “Tokyo”, 2008) não mantém uma
boa relação com a produção cinematográfica e o futuro digital do Cinema. Quando
sua última produção, “Holy Motors”, foi exibida este ano no Festival de Cannes
o ator Denis Lavant (que interpreta o protagonista Mr. Oscar) afirmou que o filme era “uma declaração poética do amor sobre a espécie
humana”. Prontamente, Carax se opõe: “Não é nada disso, mas tudo bem!”. “Mas
você não explica suas intenções narrativas aos atores antes de filmar?”,
perguntou um jornalista em Cannes. “Eu nunca trabalho com pessoas que
necessitem disso. Eu não trabalho com pessoas que me façam perguntas. Esse é o
problema de eu estar falando com você”, responde Carax de forma corrosiva ao
jornalista. (veja “Holy
Motors: the weird world of Leos Carax”
in: The Guardian 27/09/2012).
Muitos críticos especulam que o
enigmático “Holy Motors” é uma exuberante homenagem ao Cinema que ele tanto
ama, desde os tempos quando escrevia crítica cinematográfica. De fato, é um filme
sobre cinema, uma grande metalinguagem que faz lembrar “Império dos Sonhos”
(Inland Empire, 2006) de David Lynch. Porém, “Holy Motors” está muito mais para
um réquiem do que uma homenagem ao Cinema. Carax nos fala sobre os destinos do
Cinema na era digital e da Internet, da ameaça da obsolescência do dispositivo
cinematográfico, o “motor sagrado” do título.
sexta-feira, dezembro 07, 2012
Niemeyer e Brubeck: a morte da utopia da "arte total"
sexta-feira, dezembro 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em meio à influência
do cartesianismo de Le Corbusier e Bauhaus no Palácio do Itamarati, Oscar
Niemeyer inseriu a sensualidade e força ascendente de uma escadaria interior
que reinventou a vanguarda. O riff de piano sincopado, quase sinistro, de “Take
a Five” acompanhado por uma misteriosa linha de saxofone que flutuava sobre o
ritmo 5/4 igualmente foi outra reinvenção, dessa vez de Dave Brubeck no Jazz. A
morte desses dois artistas no mesmo dia tem um significado altamente simbólico,
sincromístico: não foi apenas a morte de dois grandes expoentes nas suas
respectivas áreas de atividade – arquitetura e música – mas o desfecho ao mesmo
tempo de uma era e da utopia que sustentou todo o movimento modernista do
século XX: a “obra de arte total”, a utopia romântica de que a arte abandonasse
o estéril esteticismo e fosse capaz de fazer uma síntese entre o artístico e o
social.
Leveza e elegância. Assim pode
ser definida a arte tanto de Niemeyer quanto de Brubeck, menos por uma suposta
“poesia do concreto” ou pelo “jazz branco” como alardeiam os obituários
midiáticos e muito mais pelo excelente paradoxo que eles representaram: diferente
das vanguardas artísticas tradicionalmente agressivas e arrogantes, eles
conseguiram conciliar a invenção dentro da tradição. Niemeyer inseriu a curva,
sensualidade e imaginação no cartesianismo das linhas retas e angulosas de Le
Corbusier e Mies Van Der Rohe, enquanto Brubeck inseriu métricas inspiradas em
músicos de rua da Turquia (quando da excrusão com o seu Quarteto naquele país na década de 1950) no jazz tradicional do tempo 3/4 ou 4/4, métricas características da valsa.
Como típicos artistas
representantes do ideário modernista, viam nas suas artes muito mais do que um
diletante esteticismo, mas buscavam a obra de arte total capaz de integrar arte
e vida, estética e sociedade.
quarta-feira, dezembro 05, 2012
A dialética da família: de "Charlie e Lola" aos "Simpsons"
quarta-feira, dezembro 05, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O irmão mais velho
assume a imagem de mentor outrora ocupada pelos pais; duas meninas demonstram
poder desenvolver valores sem a necessidade de qualquer tipo de influencia de
adultos; e em outro caso um personagem no papel de pai cuja autoridade é
rebaixada pela sua absoluta incapacidade de lidar com as tecnologias que o
cercam. Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi desenvolvida por alunos da
graduação da Escola de Comunicação encontra nas animações infantis, adolescentes
e adultas a recorrência não só do desaparecimento simbólico ou mesmo literal da
figura dos pais como, também, do anacronismo ou deficiência em desempenhar os
papéis que deveriam ocupar na formação social dos filhos. Além disso,
personagens e narrativas expressariam a chamada "dialética da família" contemporânea: a crítica à autoridade patriarcal como anacrônica e autoritária
ao lado de um modelo familiar igualitário e liberal foram historicamente
emancipadores, mas, por outro lado, expôs as novas gerações às insidiosas e
sedutoras novas formas de manipulação.
Em postagem recente intitulada
“Por que os pais desapareceram do imaginário infantil?” discutíamos como o
anacronismo da família como agencia socializadora, suplantada pela indústria
cultural das celebridades e entretenimento ao oferecer novos modelos de
“super-pais”, estava sendo representado por animações infantis onde se verifica
uma significativa recorrência de situações onde os pais desaparecem
simbolicamente e até mesmo fisicamente.
O grupo de estudantes formados
por Ana Lucia Borsari, Eduardo Gomes, Laryssa Valverde, Leonardo Salles e
Nicolas Gomes da graduação da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi
Morumbi (UAM/SP) decidiu então aprofundar a discussão do post em um trabalho de
iniciação científica para a disciplina Estudos da Semiótica, procurando matizar
as animações em três tipos de públicos: infantis, adolescentes e adultos.
Respectivamente, o universo da pesquisa foram “Backyardgans”, Charlie e Lola,
Pink, Dink Doo”e “Milly e Molly”; Os Flintstones e os Jetsons; e o último grupo
“Os Simpsons” e “Uma Família da Pesada”.
sábado, dezembro 01, 2012
Um sci fi comunista: "Aelita - A Rainha de Marte"
sábado, dezembro 01, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Sigam nosso exemplo camaradas! Unam-se numa família de trabalhadores, numa União Marciana de Repúblicas Socialistas Soviéticas”, brada o herói em um levante de operários nos subterrâneos de Marte contra uma espécie de totalitarismo czarista de outro mundo. Considerado o primeiro filme de ficção científica soviético, “Aelita - Rainha de Marte” (1924) é na verdade um anti-sci fi. Os revolucionários bolcheviques já se consideravam o futuro e a vanguarda, não precisavam de filmes sobre futuros utópicos. Como pretende demonstrar no filme, a utopia sobre viagens espaciais somente poderia ser uma excrescência do individualismo burguês. Mas ironicamente “Aelita” acabou influenciando clássicos do expressionismo alemão como “Metrópolis” e séries das futuras matinês dos cinemas norte-americanos como “Buck Rogers”. Também "Aelita" vai inaugurar o imaginário sobre Marte e a paranoia das invasões no secúlo XX.
domingo, novembro 25, 2012
O homem prisioneiro do tempo em "Matadouro 5"
domingo, novembro 25, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme “Matadouro 5” (Slaughterhouse Five, 1972) é um dos mais niilistas e desesperançados
filmes gnósticos: sem saída, o homem é prisioneiro no tempo e condenado por alienígenas a repeti-lo por toda a eternidade. O que torna o filme
“Matadouro 5” um clássico dos filmes com temática gnóstica é que ele inicia uma
crítica metafísica de fatos que tradicionalmente são abordados pelo viés da
crítica política ou social. No filme, a guerra não é mais enquadrada pela
crítica ideológica ou política, mas, agora, como mais um fato dentro de um
absurdo plano cósmico levado a cabo por demiurgos alienígenas.
sexta-feira, novembro 23, 2012
A máfia midiática elimina o Estado em "Generation P"
sexta-feira, novembro 23, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Che Guevara ensina
lições sobre o novo capitalismo e o marketing moderno em meio a viagens
lisérgicas e místicas de um protagonista que tenta se adaptar à Rússia
pós-comunismo. “Generation P” (2011) do russo Victor Ginzburg consegue fazer
uma adaptação de um livro considerado impossível de ser transposto ao cinema: “Babylon”
do escritor Viktor Pelevin. Ginzburg faz uma espécie de revisionismo da recente
história russa pós-comunismo sob o irônico título “Generation P” – o “P” de Pepsi-Cola
referindo-se àqueles que abraçaram o produto como o gosto oficial da nova
liberdade. Na verdade, Ginsburg mostra um verdadeiro circo onde misticismo e
religião se misturam com imagens midiáticas geradas com recursos digitais por
profissionais egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa
máfia que, secretamente, controla o Estado e define os destinos da Rússia.
Em 1997 o Barry Levinson dirigiu
“Mera Coincidência” (Wag The Dog) onde um presidente norte-americano às
vésperas da reeleição envolve-se em um escândalo sexual na Casa Branca. O staff do presidente contrata um produtor
de Hollywood para criar uma fictícia guerra com a Albânia para, através de
recursos de marketing e edição digitais de vídeos, fazer a mídia morder a isca
e repercutir uma guerra fake que desvie a atenção da opinião pública do
escândalo sexual.
“Generation P” do russo Victor
Ginzburg é mais radical: e se o próprio Estado e todos os seus eventos
políticos (corrupção, atentados e guerras) forem fake? Isto é, e se os eventos políticos ou o próprio Estado não
passarem de imagens midiáticas geradas com recursos digitais por profissionais
egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa máfia que,
secretamente, define os destinos da Rússia? Presidentes, políticos e ministros
nada mais seriam do que os próprios componentes dessa máfia que foram
escaneados e inseridos digitalmente nos noticiários, propaganda política e
eventos reais produzidos cinematograficamente. E tal escaneamento ocorreria
dentro de um ritual antigo babilônico a Ishtar, deusa do amor!
segunda-feira, novembro 19, 2012
A angústia da existência no filme "eXistenZ"
segunda-feira, novembro 19, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se Basilides (um dos primeiros professores
gnósticos em Alexandria, Egito, no século II da Era Cristã) fizesse um filme,
certamente teria sido “eXinstenZ” (1999). Um filme onde o canadense David
Cronenberg leva a relação entre o homem e a tecnologia ao limite do niilismo, do
vazio e da angústia. Não tanto pelo fato das fronteiras entre real/virtual e
verdade/ilusão desaparecerem em um sofisticado jogo virtual. Mas pela forma
como um jogo transforma-se em fetiche erótico e religioso pelo marketing de uma
poderosa corporação, impedindo a transcendência espiritual: de que a própria
existência transforme-se em eXistenZ.
Basilides nutria uma radical desconfiança em relação à linguagem porque a verdade sobre Deus estaria além do
conhecimento humano: a linguagem não conseguiria apreender a
plenitude e o eterno porque nela o
homem torna-se obcecado em apreender as qualidades do devir nomeando-as através
de conceitos e palavras estáticas uma realidade que é difusa, fluída, relativa. Preso
nessa intransitividade entre os sistemas simbólicos e Deus, o homem se tornaria
prisioneiro dos próprios conceitos e palavras, não conseguindo ouvir, dentro de
si, a reminiscência do Uno, do Pleroma, da plenitude original que o uniria a
Deus.
Na
modernidade essa angústia gnóstica é secularizada principalmente pela Filosofia
existencialista, por exemplo, em Heidegger: o conceito de “Deus” é transformado
em “Ser” e a angústia humana está na impossibilidade de apreendê-lo em seu
sentido por meio de expressões ou enunciações. A impossibilidade da apreensão
ôntica do Ser joga o ser humano na existência: o “ser-aí”, “o ser-no-mundo” ou
o “ser-para-a-morte”.
“eXistenZ” de Cronenberg transpõe essa angústia tanto
gnóstica como existencialista para a discussão tecnológica: poderá o
desenvolvimento tecnológico em sua interface final (a biotecnologia onde corpos
e máquinas se integram por meio da informação) finalmente resolver essa
angústia de séculos de religião e filosofia? A virtualização tecnológica por
meio de jogos cada vez mais realistas baseados na interatividade e imersão dos
jogadores poderá traduzir a verdadeira natureza do Ser como jogo onde as ações
dos participantes é regida pelo princípio da aleatoriedade?
quinta-feira, novembro 15, 2012
O Mensalão e a agenda setting: a "Matrix" na prática
quinta-feira, novembro 15, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Muito discutida e ainda pouco compreendida, a essência do filme “Matrix”
(a hipótese da virtualidade do real) talvez já esteja presente no nosso
dia-a-dia mais do que imaginamos. A pesquisa “Agenda Setting e a Cobertura dos
Casos Mensalão e Cachoeira” feita por estudantes de jornalismo da Universidade
Anhembi Morumbi São Paulo como conclusão do curso “Estudos da Semiótica”
apresenta a constatação de que a mídia corporativa não tem mais o poder de
eleger presidentes ou forçar impeachments como no passado, mas ela é eficiente em estabelecer pautas e agendas
como a do atual julgamento do chamado “Mensalão”. Se a hipótese da agenda setting for correta, o que chamamos de “realidade”
poderia ser uma construção a partir de
percepções e cognições fornecidos por um ambiente midiático em que vivemos.
Virtuosismo tecnológico, capas
pretas, bullet time e todo o visual
ciberpunk marcaram as representações dos mundos virtuais em filmes como
“Matrix”: humanos enredados nos véus da ilusão criada por
computadores/demiurgos que nos escravizam. Mas descontando todo esse
sensacionalismo hollywoodiano em torno da hipótese da virtualidade do real,
podemos nos surpreender ao descobrir que a essência do tema de Matrix já está
presente em nosso dia-a-dia, tão diluído nos temas das nossas conversas e na
indústria de informação e entretenimento que nem nos damos conta: mais do que
uma figura retórica, já há muito tempo experimentamos a Matrix na prática!
Isso é
o que demonstra a pesquisa “Agenda Setting e a Cobertura dos Casos Mensalão e
Cachoeira”, trabalho de conclusão da disciplina Estudos da Semiótica da Escola
de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi – UAM/São Paulo (veja video abaixo). O grupo formado
pelos estudantes da graduação em Jornalismo Ana Carolina Cassiano, Cainã Ito,
Camila Albino, Gustavo Carratte e Renata Corona analisou as capas e primeiras
páginas dos principais veículos de imprensa de alcance nacional e chegou a uma
constatação empírica: até o início do segundo semestre o foco dos veículos como
jornais “O Globo”, “Folha de São Paulo”, “O Estado de São Paulo” e de revistas
como “Veja”, “Isto É” e “Época” “estava concentrado nas repercussões das
denúncias envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira. O julgamento do
chamado Mensalão ainda era pouco comentado”.
segunda-feira, novembro 12, 2012
Os idosos nada têm a dizer na mídia
segunda-feira, novembro 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quando o
envelhecimento e a morte deixam de ser simbolicamente incorporados na cultura
por meio de religiões e filosofias, o discurso midiático parece insistentemente
querer demonstrar que a velhice não existe, que é tudo uma questão de atitude
psicológica. Gerontologia, geriatria, engenharia genética e todo um aparato
tecno-científico é atualmente mobilizado para, associado à mídia, apresentar
sensacionais “lições de vida” e “superações”: idosos em praticas e comportamentos
análogos ao dos jovens criando não apenas uma aversão aos processos naturais de
envelhecimento mas, principalmente, a crise da função dos idosos como “elo
geracional”: a transmissão de sabedoria e conhecimento acumulados em uma
existência.
sábado, novembro 10, 2012
Sintoma e verdade nos zumbis
sábado, novembro 10, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por que pessoas
fingem-se de mortos que se arrastam pelos centros urbanos do mundo, famintas
por cérebros e sangue dos vivos? Como interpretar um flash mob como o “Zombie Walk” onde centenas de
pessoas se transformam em realísticos zumbis, há onze anos espalhando-se por diversas
capitais do mundo? Desde as lendas afro-caribenhas de pessoas que retornam do
mundo dos mortos como assustadoras sombras de si mesmas até a recorrência dos
mortos vivos no cinema, o fascínio pelos zumbis já produziu uma razoável
bibliografia de pesquisadores que chegam a vê-los como um objeto de estudo
etnográfico. Mas é inegável que os mitos e lendas dos zumbis possuem uma dupla
dimensão: de um lado são sintomas de crises sociais e, do outro, possuem um
momento de verdade ao fazer nos lembrar da condição humana nesse mundo.
O flash mob “Zombie Walk” vem nos últimos anos ganhado cada
vez mais espaço na mídia e seus participantes aprimorando cada vez mais no
realismo das maquiagens e máscaras, trôpegos arrastando suas fantasias
lentamente através de centros urbanos pelo mundo. No evento surgido em 2001 na
Califórnia e que rapidamente se espalhou pelo mundo, vemos centenas de humanos
fingindo-se de mortos que apodrecem enquanto lançam olhares e gestos ameaçadores
para os desavisados, como se quisessem comer uns aos outros. Por que queremos
fazer tais coisas? Por que os zumbis ou mortos vivos acabaram se tornando uma
fantasia cinemática tão recorrente a ponto de produzir uma razoável
bibliografia de pesquisadores que chegam a tratá-los como objeto etnográfico?
Se olharmos atentamente a história da lenda dos zumbis, suas
origens e desenvolvimento até chegar no cinema e na mídia, perceberemos que ela
claramente apresenta duas dimensões: como sintoma social (conflitos de raça e
classes) e como arquétipo, isto é, como um simbolismo do inconsciente coletivo
que se filia ao imaginário dos autômatos, fantoches e bonecos como
representação da condição humana nesse planeta.
quinta-feira, novembro 08, 2012
O espelho global no safári africano do Tocantins
quinta-feira, novembro 08, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O projeto de um parque
temático milionário em pleno Tocantins (Out of África Brasil) promete trazer leões, rinocerontes,
antílopes, entre outros, das savanas africanas para um safári no cerrado brasileiro.
Definitivamente o Brasil se insere no imaginário da Globalização onde eventos,
geografias e culturas se desterritorializam para circular pelo mundo ao sabor
dos fluxos financeiros e midiáticos. Nesse imaginário os simulacros do “real” e
do “selvagem” parecem ter uma única função: tal qual uma transfusão de sangue,
injetar hiper-realidade em um real cujo sentido se enfraquece - o “selvagem” se
humaniza como um espelho da nossa própria desumanidade: o parque temático
selvagem torna-se mais “real” quanto mais é centrado no “show” da luta dos
predadores e presas como lição moral para a nossa “realidade”.
"Brasil e África se juntam depois de milhares de anos que uma
fissura nas placas tectônicas transformou o que hoje são dois continentes com
características tão semelhantes. Agora já podemos sentir o coração de África no
Tocantins." Essa é uma frase retirada do vídeo promocional de um projeto
de trazer para o meio do Tocantins um típico safári africano. No projeto orçado
em 350 milhões de dólares, em uma reserva de 100 mil hectares seriam colocados
mais de 400 indivíduos de espécies como leões, leopardos, elefantes e búfalos.
Em pleno cerrado brasileiro teríamos animais vivendo como nas savanas africanas
(clique aqui para ler a notícia).
É muito curiosa essa associação entre o deslocamento das placas
tectônicas que separaram os continentes por forças magnéticas do interior da
Terra e um investimento milionário que pretende reunir novamente África e
América do Sul através de um parque temático. Se no passado a deriva dos
continentes separou, agora a energia eletromagnética e espectral da indústria
do entretenimento vai unir.
Mas será que vai unir mesmo? Ou há uma semelhança irônica desses dois
fatos separados no tempo? Em outras palavras, e se no safári do Tocantins
estivermos experimentando o mesmo fenômeno de descolamento e desconexão do
passado? Continentes foram arrastados pelas forças internas do planeta; hoje
culturas e geografias são transformadas em signos pelas forças midiáticas e do
marketing para se deslocarem para pontos distantes das suas origens.
domingo, outubro 28, 2012
"Deus é meu inimigo!"
domingo, outubro 28, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Crianças são
imprevisíveis, principalmente no que pensam e falam. Suas impressões e tiradas
são muitas vezes surpreendentemente cortantes pela sinceridade e concisão.
Ideias que para os adultos já são tão evidentes em si mesmas que passam batidas
e sem exigência de reflexão, para uma criança que as conhece pela primeira vez
muitas vezes são motivos de estranhamento. Uma delas é a ideia de “Deus”. Outro
dia, meu filho Gael demonstrou toda sua estranheza: “O Deus é meu inimigo!”,
disparou. O que está por trás dessa afirmação de uma criança de quatro anos em
um universo lúdico povoado de super-heróis como Homem Aranha e Ben 10, seus
preferidos?
Um dia Gael virou para minha esposa e falou com convicção: “O Deus é
meu inimigo!”. “Mas o que Ele te fez?”, perguntou Tatiane pega de surpresa com uma
afirmação tão dura. “Todos têm medo do Deus. Eu só tenho medo dos meus inimigos
e vilões. Então, o Deus é meu inimigo”, concluiu em um evidente silogismo aristotélico.
A aproximação dos termos “inimigos” e “vilões” torna claro que Gael não se
referia a inimigos pessoais, mas os vilões dos super-heróis com os quais ele se
identifica. Um herói teme seus inimigos (o início da sabedoria dos
super-heróis) para depois encontrar o ponto fraco e vencê-los.
O que me surpreendeu foi a sua concepção de Deus como uma
entidade punitiva e grave que impõem respeito através do medo. Gael não estuda
em uma escola religiosa, mas pedagogicamente crítica, construtivista e laica.
Certamente tal concepção não foi passada diretamente em aulas de religião,
catecismo ou mesmo Filosofia. Se ele não recebeu essa concepção de Deus de
forma doutrinária ou religiosa, só pode ter apreendido indiretamente dentro do
contínuo cultural no qual estamos imersos.
quarta-feira, outubro 24, 2012
A sedução pelas imagens em "Saneamento Básico, O Filme"
quarta-feira, outubro 24, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A burocracia da
administração das verbas públicas municipais coloca moradores de uma pequena
cidade em uma situação inusitada: a única solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema do esgoto a céu aberto é a
produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio problema real. A questão é que os moradores não têm a menor
noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”. “Saneamento
Básico, O Filme” (2007) de Jorge Furtado não só faz uma didática e divertida metalinguagem
sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade
de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como
fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.
Que vivemos na sociedade das imagens, isso é um consenso
desde Guy Debord com o seu livro “Sociedade do Espetáculo” que descreve o
espetáculo difuso como um modo capitalista de organização social que resulta em
alienação e a transformação dos homens em simples coisas por meio das
mercadorias. Desde Debord, a imagem é sempre vista através do viés do
parasitismo, isto é, como uma imensa fantasmagoria que não nos deixaria
compreender as verdadeiras necessidades humanas e espirituais.
Imagem seria ideologia, falsa-consciência, fetiche, mentira
ou manipulação.
Mas, e se distinção que subjaz neste enfoque tradicional
(imagem/referente, verdade/mentira, real/ilusório) desaparecesse na sociedade
do espetáculo contemporânea? Explicando melhor: e se graças à onipresença das
linguagens midiáticas e da criação de um “contínuo midiático atmosférico” a
imagem se confundir com a própria realidade a tal ponto que o primado das
imagens deixasse de ser apenas uma fantasmagoria, mas a própria estrutura
constitutiva da realidade? Ou seja, para o indivíduo as antigas distinções
entre ilusão e realidade pouco importariam, já que a imagem produz efeitos tão
reais quanto as demandas ontológicas do mundo real.
Complicado? Pois o filme brasileiro “Saneamento Básico, O Filme”
apresenta uma narrativa ao mesmo tempo hilária e didática sobre essa perversa
evolução da sociedade do espetáculo.
Produção da Casa de Cinema de Porto Alegre e dirigido por
Jorge Furtado, o filme nos apresenta uma narrativa que se passa numa simplória
e bucólica comunidade de imigrantes italianos no interior do Rio Grande do Sul.
Marina (Fernanda Torres) e Joaquim (Wagner Moura) lideram uma mobilização de
moradores em defesa da construção de uma fossa para abrigar o esgoto local que
corre a céu aberto.
domingo, outubro 21, 2012
O Mal pune desobedientes em "Um Olhar do Paraíso"
domingo, outubro 21, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Centrada
na estória de uma menina que foi assassinada e observa sua família e seu
assassino do “céu” (não propriamente, mas de um limbo entre a terra e o céu), a
adaptação do romance “Lovely Bones” de Alice Sebold esquece a inteligência e a
intrincada estória do livro e confina a experiência do sagrado na célebre
fantasia-clichê hollywoodiana da “quebra-da-ordem-e- retorno-a-ordem”: quem
transgride a Ordem deve ser punido! Assim é “Um Olhar do Paraíso” (Lovely Bones, 2009)
Como
já abordamos em postagens anteriores (veja links abaixo), a chamada experiência
do Sagrado tal qual compreendida pelo mainstream
midiático da atualidade consiste numa espécie de teologia secularizada: uma
experiência que seria originada na percepção ou descoberta intuitiva súbita que
o indivíduo teria de uma conexão com uma “ordem maior”, com uma totalidade
cósmica ou divina.
Descontínuo
e marcado para morrer, para o homem a Verdade não estaria na experiência individual, mas na
liquidação de qualquer perspectiva particular em nome de uma Totalidade (“Somos
todos Um”, o totalitário slogan New Age).
Nessa
perspectiva, esse Sagrado enquanto teologia secularizada, teria duas “funções”:
adaptar de forma violenta o indivíduo às totalidades sociais (ordem
corporativa, política, moral etc.) e trazer racionalização e conforto à dor e
sofrimento individuais decorrentes dessa adaptação forçada (mostrar ao
indivíduo que ele é insignificante diante dos desígnios maiores do Cosmos).
Como
no filme Juventude
Transviada (Rebel Without
a Cause, 1955) onde o personagem de James Dean (Jim Stark) olha
para as estrelas do Planetário e diz que vem sempre para lá para, ao contemplar
a imensidão do universo, perceber como seus problemas são insignificantes.
Da
mesma forma, Um Olhar do
Paraíso confina a
experiência do sagrado a sucessivas experiências de punições dos personagens
por transgressões da Ordem. E o filme segue essa fantasia-clichê de forma
surpreendentemente rígida e esquemática no melhor estilo dos filmes que
envolvem adolescentes nos gêneros terror ou thriller. Se não, vejamos.
sexta-feira, outubro 19, 2012
O futuro do cinema e do real em "S1m0ne"
sexta-feira, outubro 19, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Uma estrela
digitalizada! Sabe o que isso significa? Vamos entrar em uma nova dimensão: nossa capacidade de criar
uma fraude ultrapassou nossa capacidade de detectá-la” Depois de escrever o
roteiro de “Show de Truman” Andrew Niccol escreveu, dirigiu e produziu “S1m0ne”
(2002) para aprofundar ainda mais a questão lançada no filme anterior. Se em “Show
de Truman” tínhamos um mundo falso criado para aprisionar uma pessoa, em
“S1m0ne” Niccol fez o inverso: a criação de uma pessoa falsa para enganar e
seduzir todo o mundo.
Andrew Niccol
demonstra uma afinidade com temáticas relacionadas aos impactos sociais das
mídias e novas tecnologias. Antes, escreveu os roteiros de “Gattaca” (1997) e “Show
de Truman” (1998), filmes que, respectivamente, discutiam a ética e o impacto
humano na manipulação genética e a hipertrofia do gênero televisivo reality
show. Uma olhar para o impacto da tecnologia através de simbolismos
cabalísticos, alquímicos e gnósticos. Dessa forma, Niccol pertence a uma
geração de roteiristas e diretores que, a partir da década de 1990, participam
de uma espécie de guinada metafísica de Hollywood já discutida em postagem
anterior (veja links abaixo): Darren Aronofsky (“Pi” – 1998 e “Fonte da Vida” –
2006), Charlie Kaufman – “Quero Ser John Malkovich” – 1999 e “Brilho Eterno de
Uma Mente Sem Lembranças” – 2003) entre outros.
Em “S1m0ne” Niccol
faz uma irônica projeção do futuro do cinema com as tecnologias digitais onde a
virtualização poderia chegar às raias da fraude e também uma forma mística de
transcendência espiritual para escapar da “irracional fidelidade à carne”, como
declara o protagonista em uma das linhas de diálogo do filme.
domingo, outubro 14, 2012
Físicos tentam provar que vivemos na "Matrix"
domingo, outubro 14, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Cientistas da
Universidade de Bonn, Alemanha, estão levando a sério a hipótese de que o nosso
universo poderia ser uma gigantesca simulação de computador ao melhor estilo “Matrix”.
Liderados pelo físico Silas Beane, tentam encontrar a “assinatura cósmica”
dessa simulação e a natureza da nossa “visão restrita” que nos impediria de
percebermos essa virtualidade do real. Para superar essa “visão restrita”
tentam criar uma simulação de nosso universo simulado (uma espécie de
meta-simulação), o que faria lembrar não só filmes como “O Décimo Terceiro
Andar” (1999) e “Matrix” (1999), mas também a cosmologia gnóstica e o Princípio
da Correspondência do Hermetismo e Alquimia da antiguidade em Alexandria.
Alguma outra civilização teria alcançado a capacidade de
produzir computadores tão poderosos que teria desenvolvido simulações do
próprio universo em que habita. E nós poderíamos estar vivendo em uma dessas
simulações, reproduzindo a mesma trajetória que os nossos “criadores”
trilharam. Se na atualidade vemos um número crescente de usuários imersos em
mundos virtuais como “Second Life”, “SimCity” e “World of Warcraft”, isso representaria
o início dessa trajetória que nos conduziria à mesma capacidade de projetar
simulações.
Essas ideias não saíram de um roteirista de sci fi, mas do
filósofo e matemático professor da Universidade de Oxford Nick Bostrom,
sugerido em um artigo em 2003 e sustentado apenas por uma fórmula probabilística que seria
essa:
Onde:
- fp é a fração de todas as civilizações humanas que alcançaram a capacidade tecnológica de produzir programas simuladores de realidade;
- “N” é a média de simuladores ancestrais funcionando pelas civilizações mencionadas em fp;
- “H” é a média do número de indivíduos que viveriam em uma civilização antes dela estar hábil a criar simuladores de realidade;
- “fsim” é a fração de todos os humanos que vivem em realidades virtuais.
Pois “H” terá um
valor tão grande que, pelo menos, uma das três aproximações será verdadeira:
fp ≈ 0
N ≈ 0
fsim ≈
0
Apesar da fórmula que dá um aspecto de cientificidade, a
hipótese de Bostrom era principalmente filosófica e poucos ousariam a dar
continuidade a uma ideia como essa. Até ser noticiado que uma equipe de físicos
teria afirmado que seria possível confirmar ou não essa hipótese, bastando
encontrar uma “assinatura cósmica” (clique aqui para ler a notícia). E os pesquisadores já teriam uma descrição do que
seria essa “assinatura”.
sexta-feira, outubro 12, 2012
Os Cátaros, Paulo Coelho e o turismo esotérico
sexta-feira, outubro 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Escalar uma "montanha
mágica" nos Pirineus para encontrar a fortaleza dos heréticos Cátaros do século
XII. O problema é que, para eles, toda a suposta beleza dos céus e da Terra era
“obra de um demônio”. Mas para um turista esotérico isso não importa: a jornada
descrita pelo famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho confirma
os principais mitos dessa agenda “new age” cujo imaginário criou um subgênero
na indústria do turismo. Os mitos dessa jornada: Os “Sinais”, O “Todo”, Os “Lugares
Especiais” e O “Antigo”.
Em uma das minhas visitas à cidade de Santos (meus pais
moram lá) me detive diante de uma banca de jornal e parei na primeira
página do jornal “A Tribuna de Santos”. Era domingo, dia em que o jornal vem
com o suplemento “ATrevista”, uma revista de variedades culturais, culinárias e
dicas de compras. Temas bem amenos para um típico domingo santista ensolarado e
quente. Folheando a revista, perdido entre receitas culinárias e páginas
publicitárias, encontro uma coluna do famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho intitulado “Montanha Mágica”
(clique aqui para ler).
O texto começa com uma típica descrição turística sobre “uma
das as mais belas regiões do mundo”, Languedoc nos Pirineus e Sudoeste da
França. “Mas foi nesse lugar magnífico que nasceu a
primeira grande “heresia” europeia: o catarismo. Muitos livros foram escritos
sobre o tema, entretanto, é possível resumir a filosofia cátara numa simples
frase: o universo foi criado pelo demônio. Toda esta beleza aparente é uma obra
diabólica.” Uauuu! Que tema para um domingo de sol e praia!
Para quem não
sabe, os Cátaros foram os responsáveis pelo reaparecimento do Gnosticismo na
Europa no século XII, esparramados pelo Sul da França, Languedoc, Catalunha e
norte da Itália. Foi um movimento cristão considerado herético pela Igreja, com
forte paralelo com os gnósticos do princípio da era cristã, mais precisamente
com o dualismo de Mani (viveu no Irã no século III) que sustentava que o cosmos
seria dividido por dois poderes opostos: o Bem e o Mal, o verdadeiro Deus e o
Demiurgo, uma divindade decaída e enlouquecida com o próprio poder que nos
aprisiona em um universo físico corrompido.
sábado, outubro 06, 2012
O mundo que nos expulsa no filme "Lugares Comuns"
sábado, outubro 06, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filósofo alemão Hegel dizia que “a coruja de Minerva somente levanta voo ao entardecer” numa alusão à esperança de que a Razão ganhe força em momentos de crise e obscurantismo. E se a Razão falhar? Então, seremos expulsos desse mundo. Esse é o tema filosófico dentro do cenário da crise econômica no filme argentino “Lugares Comuns” (Lugares Comunes, 2002). Um professor de Literatura é compulsoriamente aposentado em um reflexo da crise econômica do país e vê seus valores iluministas e humanistas desmoronarem, sentindo-se um estrangeiro em um mundo cujo lógica não trabalha com soma, mas com subtração.
“Eu sei que existe a desordem, a decepção e a desarmonia. Existe um país nos destruindo, um mundo que nos expulsa, um assassino impreciso que nos mata dia após dia, sem que percebamos. Não tenho uma resposta. Escrevo do caos, da mais completa escuridão”. Essas são as primeiras frases em off do protagonista enquanto escreve apontamentos ou pequenas crônicas para o seu diário. Fernando (Frederico Luppi) é um professor de Literatura em uma universidade em Buenos Aires sob a catastrófica crise econômica argentina do início dos anos 2000 pós-política neoliberais do presidente Carlos Menen.
Como podemos perceber nessa fala inicial, o filme “Lugares Comuns” fará um paralelo entre a crise em uma dimensão material (a econômica) é a outra crise em um plano metafísico ou filosófico (as velhas questões da Filosofia que, de tão repetidas, tornaram-se “lugares comuns” – caos e ordem, necessidade e liberdade, livre arbítrio e destino).
Fernando é casado com Lili (Mercedes Sampietro) uma assistente social que acompanha de perto as consequências da crise no país. Apegado ao pensamento crítico, ao Iluminismo e Humanismo tenta exercer a crítica literária e, ao mesmo tempo, ensina seus alunos a pensarem e manterem-se longe dos dogmas políticos e religiosos. Tenta transformar a Razão em bússola em um momento de crise e caos social. A frase de Hegel de que “a coruja de Minerva levanta voo somente no entardecer” (a Razão torna-se mais forte em momentos de obscurantismo) seria a convicção salvadora de Fernando.
quinta-feira, outubro 04, 2012
Em busca do Cinema Acontecimento
quinta-feira, outubro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma época em que o cinema não era apenas entretenimento, mas um acontecimento capaz de transformar vidas. Do início do cinema lembramos principalmente dos Irmãos Lumière e de Meliés. Mas poucos pesquisadores dão espaço para relatos sobre uma produção cinematográfica norte-americana do começo do século XX que tematizava os conflitos capital-trabalho, o sindicalismo e a dura vida de imigrantes e trabalhadores em fábricas e minas. O maravilhamento do primeiro público do cinema formado pelos estratos inferiores da sociedade ao se ver representado na tela transformava as primeiras salas de cinema em eletrizantes acontecimentos de participação e interatividade. Logo esses verdadeiros filmes-acontecimentos foram reprimidos e enquadrados por Hollywood e, a partir de 1924, considerados "anti-americanos" (comunistas) pelo Bureau of Investigation de Edgar Hoover. Desses primeiros tempos ficou o desejo da ruptura da ordem e da rotina que nos acompanha a cada ida ao cinema, o anseio pelo Acontecimento.
Para a maioria
dos espectadores, ir ao cinema não é uma atividade que esteja associada ao
perigo e comportamentos transgressivos. Tido como um local onde fantasias podem
ser vividas e tudo pode acontecer em um universo ficional, está mais comumente
associado ao entretenimento ou, no mínimo, a uma fuga dos problemas ou do
esquecimento momentâneo dos aborrecimentos do dia-a-dia.
Mas nem sempre
foi assim ou, talvez, nunca tenha sido. De um lado há uma história descrita por
pesquisadores que localiza no chamado primeiro cinema um tipo de experiência
estética que não se resumia unicamente a uma forma de entretenimento: pelo
contrário, era uma forma de experiência que poderia transformar vidas; de
outro, pesquisas críticas que descrevem o cinema e a própria experiência
estética como uma arena de tumulto e contenção, quebras e retornos à ordem,
crítica e reação. Para esses pesquisadores, desde o primeiro cinema e a
posterior industrialização, enquadramento e controle, o cinema traria ainda
dentro de si a potencialidade em transcender a si mesmo, mudar vidas de
espectadores, transformar a experiência estética em um acontecimento.
domingo, setembro 30, 2012
O olhar surrealista sobre o consumismo em "Little Otik"
domingo, setembro 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se nos contos de fadas
tradicionais ogros, lobos e bruxas ameaçam devorar crianças, em “Otesánek”
(Little Otik, 2000) do animador e diretor checo Jan Svankmajer vemos o inverso:
uma criança ameaça devorar seus próprios pais. Ligado ao movimento surrealista
desde a década de 1970, Svankmajer oferece um olhar carregado de humor negro
sobre uma cultura de consumo baseado na regressão infantil à compulsão e voracidade
oral onde objetos assumem dimensões fetichistas e mágicas ganhando vida
própria, e nos prometendo a redenção das frustrações. O olhar surrealista de
Svankmajer questiona: estaria nessa verdadeira cultura da devoração do outro a origem das guerras,
desigualdades e terrorismo do mundo contemporâneo?
Membro do movimento de artistas surrealistas checos desde os
anos 1970, Jan Svankmajer possui em seu currículo uma série de curtas e filmes longa
metragem onde animações em stop motion, fantoches e animações 2D interagem com
atores. Como cineasta, tenta livrar seu trabalho de tendências decorativas,
maneiristas ou “artísticas” (palavra que Svankmajer rejeita em favor da “criação”)
para buscar em suas narrativas realidades disfarçadas por trás do utilitário e
do convencional.
Dessa maneira, Svankmajer neste filme “Otesánek” (Little Otik, 2000) transforma o prosaico ato de comer associado a um conto de fadas checo
e referências explícitas a Luis Buñuel (como na sequência onde um homem pega
bebês e os envolve em jornais para serem vendidos com peixes para a ceia de
Natal) como metáforas do inconsciente por trás da cultura do consumo.
“Little Otik” é baseado em um antigo conto de fadas tcheco
sobre um casal que descobre que não pode ter filhos, mas adquire um bebê de
forma incomum: o Sr. Horák, um pacato burocrata que trabalha em uma repartição,
ao cavar a terra no fundo do jardim para arrancar uma árvore, encontra uma raiz
com forma curiosa que lembra vagamente uma criança. Horák esculpe a raiz dando
formas definitivas e apresenta à esposa que, de imediato, adota como um bebê
imaginário: secretamente lhe dá banho e o “alimenta”.
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